quarta-feira, 21 de novembro de 2012

POLÍCIAS PARALELAS: ATÉ QUANDO?


Parte da ineficácia na política brasileira de segurança pública – cuja escalada dos assassinatos em São Paulo é apenas o último episódio – vem do fato de que, em todos os estados da federação, há duas polícias, uma civil e uma militar, com funções muitas vezes sobrepostas. Como já apontaram vários especialistas, o fim dessa dualidade seria uma condição necessária para o combate mais efetivo ao crime e o aperfeiçoamento democrático do país.

O que ocorre no Brasil é uma excrescência. A Polícia Civil exerce função de polícia judiciária; a ela compete fazer investigações depois da ocorrência dos crimes. Os delegados são os responsáveis pelo inquérito policial; eles têm que ouvir testemunhas, obter provas e chegar ao autor do delito. Depois disso, o inquérito é mandado para o Ministério Público e para a Justiça. Já à Polícia Militar é uma força preventiva, encarregada do policiamento ostensivo e da repressão ao crime.

A Polícia Civil já existia na época do Império, nas antigas províncias, com as mesmas funções investigativas, enquanto cabia ao Exército a repressão. Uma das razões da queda da monarquia, aliás, foi a recusa do Exército em servir como “capitão do mato” para capturar escravos foragidos das fazendas. Com a instalação da República, em 1889, as províncias se constituíram em Estados autônomos e seus governadores, representantes das oligarquias locais, montaram pequenos exércitos estaduais, as chamadas “Forças Públicas” ou “Brigadas”, que depois se transformaram na Polícia Militar.

A Força Pública de SP era um verdadeiro Exército
Em São Paulo, berço da oligarquia dominante no país durante a República Velha, a Força Pública foi formada pela Missão Militar Francesa, que somente muito depois treinaria o Exército nacional. A FP de São Paulo tinha armamentos pesados e até blindados e esse poder de fogo conferiu a ela um protagonismo militar nas revoluções de 1924, 1930 e 1932. Somente durante o Estado Novo as polícias estaduais foram submetidas ao poder central. Com a redemocratização de 1946, elas novamente voltaram ao poder dos Estados. A ditadura militar instalada em 1964 pôs as PMs como força auxiliar do Exército, militarizando-as e colocando-as sob o comando de oficiais superiores da força de terra (coronéis ou tenentes-coronéis). E a Constituição de 1988 não conseguiu mudar essa herança.

Na ditadura, a PM fez sua opção preferencial por pretos e pobres  
Uma das consequências mais graves dessa militarização foi o fato de policiais militares passarem a ser julgados por tribunais militares próprios, subordinados aos governos estaduais. Isso favoreceu, dentre outros efeitos colaterais, a impunidade, a corrupção e a formação de grupos de extermínio, como os esquadrões da morte. A violência policial e a tortura como método, principalmente contra as “classes perigosas”, se tornou marca registrada da iniqüidade nacional. A sensação de impunidade policial também deu lugar a greves armadas contra os governos estaduais como forma de pressão trabalhista, como aconteceu este ano na Bahia.

Os Carabinieri da Itália: policiais comuns
Polícias militares não são exclusivas do Brasil; Alemanha, França, Itália, Espanha, Argentina, Chile, entre outros, têm suas forças policiais militarizadas: a Gerdarmerie; os Carabineiros; a Guarda Civil, a Polícia Federal etc. Em muitos desses países, as polícias militares cumprem papéis de investigação e coerção. Mas em todos eles, sem exceção, a polícia militar é uma força nacional, submetida ao poder central; o único país em que uma força militarizada é subordinada a governos locais é o Brasil, o que constitui uma ameaça potencial de estados ao governo federal. Nos EUA, por exemplo, são os prefeitos quem comandam a polícia, que é uma só e é civil, embora os policiais possam andar fardados e a instituição ter alguma hierarquia militar.
Violência, traço distintivo da PM militarizada
Depois da ditadura houve várias tentativas de unificar as polícias no Brasil, mas elas só ficaram no papel. O ex-governador paulista Mário Covas encabeçou a última delas. Mas ninguém parece ser capaz de vencer as resistências fortíssimas de ambas as polícias; a civil reluta na mudança porque ela não quer transferir ao Ministério Público a competência da investigação. Já a PM teme que, a exemplo do que acontece na França, Itália e Portugal, a unificação resulte no fim dos tribunais militares, que hoje permitem aos policiais militares brasileiros, em caso de prática de crimes, serem julgados por estes tribunais e não pela justiça comum. 

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