Civil responde processo na Justiça Militar há cinco anos por comparar Duque de Caxias a guerrilheiros como Carlos Lamarca
O desenrolar de uma ação movida em 2005 pelo Ministério Público Federal Militar contra um defensor dos direitos humanos ressuscitou duas polêmicas. Na primeira, um civil foi processado pela Justiça Militar, após o fim da ditadura, por "incitar motim" e "ofender o patrimônio do Exército brasileiro".
Em 2008 o caso foi apresentado na ONU |
Na segunda, ele levantou a discussão em torno da real necessidade de haver uma corte especial para julgar os crimes militares. Representantes de entidades defensoras dos direitos humanos do Recife, onde corre a ação, criticam o processo movido contra o economista Roberto Monte e defendem a extinção de resquícios de leis criadas durante o regime militar.
O processo começou depois que Monte, convidado por membros da Associação de Praças do Exército Brasileiro (Apeb), fez uma palestra sobre direitos humanos, em 2005. Na ocasião, o economista comparou Duque de Caxias a guerrilheiros como Carlos Lamarca, provocando a interpretação de parte da platéia de ter incitado insubordinação. O Ministério Público Federal Militar entrou com processo contra Roberto Monte e 12 militares que organizaram o evento e também fizeram palestras.
Os ativistas dos direitos humanos entendem a investida como uma tentativa de cercear a liberdade de expressão. "Fazia muito tempo que não ia defender civil em corte militar, isso nos remonta à ditadura. É preciso acabar com esse entulho autoritário. Esse processo todo é um grande erro", disse Frederico Barbosa, um dos advogados de Roberto Monte, designado para defender o ativista pela Ordem dos Advogados do Brasil seccional de Pernambuco (OAB-PE).
A juíza Maria Placidina de Araújo disse que este não é o primeiro caso que um civil é processado pela Justiça Militar após a ditadura. Ela calculou que cerca de um terço dos processos abertos na corte militar são contra civis. A magistrada formou o Conselho Especial de Justiça do Exército - composto por um juiz e quatro militares - na última audiência do caso, ocorrida na quinta-feira passada. "Se houver atentado contra o patrimônio das Forças Armadas, o responsável será acusado pela Justiça Militar. Isso está previsto no artigo 124 da Constituição Federal e no Art 9 do Código Penal Militar", afirmou. Ela ressaltou que a Constituição é de 1988, após o período militar, e disse ainda que não poderia comentar o processo no qual Roberto Monte é réu.
Na última quinta-feira, o economista recebeu a visita de representantes da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que o informaram de que tinha sido incluso no programa de proteção de defensores de direitos humanos ameaçados. O ativista comemorou o apoio da secretaria e das demais entidades de defesa dos direitos humanos e acredita que sua história seja uma maneira de discutir o papel das Forças Armadas. "Sofrer esse processo em 2010 chama-se estupidez. Isso vai acabar no Supremo (Tribunal Federal) e o Brasil corre o risco de ficar desmoralizado lá fora, principalmente agora que pleiteia o cargo de membro permanente na ONU", disse o economista. Ele informou ainda que a Corte Interamericana de DireitosHumanos da OEA tem uma vasta jurisprudência que condena o julgamento de civis por cortes militares e que o seu caso foi notificado em 2008 para relatores das Nações Unidas. "Essa é uma discussão que vai esquentar ainda mais depois das eleições", apostou.
Manoel Moraes integrante do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) e militante dos direitos humanos acompanha o caso desde o início. "A liberdade de expressão é uma garantia constitucional e não há nada de errado em um homem citar pessoas que o próprio estado brasileiro já reconheceu e indenizou, gente como Lamarca. É um retrocesso a Justiça Militar fazer uma leitura diferente. Ainda existe uma tradição autoritária dentro da estrutura do Exército. Esse fato é extremamente simbólico de como ainda é preciso avançar nos direitos humanos brasileiros", defendeu.
Nota do MVIVA: gostariamos de conhecer a opinião do Sr. Ophir Cavalcante sobre o caso.
Fonte: O Diario de Pernambuco
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