quarta-feira, 12 de setembro de 2012

UM CÓDIGO SEM PRUMO


André Wurmser foi um dos melhores jornalistas franceses, embora só tenha trabalhado para um jornal, L’Humanité, órgão do Partido Comunista. Em uma de suas crônicas, dos anos 60, ele conta ter recebido correspondência da Associação Francesa de Proteção aos Animais, pedindo-lhe ajuda para cuidar dos cães e gatos abandonados nas ruas de Paris.
Em seu texto, Wurmser diz sentir muito a sorte dos bichos nas ruas, mas explica que não os iria ajudar. Pensava mais nos seres humanos sem teto que passavam também as noites frias nas ruas. “Quanto a mim, faço parte da Associação Francesa da Proteção aos Homens, o Partido Comunista”.
Lembrei-me de Wurmser e sua resposta aos piedosos protetores de gatos e cachorros, ao saber que o novo Código Penal Brasileiro, em tramitação no Senado, prevê a pena de um a quatro anos de prisão para o abandono de incapazes, e de dois a quatro anos para quem tocar em um ninho de espécies silvestres e alterá-lo. Quem comprar um animal silvestre pode ficar seis anos preso. Se um ninho de pássaro viesse a valer mais do que um ser humano, seria a hora de entregar o planeta aos animais.
O mesmo Código estabelece a pena mínima de um mês para quem deixar de prestar socorro a uma pessoa, adulto ou criança, ferida ou enferma, e de um ano a quem deixar de ajudar um animal na mesma situação. A agonia de animais nos matadouros não sensibilizou os estudiosos.
A OAB pediu o prazo de 60 dias para examinar o texto proposto, mas vários juristas, entre eles Miguel Reale Júnior, já chamaram a atenção para o que, em eufemismo explicável, chamam de “desproporcionalidade” das penas. Outro absurdo, segundo a professora Janaína Conceição Paschoal, da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, é a proposta do aumento da pena para os crimes de difamação a até quatro anos de reclusão, o que é pesada ameaça aos jornalistas. A professora observa que nem a legislação do regime militar previa tais penas contra os profissionais de imprensa.
Esse episódio, como outros recentes, demonstram que estamos perdendo a capacidade de pensar, de refletir. Está faltando inteligência até mesmo entre os homens escolhidos para ajudar o Parlamento a legislar. Em entrevista à televisão sobre as amarras que dificultam o nosso desenvolvimento, o professor José Pastore disse que não temos trabalhadores qualificados, porque o ensino básico é precário, e os alunos não aprendem a pensar. Não aprendendo a pensar, são incapazes de realizar os trabalhos mais elementares.
Não só de trabalhadores que pensam estamos necessitados. Precisamos, com urgência, de juristas e de parlamentares que também aprendam os rudimentos da razão lógica – e da ética humanista.


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