Os Estados Unidos são tidos como um dos
países onde a democracia nasceu e criou raízes. Isso é verdade, mas
frequentemente se esquece que essa mesma democracia, que garantiu as liberdades
individuais e civis, tinha aspectos oligárquicos. Tanto que o país conviveu com
a escravidão por quase cem anos e depois disso com uma política de apartheid
nos estados sulistas que duraria até os anos 1960 do século passado.
Mas há uma
coisa que poucos sabem: durante 74 anos, a democracia americana tinha leis que
autorizavam a esterilização compulsória de pessoas consideradas “incapazes” ou
“inferiores” – fossem negros, deficientes mentais ou mulheres. A isso se dá o
nome de eugenia, prática de “purificação racial” hoje condenada e que
normalmente é associada ao nazismo, mas que nasceu na Inglaterra e foi aplicada
nos EUA e – pasmem! – na Suécia. Nos EUA, cerca de 60 mil cidadãos americanos
foram esterilizados entre 1929 e 1979 e muitos sequer foram informados de que
estavam sendo submetidos a essas operações. Entre eles, 48% eram mulheres e 40%
negros ou indígenas. A progressista Califórnia foi o estado que mais adotou
essa medida, esterilizando cerca de 20 mil – um terço do total.
Em 2004 fiz uma resenha para a IstoÉ de um
livro, A Guerra contra os Fracos, de Edwin Black, que retrata essa tragédia
As raízes do Holocausto
Adolf Hitler copiou de eugenistas americanos
política que eliminava "raças inferiores"
Cláudio
Camargo
Algumas
palavras ficaram tão associadas a crimes aberrantes que simplesmente
desapareceram do vocabulário corrente. É o caso da “eugenia” ou “higiene racial”,
um movimento racista e pseudocientífico surgido no início do século XX que
classificava as pessoas segundo a hereditariedade, esterilizando os “incapazes”
(doentes mentais, epilépticos, alcoólatras, criminosos comuns, deficientes
visuais, pobres, mas também negros, judeus, poloneses...) com o objetivo de
preservar e ampliar a “raça superior”, branca e nórdica. Embora tenha sido
aplicada em escala industrial e genocida apenas na Alemanha nazista, a eugenia
tomou corpo e ganhou forma e robustez nos EUA. Os epígonos de Hitler apenas
copiaram e universalizaram o modelo. Essa incrível história, pouco conhecida, é
contada agora, num minucioso relato, em A
guerra contra os fracos – a eugenia e a campanha norte-americana para criar uma
raça superior, do jornalista americano Edwin Black.
Nos
domínios de Tio Sam, berço da democracia moderna, a eliminação de grupos
étnicos indesejáveis não foi perpetrada por sinistras tropas de assalto, como
no III Reich, mas por “respeitados professores, universidades de elite, ricos
industriais e funcionários do governo”. Criada na Inglaterra no século XIX pelo
matemático Francis J. Galton, a eugenia (composta do grego “bem nascido”)
atravessou o oceano e encontrou campo fértil em terras americanas. Sob a batuta
do zoólogo Charles Davenport, o movimento eugenista obteve apoio de
instituições renomadas, como a Carnagie Institution – que montou a primeira
empresa de eugenia em Long
Island –, da Fundação Rockefeller e de uma plêiade de
acadêmicos, políticos e intelectuais.
O movimento cativou tanto a elite americana da época que, a partir de 1924,
leis que impunham a esterilização compulsória foram promulgadas em 27 Estados
americanos, para impedir que determinados grupos tivessem descendentes. Uma
vasta legislação proibindo ou restringindo casamentos também foi criada para
barrar a miscigenação. Confrontada com tamanha violação dos princípios da
Constituição americana, a Suprema Corte deu sua bênção à eliminação dos mais
fracos. “Em vez de esperar para executar descendentes degenerados por crimes, a
sociedade deve se prevenir contra aqueles que são manifestadamente incapazes de
procriar sua espécie”, disse o juiz Oliver Wendell. Entre os anos 1920 e 1960
pelo menos 70 mil americanos foram esterilizados compulsoriamente – a maioria
mulheres.
Edwin Black, que ficou famoso em 2001 com o best-seller A IBM e o Holocausto, lembra que a cruzada eugenista de Tio Sam não
foi apenas um crime doméstico. “Os esforços americanos para criar uma superraça
nórdica chamaram a atenção de Hitler.” Antes da guerra, os nazistas praticaram
a eugenia com total aprovação dos cruzados eugenistas americanos. Não sem uma
ponta de inveja, claro: “Hitler está nos vencendo em nosso próprio jogo”,
declarou em 1934 Joseph DeJarnette, superintendente do Western State Hospital,
da Virgínia.
Desmascarado
pelo genocídio hitlerista, o antes arrogante movimento eugenista baixou a
guarda. Mesmo assim, entre 1972 e 1976, hospitais de quatro cidades
esterilizaram 3.406 mulheres e 142 homens. Muitas mulheres pobres foram
ameaçadas com a perda de benefícios sociais ou mesmo a guarda dos filhos.
Condenada
pela comunidade acadêmica em 1977,
a eugenia escondeu o rosto e buscou refúgio nos
cromossomos da engenharia genética. Mas, assim como no passado a eugenia
contaminou causas sociais, médicas e educacionais importantes, hoje ela pode
inocular o vírus da intolerância em projetos científicos fundamentais, como o
genoma e o processo de clonagem para fins terapêuticos. Afinal, é sabido que,
ao brincar de Deus, o homem costuma fazer a obra do diabo.
Os Estados Unidos são tidos como um dos
países onde a democracia nasceu e criou raízes. Isso é verdade, mas
frequentemente se esquece que essa mesma democracia, que garantiu as liberdades
individuais e civis, tinha aspectos oligárquicos. Tanto que o país conviveu com
a escravidão por quase cem anos e depois disso com uma política de apartheid
nos estados sulistas que duraria até os anos 1960 do século passado.
Mas há uma
coisa que poucos sabem: durante 74 anos, a democracia americana tinha leis que
autorizavam a esterilização compulsória de pessoas consideradas “incapazes” ou
“inferiores” – fossem negros, deficientes mentais ou mulheres. A isso se dá o
nome de eugenia, prática de “purificação racial” hoje condenada e que
normalmente é associada ao nazismo, mas que nasceu na Inglaterra e foi aplicada
nos EUA e – pasmem! – na Suécia. Nos EUA, cerca de 60 mil cidadãos americanos
foram esterilizados entre 1929 e 1979 e muitos sequer foram informados de que
estavam sendo submetidos a essas operações. Entre eles, 48% eram mulheres e 40%
negros ou indígenas. A progressista Califórnia foi o estado que mais adotou
essa medida, esterilizando cerca de 20 mil – um terço do total.
Adolf Hitler copiou de eugenistas americanos política que eliminava "raças inferiores"
Algumas palavras ficaram tão associadas a crimes aberrantes que simplesmente desapareceram do vocabulário corrente. É o caso da “eugenia” ou “higiene racial”, um movimento racista e pseudocientífico surgido no início do século XX que classificava as pessoas segundo a hereditariedade, esterilizando os “incapazes” (doentes mentais, epilépticos, alcoólatras, criminosos comuns, deficientes visuais, pobres, mas também negros, judeus, poloneses...) com o objetivo de preservar e ampliar a “raça superior”, branca e nórdica. Embora tenha sido aplicada em escala industrial e genocida apenas na Alemanha nazista, a eugenia tomou corpo e ganhou forma e robustez nos EUA. Os epígonos de Hitler apenas copiaram e universalizaram o modelo. Essa incrível história, pouco conhecida, é contada agora, num minucioso relato, em A guerra contra os fracos – a eugenia e a campanha norte-americana para criar uma raça superior, do jornalista americano Edwin Black.
O movimento cativou tanto a elite americana da época que, a partir de 1924, leis que impunham a esterilização compulsória foram promulgadas em 27 Estados americanos, para impedir que determinados grupos tivessem descendentes. Uma vasta legislação proibindo ou restringindo casamentos também foi criada para barrar a miscigenação. Confrontada com tamanha violação dos princípios da Constituição americana, a Suprema Corte deu sua bênção à eliminação dos mais fracos. “Em vez de esperar para executar descendentes degenerados por crimes, a sociedade deve se prevenir contra aqueles que são manifestadamente incapazes de procriar sua espécie”, disse o juiz Oliver Wendell. Entre os anos 1920 e 1960 pelo menos 70 mil americanos foram esterilizados compulsoriamente – a maioria mulheres.
Edwin Black, que ficou famoso em 2001 com o best-seller A IBM e o Holocausto, lembra que a cruzada eugenista de Tio Sam não foi apenas um crime doméstico. “Os esforços americanos para criar uma superraça nórdica chamaram a atenção de Hitler.” Antes da guerra, os nazistas praticaram a eugenia com total aprovação dos cruzados eugenistas americanos. Não sem uma ponta de inveja, claro: “Hitler está nos vencendo em nosso próprio jogo”, declarou em 1934 Joseph DeJarnette, superintendente do Western State Hospital, da Virgínia.
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