sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A CIVILIZADA BANDA ORIENTAL

Manifestação em frente ao Congresso

Não, não estamos falando de uma banda de rock da Índia, mas do Uruguai, país que já foi chamado Banda Oriental do Rio Uruguai.  
A Câmara dos Deputados do Uruguai aprovou, por 50 votos a 49, o projeto que descriminaliza o aborto no país até a 12ª semana de gestação; 14ª se houver estupro e prazo indeterminado se houver risco de vida para a mãe. O texto aprovado substitui a palavra “legalização” por “descriminalização” e deixa claro que a decisão final cabe apenas à mulher. As interessadas deverão ser submetidas a uma comissão de médicos e assistentes sociais que as informarão sobre as alternativas. Depois de cinco dias, a mulher decidirá se quer manter ou interromper a gravidez. O projeto diz que o aborto não será penalizado desde que a mulher cumpra essas exigências e o procedimento será feito em centros de saúde supervisionados pelo governo.

O projeto vai agora ao Senado, onde não terá dificuldades para ser aprovado. Com isso, o Uruguai se tornará o primeiro país da América do Sul a descriminalizar o aborto; em toda a América Latina, a prática é legalizada apenas em Cuba. A proposta do partido do governo, a Frente Ampla (centro-esquerda), tinha sido rejeitada em duas outras oportunidades. Na última delas, em 2008, o projeto fora aprovado pelo Congresso, mas vetado pelo então presidente Tabaré Vázquez, que justificou sua decisão devido a “razões filosóficas e biológicas” e provocou uma crise na Frente Ampla. O atual presidente, José Pepe Mujica já anunciou que não vetará o projeto.


Duramente criticado pelos conservadores dos partidos tradicionais, Blanco e Colorado, e por grupos religiosos, o projeto recebeu apoio de organizações e entidades de defesa dos direitos civis. Durante a sessão na Câmara, mulheres nuas com os corpos pintados cercaram o prédio do Legislativo do Uruguai para demonstrar apoio à proposta. Os grupos contrários ao texto também foram até o local do protesto.

O presidente José Battle votando 
Ao lado da proposta de legalização da maconha para combater o narcotráfico, feito há meses pelo presidente Mujica, a descriminalização do aborto faz com que o Uruguai retome sua tradição de país culturalmente liberal e socialmente avançado. Desde o início do século XX, a partir do governo de José Battle y Ordoñez, o Uruguai caracterizou-se por ser um país de leis de vanguarda na América Latina. Battle, presidente entre 1903 e 1915, introduziu uma avançada legislação trabalhista – um welfare state avant la lettre –, colocou os bancos sob controle do governo e concedeu crédito aos agricultores. Também encorajou a construção de portos, fábricas e edifícios públicos. Em 1907 foi aprovada a lei de divórcio (sete décadas antes de todos seus vizinhos); em 1932, o Uruguai se tornou o segundo país das Américas a conceder o direito de voto às mulheres (o primeiro foi os EUA). A República Oriental ficou conhecida como “Suíça da América do Sul”, mas nos anos 1970 o Uruguai sofreria, como seus vizinhos, sob as botas de uma sangrenta ditadura militar. Mesmo assim, em 1980 os uruguaios rejeitaram um plebiscito em que os militares tentaram institucionalizar a ditadura. O país voltou à democracia em 1985.    
A partir de 2004, com a ascensão da Frente Ampla ao poder, o Uruguai voltou a ser vanguarda. Em 2007, o país se tornou o primeiro Estado latino-americano a fazer uma lei de união civil entre pessoas do mesmo sexo. Em 2008 o Parlamento aprovou lei que pune os pais que inflijam punições físicas a seus filhos; em 2009 o Congresso abriu as portas para a adoção de crianças por parte de casais homossexuais e, no ano seguinte, houve o fim das restrições à entrada de homossexuais nas Forças Armadas.
O presidente José Pepe Mujica
O Uruguai também é considerado o país mais laico das Américas. O juramento de posse do presidente exclui qualquer referência a Deus já que ele jura por sua honra pessoal e a Constituição. O país já teve vários presidentes declaradamente ateus e agnósticos e nunca ninguém se escandalizou com isso. Não há crucifixos no Parlamento, nem nas repartições públicas. Menos de 50% da população é declaradamente católica, enquanto que outros 40,4% não têm nenhuma filiação religiosa.
Ai, que inveja!
 
Por Cláudio Camargo



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