O terrorismo é um método de ação pequeno-burguês, eivado de niilismo e
revolta cega, cujos autores imaginam que podem mudar alguma coisa
mediante ações individuais, desligadas das massas. Além disso, quando o
terrorismo é realizado indiscriminadamente, atingindo a população civil,
esse tipo de ação se torna ainda mais condenável, pois mata pessoas
inocentes e não serve à causa que os próprios terroristas defendem.
Trata-se apenas do terror pelo terror, da barbárie pura e simples. Em
algumas situações, em que se torna necessário ações específicas contra
certos objetivos militares ou governamentais, no bojo de grandes lutas
de massas ou dualidade de poder, essas ações podem até ser realizadas,
desde que não atinjam civis ou inocentes.
Esse atentado em Paris se enquadra nas ações de terrorismo puro e
simples. Cerca de 130 pessoas foram assassinadas, nenhuma delas possuía
relação com o governo ou tinha realizado qualquer ação contra o
islamismo. Foram mortos simplesmente por estar no lugar errado, na hora
errada. Tratou-se, evidentemente, de um ato bárbaro que ceifou a vida de
inocentes, executado por fanáticos, sem nenhum critério político,
ideológico ou militar. Na verdade, os executores desse massacre eram
apenas peões guiados desde longe por interesses geopolíticos e
econômicos do imperialismo, tanto europeu quanto norte-americano. O
atentado deve ser duramente condenado e seus autores punidos
severamente, mas é importante refletirmos: por que ocorrem tragédias tão
bárbaras como esta em pleno século XXI?
Os atentados realizados
na França, como o das torres gêmeas nos Estados Unidos e em vários
países se assemelham à lenda do feiticeiro que, ao desenvolver de
maneira descontrolada o feitiço, terminou não controlando mais a
alquimia e esta voltou-se contra o próprio feiticeiro. Os atentados
contra as torres gêmeas foram realizados pela Al Qaeda, um
grupo terrorista treinado e financiado pela CIA para lutar contra os
soviéticos no Afeganistão. Enquanto lutou contra os soviéticos, Bin
Laden era festejado como herói, saia em fotos ao lado de dirigentes dos
Estados Unidos e era reverenciado no Ocidente. Quando a guerra acabou e
os EUA tentaram descartá-lo porque este não servia mais aos seus
interesses, recebeu o troco, com os atentados que resultaram em milhares
de mortes no centro do império.
Agora a França está
sentindo na carne pela segunda vez a mesma dupla moral do imperialismo. O
Estado Islâmico e outros grupos terroristas que atuam na Síria foram
treinados e armados pelo Ocidente para derrubar o presidente Bashar
Assad, porque a Síria representa no Oriente Médio um espinho na garganta
do imperialismo, uma vez que não se dobra aos interesses do Ocidente na
região. Os Estados Unidos e a Europa, especialmente a França, além da
Arábia Saudita, Qatar e Turquia, organizaram milhares de mercenários,
oriundos de dezenas de países, construíram rede logística, doaram
equipamentos bélicos altamente sofisticados para invadir a Síria e depor
seu presidente. Provocaram uma guerra civil e um banho de sangue no
País, cujo resultado é a morte de 280 mil sírios, entre os quais
milhares de crianças, o deslocamento de 11 milhões de habitantes e o
êxodo de 800 mil refugiados que hoje perambulam famintos pela Europa.
Poucos também ainda
lembram de que há quatro anos, o Departamento Militar dos Estados Unidos
na Europa, a OTAN, com o apoio decisivo da França e sem nenhum motivo
plausível, a não ser o desejo de derrubar o presidente da Líbia, Muamar
Kadafi, colocou toda a sua máquina de guerra para bombardear a Líbia e
organizou milhares de mercenários para invadir o País e matar o
presidente, num espetáculo dantesco divulgado pelas TVs do mundo
inteiro. Essa guerra particular do imperialismo contra uma nação
soberana custou milhares de vidas, desarticulou o Estado líbio e
espalhou a anarquia institucional, onde cada região do País é governada
por gangues mercenárias que espalham diariamente o terror entre a
população.
É educativo recordar
ainda que a guerra dos mercenários contra a Síria tem o apoio também
decisivo da França, que forneceu armamento aos mercenários, chamados
eufemisticamente de "grupos moderados". Ao admitir que estava entregando
armas para esses grupos, o presidente "socialista" francês, François
Hollande, disse que os equipamentos bélicos estavam dentro do
compromisso europeu com o esforço para derrubar Assad. Esse mesmo
argumento foi também expresso pelo presidente dos Estados Unidos, Barak
Obama, quando solicitou ao Congresso verbas para o financiamento dos
"rebeldes sírios". Qualquer observador sabe que esses mercenários são
treinados em campos da Jordânia e da Turquia pela CIA e depois são
enviados para a Síria. Ao chegar na Síria, as armas terminam caindo nas
mãos do Estado Islâmico porque os mercenários não têm moral: lutam ao
lado de quem paga mais. E o Estado Islâmico, que controla regiões
petrolíferas do Iraque, tem dinheiro suficiente para absorver os novos
combatentes. Tudo isso é feito com o conhecimento da CIA, resultando no
fato de que o Estado Islâmico se tornou o grupo mais forte entre os
mercenários no interior do País.
Estado Islâmico ganha vida própria
Nessa
conjuntura, o Estado Islâmico ganhou vida própria. Instalou um Califado
na região, instituiu leis medievais nas cidades sob seu controle,
destruiu monumentos históricos, realizou um conjunto de atrocidades
contra os povos das áreas ocupadas e ainda tinha a prática de degolar os
habitantes que não se convertiam ao islã. Enquanto acontecia com os
povos da região, essa prática era tolerada pelo Ocidente e desconhecida
do grande público. Só se tornou um fato internacional quando jornalistas
ocidentais e estrangeiros em geral, europeus e norte-americanos, foram
degolados publicamente, com grande estardalhaço e publicidade. A partir
daí o mundo inteiro tomou conhecimento dos métodos do Estado Islâmico e
sua imagem se deteriorou internacionalmente. Mesmo assim a CIA e os
outros serviços de inteligência ocidental continuaram fornecendo, por
baixo do pano, armas e material logístico para esses terroristas
continuarem matando civis na Síria.
Um dos elementos da
conjuntura que mostra a hipocrisia do imperialismo norte-americano e
europeu na guerra da Síria é fato de que, quando a imagem do Estado
Islâmico se deteriorou definitivamente, o Estados Unidos e os países da
Europa resolveram "combater" o Estado Islâmico. Era uma forma de dar
alguma satisfação à opinião pública diante das atrocidades cometidas por
esses terroristas. Após mais de um ano de bombardeios, o Estado
Islâmico continuou mais ativo do que nunca, sofisticando suas ações,
ampliando seu exército e conquistando novos territórios.
Quando a Rússia decidiu,
por solicitação da Síria, bombardear efetivamente os terroristas do
Estado Islâmico, em coordenação em terra com o Exército Sírio, logo a
opinião pública mundial tomou conhecimento do engodo que era a luta dos
Estados Unidos e da Europa contra esses terroristas. Em menos de três
semanas, os russos destruíram campos de treinamento, sua logística,
depósitos de armas, bunkers, mudando assim o curso da guerra. A partir
daí, com os terroristas em debandada, o Exército Sírio foi retomando as
cidades ocupadas e demonstrando ao mundo a farsa dos bombardeios dos
Estados Unidos. Ou seja, em um mês a Rússia fez mais do que os Estados
Unidos e o Ocidente em mais de um ano.
Diante desse fato
insofismável, qual foi a reação do governo norte-americano e de seus
aliados? Um cinismo risível. Quando os primeiros resultados dos
certeiros bombardeios se tornaram públicos, em vez dos Estados Unidos
elogiarem os russos pelos êxitos no combate aos terroristas que eles
teoricamente estavam também combatendo, colocaram toda a máquina de
propaganda para divulgar que os russos não estavam bombardeando o Estado
Islâmico mas os "rebeldes" treinados pela CIA, que os russos erraram
alvos e acertaram civis ou que bombardearam por engano território do
Irã. Como essas informações eram fantasiosas e convenciam poucas
pessoas, mudaram de tática e agora procuram se desvincular do jogo sujo,
criando algum fato para salvar sua imagem.
Recentemente, diante da
inevitável derrota do Estado Islâmico pelos bombardeios russos, os
Estados Unidos novamente buscam manipular a opinião pública através dos
meios de comunicação a serviço de seus interesses. Agora, divulga-se que
os EUA estão bombardeando efetivamente o Estado Islâmico e num desses
bombardeios chegaram a matar o chefe dos terroristas que degolava os
estrangeiros. Querem desesperadamente mudar a imagem, associando sua
ação à morte de um terrorista "degolador de ocidentais". Pura
propaganda. Para quem estava há mais de um ano lutando contra esse grupo
terrorista, matar um degolador é um feito não muito digno do exército
mais bem equipado e sofisticado do mundo.
Não se pode esquecer
também que a França é um dos principais parceiros da Arábia Saudita, uma
monarquia feudal e reacionária, principal baluarte do imperialismo no
Oriente Médio. Fica muito difícil para a França dizer que todos devem se
unir para combater o terrorismo, ao mesmo tempo em que é um dos
principais países vendedores de armas para a Arábia Saudita, a principal
financiadora dos grupos mais radicais do terrorismo internacional.
Essas armas francesas terminam caindo nas mãos dos terroristas. Além
disso, como país colonialista, a França não respeita a soberania dos
países africanos, suas antigas colônias. Nos últimos anos, mesmo com um
governo que se diz socialista, invadiu vários países para defender seus
interesses. É contraditório e ridículo querer combater o terrorismo
alimentando os terroristas ou os países que os financiam. Em outras
palavras, a política francesa para o Oriente Médio contribuiu para o
fortalecimento do terrorismo no mundo. Criaram um monstro e foram
atacados por ele.
Os mortos de segunda classe
Neste momento, todos os
dirigentes dos países ocidentais estão consternados com as mortes de
Paris, mas nenhum deles se sensibiliza com as mortes que ocorrem
diariamente nos países da periferia, fruto da política imperialista dos
Estados Unidos e da Europa. No mesmo momento em que ocorreram os
atentados em Paris também os terroristas do Estado Islâmico realizavam
um atentado em Beirute no qual morreram 43 pessoas e mais de 280 ficaram
feridas. Há algum tempo atrás os terroristas invadiram uma universidade
no Quênia e mataram 147 estudantes, da mesma forma que mataram outras
centenas na Nigéria.
Todos os dias palestinos
são mortos pelas tropas de ocupação de Israel, num espetáculo de
brutalidade que já se tornou rotina na região. Milhares de pessoal
morreram na invasão da Líbia pelos bombardeios da OTAN e pelas tropas
mercenárias a serviço do imperialismo. Outros milhares também morreram
ou estão ainda morrendo no Iraque e no Afeganistão. Na Síria, o número
de mortes causadas pela guerra imperialista já pode ser considerado um
genocídio. Todas estas mortes são da responsabilidade direta da política
imperialista para o Oriente Médio e a África na sua insaciável busca
por fontes de petróleo, gás e matérias-primas. Para atingir seus
objetivos, o imperialismo não limites.
Nenhum dirigente das
potencias ocidentais veio a público condenar de forma tão indignada
essas atrocidades como estão fazendo com os atentados de Paris. É a
indignação seletiva do Ocidente. Parece que a vida dos árabes e
africanos tem pouco valor, são mortes de segunda classe. Afinal, nenhum
deles era branco de olhos azuis ou residente nas metrópoles
imperialistas. Além da brutalidade como o imperialismo trata esses
povos, existe também algo vinculado ao racismo, fenômeno típico das
sociedades ocidentais, que cresceram e se desenvolveram explorando e
humilhando esses povos.
Isso pode ser visto
claramente na cobertura realizada pelos meios de comunicações, também
controlados pelas nações ocidentais. Nas mortes de segunda classe, eles
praticamente silenciam. Tratam a carnificina no Oriente Médio e na
África como uma coisa de pouco destaque. Mas quando os atentados são
realizados nas vitrines do capital, nos Estados Unidos ou na Europa, os
jornais realizam uma cobertura com grande estardalhaço. Passam dias e
dias desdobrando o assunto. Transformam essas mortes de primeira classe
numa calamidade mundial, incitam a população à solidariedade induzida e
todos os dirigentes tratam esses episódios como uma guerra contra os
valores ocidentais.
Quem são os verdadeiros responsáveis?
Na verdade, os principais
responsáveis pelo terrorismo no mundo são o imperialismo
norte-americano e europeu, além de Israel. São os seus governos que
armam, treinam e constroem a logística e fornecem as coordenadas de
inteligência para esses grupos atacarem países que não seguem o
receituário imperialista. Armam terroristas contra Cuba, "contras" para
desestabilizar a Nicarágua, Bin Laden e a Al Qaeda para atacar os
soviéticos, mercenários para invadir a Líbia e outros grupos que estão
direta ou indiretamente servindo aos seus interesses. Na Síria, todos os
grupos terroristas, especialmente o Estado Islâmico, foram armados e
treinados pelos serviços de inteligência ocidental.
O Estado Islâmico e os
outros grupos mercenários que atuam na Síria são criaturas do
imperialismo, filhos legítimos ou bastardos da política externa do
Ocidente imperial. Sem as armas, o treinamento, a logística e a
inteligência e o financiamento do imperialismo estes grupos não teriam
condições de operar da mesma forma que estão operando na Síria. Como se
explica que um grupo como o Estado Islâmico, inexpressivo há cinco anos,
construa num passe de mágica um exército com mais de 50 mil pessoas,
com armamento pesado, artilharia, tanques, mísseis e toda a parafernália
militar sofisticada que utilizam atualmente? Como explica os desfiles
triunfais desse grupo terrorista, com centenas de pick-up novinhas,
dezenas de tanques, armamento pesado e moderno, quando conquistam uma
cidade ou território?
Todo esse armamento é
fornecido pelos países imperialistas e por seus satélites para
desestabilizar governos legítimos. Por isso, as lágrimas de crocodilo
derramadas pelos dirigentes franceses e ocidentais em geral é uma
tremenda hipocrisia contra a opinião pública mundial e os franceses em
particular. As balas que mataram os franceses inocentes nesses atentados
provavelmente foram fabricadas nos Estados Unidos, na Inglaterra ou na
França e os terroristas que executaram os atentados possivelmente foram
treinados pelos serviços de inteligência ocidentais. Denunciar essa
hipocrisia dos líderes ocidentais neste momento, esclarecer a população
sobre os verdadeiros responsáveis por esses atentados é um dever de
todos aqueles querem transformar o mundo e se livrar do imperialismo.
A funcionalidade do terrorismo
Vale ressaltar finalmente
que o terrorismo é funcional para o capital e o imperialismo,
especialmente neste período de crise sistêmica global. Alimentando e
financiando o terrorismo contra governos legitimamente eleitos, mas
contrários à política do império, desestabiliza-se essas nações,
depõe-se seus dirigentes e implementa-se a política econômica
imperialista, ampliando-se assim as fronteiras geopolíticas do capital.
Pouco importa se para realizar essas ações sejam assassinados centenas
de milhares de pessoas, como aconteceu na invasão do Iraque, da Líbia e
na guerra mercenária contra o governo da Síria.
Quando o terrorismo ganha
vida própria, comete atrocidades nas regiões onde atua e esses fatos
chegam à opinião pública internacional, os terroristas deixam de ser
funcionais e são descartados por seus patrocinadores. Inverte-se então a
equação: para vingar-se da ingratidão, os terroristas punem
severamente seus antigos patrocinadores com atrocidades selvagens, como
ocorreu agora em Paris. Mas essas atrocidades são muito menores do que
aquelas que praticam nas regiões onde aterrorizam as populações locais.
Como são realizadas contra povos de segunda classe não ganharam
manchetes nos jornais, rádio ou televisão. Mas quando ocorrem no centro
do império, ganham dimensão mundial.
No entanto, por incrível
que pareça, esses atentados são também funcionais para o capital em
época de crise. Sob o pretexto de combater o terrorismo, os governos
ocidentais promulgam leis cada vez mais repressivas contra a população e
os trabalhadores. Procuram criminalizar os movimentos sociais. Os
partidos de extrema-direita, ganham novos argumentos para perseguir os
imigrantes e crescerem eleitoralmente em seus países, tornando-se uma reserva de valor político muito
importante que poderá ser utilizada nos momentos de agravamento da
crise, como ocorreu no período anterior à Segunda Guerra. Portanto, as
lágrimas de crocodilo dos dirigentes ocidentais representam não só a
hipocrisia dos representantes de uma classe apodrecida e a dupla moral
do imperialismo, mas principalmente a necessidade de superar o sistema
imperialista.