sábado, 16 de abril de 2011

O MISTERIOSO MILIONÁRIO QUE JUNTOU-SE AOS REVOLUCIONÁRIOS DE MARIGHELLA

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Capital vermelho

Frei Betto conta em livro como banqueiro paulista ajudou a guerrilha urbana e deu proteção a Carlos Marighella em sua mansão

Cada vez que se mergulha nos bastidores da guerra clandestina travada contra a ditadura militar, vêm à tona peças surpreendentes do quebra-cabeça da nossa história recente, escrita a conta-gotas. 
Detalhes, revelações e versões polêmicas sobre os fatos emergem na medida em que seus protagonistas decidem se abrir, embora alguns ainda tenham receio de se expor. Quem diria, por exemplo, que um importante banqueiro costumava emprestar sua mansão, no sofisticado bairro do Jardim Europa, em São Paulo, para um dos mais temidos inimigos da repressão no final da década de 60? O banqueiro, que desempenhou um papel raro naqueles tempos – o de mecenas da luta armada –, ainda teme aparecer em cena e por isso não revela seu nome. Mas o líder revolucionário era ninguém menos do que Carlos Marighella, o cabeça da Ação Libertadora Nacional (ALN), então inimigo público número 1 da didatura. O insuspeito homem do mercado financeiro dava guarida a guerrilheiros urbanos, os quais, ironicamente, roubavam bancos para arrecadar fundos para a causa. Frei Betto, um dos dominicanos integrantes da ALN, entre outras tarefas, ajudava os perseguidos a fugir do País e foi um dos que encontraram abrigo na mansão dos Jardins. Numa dessas ocasiões, Marighella apareceu com uma sacola de dinheiro, roubado de um banco horas antes. Por medida de segurança, ele e Frei Betto embaralharam as notas, para misturar a numeração.


Foto: AG. O Globo
Morte de Marighella ainda é cercada de mistério
Dezessete anos depois de lançar a primeira edição do livro Batismo de sangue, que conta o papel dos dominicanos no combate à repressão e dá a sua versão sobre a polêmica morte de Marighella, Frei Betto decidiu ampliar a sua obra, recheando-a com informações inéditas, como a do apoio do banqueiro. Na sua 11ª edição, Batismo de sangue será lançado, no próximo dia 26, pela Editora Casa Amarela. “Ao menos um consolo eu tinha: o assalto não fora ao banco do nosso anfitrião”, ironiza Frei Betto, que se recusa a dar o nome do benfeitor dos revolucionários. “Hoje ele não é mais tão importante. Mas não revela o nome porque ainda quer ser preservado. O banqueiro fazia parte da rede de apoio da ALN, conseguida por nós, frades”, completou, lembrando que havia ainda outros diretores de empresas entre os aliados de Marighella. Um deles era Antônio Flávio Médici de Camargo, então próspero corretor de imóveis e proprietário da Distribuidora Paulista de Valores, que servia até de motorista para o líder da ALN, em sua Mercedes-Benz. Era em seu apartamento, no elegante bairro de Higienópolis, em São Paulo, que Marighella se hospedava, e foi de lá, na noite do dia 4 de novembro de 1969, que o guerrilheiro saiu para encontrar a morte, na alameda Casa Branca, onde tinha um ponto de encontro com frei Fernando e frei Ivo. O líder comunista acabou fuzilado numa emboscada que até hoje causa polêmica na própria esquerda. No livro, Frei Betto rechaça a tese de que os frades, barbaramente torturados pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury, foram os únicos responsáveis pela queda de Marighella, batizada pela polícia como Operação Bata Branca, numa referência à batina dos dominicanos. “Um mês antes da morte dele, já havia mais de 20 presos políticos acusados de pertencer à ALN, inclusive os que faziam a ponte entre os dominicanos e Marighella, e um deles poderia ter falado”, acrescentou.
Enigmas – Muitas suspeitas são levantadas no livro. Entre elas a de que o dirigente da ALN Otávio Ângelo, que encontrou Marighella horas antes da sua morte, teria colaborado com a repressão. Seu paradeiro ainda é um mistério. “Talvez, como cabo Anselmo, viva em algum lugar, protegido por uma nova identidade”, supõe. Outro enigma: Quem informou à polícia dos contatos de Fernando e Ivo com Marighella? 

 “É de se estranhar a tranquilidade com que a repressão agiu antes da execução, no dia 4, pondo em risco seu objetivo de eliminar o líder da ALN”. Frei Betto refere-se ao estardalhaço que a polícia fez, invadindo conventos e apartamentos de dominicanos no Rio e em São Paulo, sem medo de alertar seu alvo. Aos poucos essa história vai sendo escrita. “A verdade é filha do tempo”, concluiu.

A morte do carrasco
Arquivo AE
Burnier: planos para matar
Desde 1964, o brigadeiro João Paulo Moreira Burnier era conhecido na Força Aérea Brasileira como “o carrasco”. O apelido, dado por seus subordinados, o acompanharia pela vida. Sua morte, no último dia 13, foi misteriosa como as missões que planejou no temido Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (Cisa), nos anos 60 e 70. Ultimamente, segundo oficiais da Aeronáutica, ele atacava o “excesso de liberdade no País”. Burnier morreu de câncer, aos 80 anos, mas o fato só foi divulgado, por militares, no dia 19. O brigadeiro foi mentor de um plano para explodir o gasômetro do Rio de Janeiro, pôr a culpa na esquerda e causar uma comoção nacional, o que levaria à radicalização do processo político. A tragédia foi evitada pelo capitão Sérgio Miranda de Carvalho, o Sérgio “Macaco”, que comandava o Para-Sar, grupo de elite da Força Aérea, e se recusou a participar da eliminação de opositores da ditadura militar. Na lista dos alvos estavam o ex-governador Carlos Lacerda, o ex-presidente Juscelino Kubitschek e o líder estudantil Vladimir Palmeira.
Hélio Contreiras

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