sábado, 20 de outubro de 2012

O LEGADO DEMOCRÁTICO DO DOUTOR ULYSSES

Ulysses como o "Senhor Diretas"
Há 20 anos desaparecia nos braços de Netuno o doutor Ulysses Guimarães, cognominado “Sr. Diretas” pela participação decisiva – ao lado de Montoro, Covas, Lula e Brizola – na campanha pelo restabelecimento das eleições diretas para a Presidência da República em 1984, certamente a maior mobilização popular já vista no Brasil. Frustrado o sonho de chegar ao Planalto pelo voto popular naquele episódio – seu companheiro de partido Tancredo Neves, politicamente mais moderado, seria eleito pelo Colégio Eleitoral, mas a fatalidade deixaria o poder nas mãos do vice José Sarney – Ulysses se tornaria o “condestável da República”, presidindo a Câmara dos Deputados durante o processo constituinte.

A Carta que enterrou a ditadura em 1988 
O “Senhor Diretas” tornou-se um dos grandes responsáveis pelos avanços sociais da Constituição de 1988 – bombardeados pela direita travestida de moderna – que ele denominou apropriadamente “Constituição Cidadã”. Ficou famosa a frase que Ulysses disse por ocasião da promulgação da Carta: “Eu tenho nojo da ditadura. Nojo e ódio!”. Ele também já se referira à Junta Militar que depôs Pedro Aleixo em 1969 como "Os Três Patetas". Mas sua trajetória não foi uniforme. Eleito pela primeira vez em 1947 pelo PSD, o partido das velhas “raposas” políticas, Ulysses apoiaria o golpe de Estado de 1964 e votaria no marechal Castello Branco na “eleição” indireta que os militares montaram num Congresso devidamente expurgado de “janguistas”. Tancredo, também do PSD, teve a coragem de não votar em Castello.

Depois dessa derrapada, Ulysses se tornaria uma pedra no sapato dos militares. Assumindo em 1971 a presidência do MDB – único partido de oposição então consentido – ele teve a ousadia de se lançar “anticandidato” à Presidência da República em 1973 contra o general Ernesto Geisel, cuja eleição indireta no Colégio Eleitoral era um jogo de cartas marcadas. Foi chamado por muitos de Quixote, mas sua atitude motivou um MDB até então combalido e desmoralizado para a surpreendente vitória nas eleições parlamentares de 1974. Sua atitude contribuiu também para o surgimento de deputados combativos – os “autênticos” – como Lysâneas Maciel, Chico Pinto, Freitas Nobre, Marcos Freire e Alencar Furtado, entre outros.

Acuada, a ditadura militar reagiu à vitória eleitoral do MDB com mais repressão – prisão em massa de militantes do PCB, que resultou na morte sob tortura de Vladimir Herzog e Manuel Fiel Filho – e com mudança nas regras do jogo eleitoral, como a edição do “pacote de abril”, com a criação, entre outras medidas, dos chamados senadores “biônicos”. Mas Ulysses já sentira o vento da mudança e saía às ruas contra o arbítrio da ditadura, em defesa das liberdades democráticas e de seu partido.

Ulysses contra a repressão:  "baioneta não é voto; cachorro não é urna"
Em 16 de maio de 1978, a Polícia Militar cercou a praça de Campo Grande, em Salvador, para impedir uma reunião de líderes do MDB para o lançamento das candidaturas, apesar de o encontro estar programado para um recinto fechado, como determinava a lei. Acompanhado de líderes emedebistas, entre eles Tancredo Neves, Ulysses dirigiu-se à praça cercada de policiais armados e com cães. “Parem!”, gritou um oficial. Ulysses não se fez de rogado e, dedo em riste, gritou mais alto: “Respeitem o presidente da oposição!” Meteu a mão no cano de um fuzil e o desviou, entrando no recinto seguido por correligionários. Tancredo meteu o braço em outro fuzil e também passou. Cães saltaram sobre o grupo, mas Freitas Nobre os afastou com pontapés. Ulysses seguiu à frente, impávido. Dentro do edifício, subiu à janela, ligou os alto-falantes e fez um discurso memorável: “soldados da minha pátria, baioneta não é voto; cachorro não é urna”.

Humilhado em 1989 com uma votação pífia (4,4% dos votos) nas primeiras eleições presidenciais desde 1960, o sr. Diretas teve seu apoio a Lula no segundo turno rejeitado por um PT ainda radicalóide. Parecia que estava politicamente morto. Mas Ulysses se recuperaria logo depois, travando sua última batalha no processo de impeachment do arrivista Fernando Collor, que chamara o líder do PMDB de “velho gagá”. Ciente de que a vitória do impeachment no Congresso seria mais fácil se a votação não fosse secreta, trabalhou para a adoção do voto aberto, afinal aprovado. Em 29 de setembro de 1992, por grande maioria, Collor foi declarado impedido de continuar na presidência, sendo substituído pelo vice Itamar Franco.

Dias depois, em 12 de outubro, Ulysses desapareceria no mar num acidente de helicóptero. Seu corpo jamais foi encontrado. O legado do doutor Ulysses continua vivo, embora seu partido lhe mereça cada vez menos.           

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