terça-feira, 27 de março de 2012

Ver-O-Peso completa 385 anos marcando gerações



Ser tomado por sensações. Ter os sentidos aguçados por experiências mágicas. Envolvimento de sabores, formas, barulhos. Conhecer novos estímulos, redescobrir os antigos. Quem chega na maior feira livre da América Latina há que parar e absorver as ofertas de emoções. É preciso se concentrar. Parar por um instante. Ouvir então os carros, os gritos, os bregas.  

Captar os cheiros, as cores, o local, que conta com aproximadamente cinco mil trabalhadores distribuídas em 30 mil m². E então, dar um passo para mergulhar no rio de possibilidades que só o Ver-o-Peso tem. Completando hoje 385 anos, “Veropa”, para os íntimos, convida a todos para um deleite sensorial.
Existe algo para o qual você olhe e já sinta a boca salivar? Para o vendedor Jairo Ferreira, natural do Amapá, essa delícia é o peixe frito com açaí. A cada dois meses ele deixa a cidade do Oiapoque, no extremo norte do país, para ir à Belém a trabalho. E quando chega, corre para o Ver-o-Peso. Saborear seu prato favorito não é escolha. É obrigação. “Eu já estava no aeroporto porque meu voo sai em poucas horas, mas atravessei a cidade, vim pra cá só comer e volto”, sem se importar de ainda ser 10h. 

Ao lado do prato, a pimenta, o sal, o limão reforçavam o paladar e se expandiam ao ambiente, mas com o tempo certo de serem acrescentados ao prato. “A comida aqui parece ser até mais gostosa. Não sei explicar o que é. Aqui a gente encontra todas as pessoas, conversa com elas, se sente bem, até mais feliz. É um espaço diferenciado”, conta. Dos boxes de comida para as barracas de legumes, passando pela farinha, até chegar às frutas. Ali tudo tem sabor, tem gosto. Mas além dos sabores. o tato é essencial.

Quem compra na feira sabe que não basta ver, é preciso sentir o produto, como faz a dona de casa Maria Gomes, ao escolher frutas frescas, com a melhor textura. “Com o tempo a gente percebe quais estão no ponto, mais frescas. 

A gente precisa sentir que ela ainda tem vigor. Se estiver muito mole, por exemplo, não levo, porque vai durar pouco”, comenta. 

Nos artesanatos e roupas, tocar também faz diferença, como nas curvas das cerâmicas. Se o calor forte incomodar, é bom ir a um dos espaços parcialmente cobertos, como o das famosas ervas milagreiras da região. Lá, a gerente comercial Nathalia Martins e uma amiga, que visitava o Ver-o-Peso pela primeira vez: “Gosto especialmente dessa parte, com as ervas, porque a magia do local chama atenção. Quando trago turistas eles se interessam pelo banho, promessas de sonhos realizados, os cheiros de cada frasco”, conta. 

Nas mãos, sacolas com farinhas, pimenta, cupuaçu, castanha do Pará e artesanatos já pesavam para as jovens. Mas ainda acrescentaram um vidrinho que chama boas vibrações. “Elas são carismáticas, tentam adoçar com humor os problemas da vida. Não tem como recusar”, explica.
Em outros corredores, o cheiro toma aromas diferentes. Na “Pedra” o odor de peixe fresco se intensifica com o avançar da manhã e é normal para quem gosta. E assim, imponente, o Ver-o-Peso atrai olhares de todas as direções. Para o aposentado Lucimar Castro, a visão mais bela está no que envolve a feira. “Pra mim é a vista mais bonita do mundo. Me emociono de verdade olhando pro rio, vendo os barcos passarem, as ilhas do outro lado. Consigo passar mais de uma hora sem me mexer daqui, só vendo o horizonte. Somos abençoados com essa natureza. Infelizmente não damos o valor necessário, porque acostumamos, mas tenho certeza que todos sentiriam falta se um dia não tivéssemos mais”, opinou, deixando calmamente o local, com a certeza de uma sensação maior, que envolve todos os sentidos. Porque nenhum outro lugar dita, de forma tão mítica, o fluxo diário e peculiar de Belém.
Ver-o-Peso tem de quase tudo
O ambulante Ouziel de Oliveira, 51 anos, não trabalha com poções ou simpatias, mas também ‘salva muitas vidas’. Na banca improvisada em caixa de sapatos, comercializa miudezas: cola, lixa de unha, pente, sebo-de-holanda, barbeador. “Quem nunca saiu de casa na pressa até perceber que precisava dar um trato na unha? Tenho tesourinha, cortador, base. A pessoa às vezes nem sabe que precisa de algo até topar comigo”, diz o mascate, que há 34 anos trabalha no mercado do Ver-o-Peso.
Além das comidas típicas, artesanato e plantas medicinais, comércios como o de Ouziel mostram que o Ver-o-Peso tem muito mais. Roupas, panelas, eletroeletrônicos, o produto que você necessita, provavelmente, vai estar lá. São essas vendas que tornam o mercado mais interessante. Miguel Alho Cordeiro, 70, desde o final dos anos 80 comercializa bolsas, mochilas, carteiras e artigos de couro em três barracas. O estoque é de fazer inveja a muita loja de shopping center. “As pessoas têm aquele preconceito de que o Ver-o-Peso é um lugar de coisa porcaria. Engano deles, aqui tem muita coisa boa, coisa chique”, conta o vendedor.
O ambulante Rômulo Souza, 47, passa a madrugada oferecendo importados e vidros de perfumes. “O perfume é o que sai mais. Perfume de marca Kaiak, Essencial, Sintonia. Meus clientes são os balanceiros, os peixeiros, donos de atacado. Eles não economizam na hora de cheirar bem”, conta. A especialidade de Antônio Silva, 60, são panelas e produtos em alumínio, há 45 anos. “Todo dia tem cliente. Estou bem servido. É o melhor ponto da cidade”, afirma. Antônio não se restringe à venda, também conserta panelas e frigideiras e recauchuta borracha de panela de pressão. “Sou minha própria assistência técnica. Os produtos têm garantia, não deixamos nada a dever para nenhuma loja. Pode vir”, anuncia, com jeito amigável. “Não há nada que uma visita no Ver-o-Peso não resolva. Visito ele para tudo. Nem que seja para bater papo”, ensina a dona-de-casa Joana
Mourão.
Há sabores que só o Ver-o-Peso oferece
O Ver-o-Peso atrai milhares de pessoas todos os dias para fazer compras. Em meio a verduras, camarões, peixes de 40 espécies, e uma variedade de ervas e frutas exóticas, também circulam centenas de turistas todos os dias. “O Ver-o-Peso é uma vida, um encanto dos paraenses, é o postal mais lindo do mundo inteiro”, diz a vendedora de ervas Socorro Soares da Silva, 51, que vende garrafadas, chás, extratos e perfumes de ervas da Amazônia. Ela está no mercado há 26 anos, mantendo uma banca que foi deixada de herança pelos bisavós para a avó, que passou para a mãe, e agora está nas mão dela. “Essa barraca é o meu marido, se eu pudesse ataria uma rede aqui e dormiria com ela”, afirma socorro que criou cinco filhos com o que ganha no mercado e já ganhou até medalha de ouro da Prefeitura como reconhecimento pelo seu trabalho.
O vendedor de camarão, José Alberto Severiano, que trabalha há 30 anos no Ver-o-Peso, diz que conhece o velho e o novo mercado, referindo-se á reforma feita há quase 10 anos que mudou a cara do complexo. Diz ainda que para trabalhar ali é preciso ter “caldo grosso”, criticandoi dando a existência de benefício aos que tem mais dinheiro com os melhores pontos.
Mas alheios a isso, compradores declaram seu amor ao mercado que atrai a população pela variedade e qualidade dos produtos oferecidos, mas principalmente pelo preço. “Aqui é mais barato e é uma maravilha, uma feira única no Brasil e no mundo e merece o título de maior feira livre da América Latina”, derrete-se Edna Costa, que junto com os irmãos Sérgio e Arlete não perdem um sábado sem ir à feira, mesmo tendo que se deslocar do Coqueiro, no vizinho município de Ananindeua onde moram, até o centro.
A professora de História, Telma Bechara, fala com propriedade: “É o melhor mercado do mundo em termos de diversidade gastronômica, cultural e folclórica”. Já a aposentada Solange Maria de Sousa Ribeiro, critica a falta de manutenção do local. “Já está ficando tudo feio”. E em meio ao rebuliço da feira é possível encontrar gente fazendo até as unhas. O “salão” da manicure Iraci Paixão, que trabalha há 26 anos no mercado, fica perto da pedra, onde se vendem peixes mais baratos. Dois caixotes servem para ela e o cliente, com a regalia de poder tomar cerveja enquanto faz as unhas. Orgulho para quem criou os filhos com o trabalho no mercado, que há 385 anos faz história no Pará.

 (Diário do Pará)

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