José Cláudio de Paula do blog Olhar diferente, via Quem tem medo da democracia
O período vivido por nossa geração ficará registrado, no futuro, como o tempo em que vencemos um regime autoritário e implantamos a democracia que, a despeito de todos os seus defeitos e imperfeições, é um sistema muito melhor de convivência entre os seres humanos do que a ditadura derrotada. Será marcado também como o período de tempo em que iniciamos a tarefa hercúlea de superar a situação de miséria que ainda infelicita muitas pessoas e famílias de nosso país.
A luta pela redemocratização foi repleta de percalços. Não vencemos todas as batalhas. Tivemos vitórias parciais e perdemos companheiros e companheiras valorosos. Ainda assim vencemos a guerra de tal forma que, hoje, os saudosos dos tempos do autoritarismo, ainda que existam, se envergonham de se manifestar.
Sempre digo que a vitória mais importante da história da esquerda brasileira está no fato de termos eleito e reeleito presidente da República um operário que, antes de ocupar o cargo que ocupou, tinha sido somente presidente de um sindicato de trabalhadores, e cuja família veio do Nordeste do Brasil como retirante.
Ouvimos nossos adversários condenarem a postulação de Lula, com o discurso de que um operário não seria bem-sucedido na Presidência da República. Segundo diziam, a tarefa era coisa para doutores e não para um operário. A prática demonstrou exatamente o contrário. O homem que presidiu o Brasil por oito anos deixou o governo com a avaliação mais positiva que um governante já houvera tido em nossa história.
Em muitos outros aspectos nós contribuímos para que o povo brasileiro passasse a pensar diferente sobre si mesmo. Ainda que ainda tenhamos muito o que avançar, hoje as relações homoafetivas e o papel das mulheres e dos negros na sociedade é visto de outra forma, em grande medida graças à nossa atuação.
Falta, no entanto, um detalhe significativo. Não conseguimos, desgraçadamente, desmontar a farsa que atribui aos militantes da resistência ao autoritarismo a pecha de terroristas. Também não conseguimos a culpabilidade do crime de tortura. A anistia recíproca aprovada em um momento que ou a aceitávamos ou não teríamos anistia nenhuma, praticamente inocentou os torturadores e continuou criminalizando companheiros e companheiras que optaram pela luta armada no enfrentamento contra a ditadura.
A questão não é banal. O efeito dessa derrota ideológica é a dificuldade que temos em fazer aprovar no Congresso Nacional a Comissão da Verdade, um instrumento legítimo de fortalecimento da democracia que pretende recuperar a memória desses nossos heróis contemporâneos e, ao mesmo tempo e se for o caso, punir os torturadores.
Comandante Carlos Lamarca |
A ocasião em que se completam 40 anos da execução dos militantes Carlos Lamarca e Zequinha Barreto (foto retirada do sítio http://zequinhabarreto.org.br) é o momento ideal para insistirmos nesse debate. Se não formos céleres na recuperação da verdade histórica acerca dos acontecimentos que resultaram nos assassinatos de Zequinha e Lamarca, corremos o risco de vê-los retratados nos livros de história do futuro um como perigoso bandido e terrorista, e o outro como desertor do exército do qual fez parte.
A história de nossos heróis deve ser contada por nós mesmos ou por gente de nossa confiança, nunca por nossos inimigos. Carlos Lamarca deixou o exército por se recusar a cumprir ordens que lhe mandavam comandar tropas que iriam reprimir trabalhadores em greve. Zequinha Barreto foi ativista operário em Osasco e participou da direção das históricas greves de 1968, que iniciaram o caminho que, depois seria seguido por trabalhadores de todo o país.
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A opção que ambos fizeram pelo enfrentamento armado contra o regime ocorreu porque eles não viam outro meio de enfrentar o autoritarismo que dominava nosso país. Na mesma situação, muitos de nós teríamos escolhido o mesmo caminho. A violência só se justifica quando os argumentos verbais não são ouvidos e o autoritarismo que vigorou em nosso país não aceitava qualquer argumento que lhe questionasse a autoridade.
É urgente a recuperação da memória histórica de todos os combatentes que enfrentaram aqueles tempos difíceis. Do mesmo modo que conseguimos vencer o preconceito em relação ao operário que se tornou o melhor presidente da república de nossa história, vamos vencer também a discriminação que, infelizmente, ainda persegue esses combatentes valorosos.
Não são terroristas nem desertores, são soldados da liberdade que merecem um lugar de relevância em todos os livros de história de nosso país. A instalação da Comissão da Verdade pode cumprir esse papel importantíssimo para as futuras gerações de lutadores e de lutadoras que vão completar aquilo que ainda não conseguimos concluir e que vão mudar o país e tornar o mundo cada vez melhor para todos.
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