quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Enquanto dizia ter dificuldade financeira para comer, blogueira recebeu para fazer tour gastronômico

Por Salim Lamrani (*)
No período de alguns anos, a dissidente cubana Yoani Sánchez se converteu na principal figura da oposição ao governo de Havana. Ninfa egrégia dos meios informativos ocidentais, no entanto, a blogueira não escapa às suas próprias contradições.
Yoani tem uma visão bastante peculiar de seu país, que compartilha em seu blog Generación Y, criado em 2007. O ponto de vista é áspero e sem nuances. A realidade cubana aparece descrita de modo apocalíptico e ela conta sua vida cotidiana composta por sofrimentos e privações. Critica duramente o governo de Havana e o faz responsável por todos os males.
“Meu filho me pergunta se terá almoço hoje”
“Meu filho me pergunta se terá almoço hoje”, escreve em uma crônica no dia 29 de junho de 2012, em “uma sociedade em que cada gestão está rodeada de obstáculos e impedimentos, se produz muito mais de forma independente”. [1] “Uma dessas cenas recorrentes é a de perseguir os alimentos e outros produtos básicos em meio ao desabastecimento crônico de nossos mercados”, queixa-se. [2] Afirma que luta diariamente contra “os obstáculos da vida”. [3]
Ela afirma inclusive ter dificuldades para alimentar seu próprio filho “diante da verticalidade de um governo totalitário” [4], que usa como pretexto “uma eterna ameaça estrangeira para desqualificar os incômodos”. [5] Segundo ela, “com alguns centavos que se somam a um alimento, o termômetro da angústia cotidiana dispara, os graus de inquietude se incrementam”. [6]
Contradições
Ao ler essas linhas, parece que a jovem dissidente cubana passa fome e se encontra em total desamparo. Mas suas informações dificilmente resistem à análise.
Longe de se ver em estado de precariedade, Yoani Sánchez goza de condições de vida materiais privilegiadas quando comparadas às da imensa maioria de seus compatriotas. Na edição de 23 de julho de 2012 do jornal espanhol El País [seis dias antes do post sobre a fome, foto à esquerda], descobrimos que a blogueira fez uma reportagem sobre “os 10 melhores restaurantes da renovada cozinha cubana”. [7]
Convertida em gastrônoma e crítica de culinária, Sánchez estabelece uma classificação dos dez melhores restaurantes da capital cubana e descreve com muitos detalhes os suculentos cardápios propostos por um preço médio de “20 euros”, ou seja, o equivalente a um mês de salário em Cuba. Dessa forma, o Café Laurent, o Decamerón, o Habana Chef, La Casa, La Mimosa, La Moneda Cubana, Le Chansonnier, Mamma Mía, Rancho Blanco e Río Mar conseguem seus votos.
Inevitavelmente, surgem várias perguntas. Para poder estabelecer uma classificação minimamente séria, a jovem opositora teve que visitar pelo menos uns cinquenta restaurantes de Havana cujos cardápios custam em torno de 20 euros como média. Como Yoani Sánchez – que afirma ter dificuldades para alimentar seu próprio filho – poderia supostamente gastar 1.000 euros – quantia que equivale a quatro anos de um salário médio em Cuba! – para visitar os restaurantes mais seletos da capital cubana? Por que uma pessoa que afirma se interessar pela sorte de seus concidadãos realiza uma reportagem sobre os restaurantes de luxo em Cuba, que poucos cubanos podem frequentar?
O verdadeiro nível de vida de Yoani Sánchez
Na verdade, Yoani Sánchez não sofre nenhum problema de ordem material. Desde que integrou o universo da dissidência, sua vida mudou de modo considerável. No período de alguns anos, a jovem opositora recebeu múltiplas distinções, todas financeiramente remuneradas. Assim, desde a criação de seu blog, em 2007, a blogueira foi retribuída com a quantia de 250 mil euros no total, isto é, uma importância equivalente a mais de 20 anos de salário mínimo em um país como a França, quinta potência mundial.
O salário mínimo mensal em Cuba é de 420 pesos, quer dizer, 18 dólares ou 14 euros, o que faz com que Yoani Sánchez tenha conseguido o equivalente a 1.488 anos de salário mínimo cubano em sua atividade de opositora.


Jamais nenhum dissidente em Cuba – talvez no mundo – conseguiu tantas distinções internacionais em tão pouco tempo. Por outro lado, o jornal El País abriu suas páginas às crônicas de Sánchez por uma remuneração que oscila entre 150 dólares por artigo, ou seja, uma soma equivalente a oito meses de salário mínimo em Cuba. [8]

Yoani Sánchez, nova figura da oposição cubana, está longe de viver em total desamparo. Ao contrário, dispõe de um ritmo de vida que nenhum outro cubano pode se permitir e, ao contrário do que afirma, seu filho não sofre nenhuma carência alimentar. A dissidente, que primeiro emigrou à Suíça antes de escolher voltar a Cuba, é bastante sagaz para compreender que adotar certo tipo de discurso agradaria a poderosos interesses contrários ao governo e ao sistema cubanos. Estes, por sua vez, sabem ser generosos com ela.
(*) Doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos da Universidade Paris Sorbonne-Paris IV, Salim Lamrani é professor responsável por cursos na Universidade Paris-Sorbonne-Paris IV e na Universidade Paris-Est Marne-la-Valée e jornalista, especialista nas relações entre Cuba e Estados Unidos. Seu último livro se intitula Etat de siège. Les sanctions économiques des Etats-Unis contre Cuba, Paris, Edições Estrella, 2011, com prólogo de Wayne S. Smith e prefácio de Paul Estrade. Contato: Salim.Lamrani@univ-mlv.fr.

FONTE: Opera Mundi

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