O sambista que ajudou no braço os desabrigados de mais um tragédia causada pela chuva
Zeca Pagodinho é o herói improvável. Retrato acabado do sambista de
morro carioca, barriga de cerveja e eternamente de Havaianas, ele deu
uma lição do que é ser homem em Xerém, bairro pobre no município de
Duque de Caxias, no estado do Rio.
Popular na região, onde tem um sítio
que frequenta há muito tempo, Zeca percorreu as ruas alagadas ajudando
as vítimas do temporal que, mais uma vez – até quando? – causou uma
tragédia.
Numa entrevista para a televisão, apareceu em seu quadriciclo, com
uma capa de chuva, completamente molhado, falando sobre o que estava
fazendo com naturalidade, tranquilo e impassível como Bruce Lee. “Estou
aqui há quase 20 anos. Adoro isso aqui, meus filhos foram criados aqui.
Nunca vi algo parecido. Está triste. Lá em cima a situação está muito
ruim. Tem criança desaparecida, tem família soterrada”, disse. Nesse
momento, e só nesse momento, sua voz ficou embargada. “Tem casa que
desceu rio abaixo. A gente está aí, desde as 6h da manhã, ajudando, mas
está triste”.
Zeca distribuiu comida e agasalhos. Abrigou um casal de vizinhos e os
dois filhos, uma menina de 1 anos e 2 meses e um menino de 5. Havia
outras crianças na casa de Zeca. Ele perdeu alguns animais, que morreram
afogados. De acordo com a Defesa Civil, pelo menos 200 pessoas estavam
desalojadas. Um homem morreu. Oito estão desaparecidos.
Zeca Pagodinho podia ter ido para o Rio cuidar da vida. Não
necessariamente para se esconder. Poderia compor uma canção de protesto
daqui a uma semana. Telefonar para o governador. Fazer um
pronunciamento. Dar lição. Falar, falar, falar. Mas preferiu agir.
Não é um artista político – aliás, muito pelo contrário. Deu seu
recado: “Dá nojo de político. Dá nojo dessa gente”. Mas você não estaria
totalmente errado se o chamasse de — me perdoe o maldito clichê —
alienado. Agora, você não imaginaria Chico Buarque descendo as ruas
enlameadas do Leblon para salvar desabrigados.
“Um herói não é mais corajoso que um homem comum”, disse o ensaísta e
poeta americano Ralph Waldo Emerson. “Ele é apenas corajoso por cinco
minutos a mais”. Cada minuto do sambista Zeca na chuva lavou a alma de
muitos que precisavam.
no DCM
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