sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

FERNANDO LYRA: O IMPORTANTE É O RUMO




Sempre que parava num sinal de trânsito em Recife, Fernando Lyra comprava uma caneta Bic de um cadeirante.
Tornaram-se amigos.

Eduardo Campos se elegeu Governador e, um dia, o cadeirante disse que precisava pedir um favor a Fernando.
Ele logo imaginou que se tratasse de pedido de emprego, convite para a posse …
– O sr. precisa realizar o sonho da minha vida.
– Qual é, meu filho ?
– Quero desfilar na parada de 7 de Setembro.
– Desfilar como, meu filho ?
– Desfilar, assim, na frente, pra todo mundo me ver.
– Isso é impossível ! Você é militar ?
– Não. Sou cadeirante, Dr Fernando !
– Vou ver o que é possível fazer.
– Eu votei no Eduardo por sua causa, Dr Fernando…
Fernando falou com o governador, com o vice, João Lyra, seu irmão.
“Você está louco, Fernando ? “
“Onde já se viu isso , Fernando ?”
Fernando insistiu.
Um dia, o governador, vencido pela insistência…
– Está bem, Fernando, ele sai ali no meio dos soldados…
– Não, Eduardo, você não entendeu. Ele quer sair sozinho, na frente.
Desde então, o cadeirante abre o desfile de 7 de Setembro em Recife.
Um dia, o cadeirante vendeu a caneta Bic a Fernando e fez outro pedido.
– Dr. Fernando, eu quero desfilar com a bandeira do Brasil e a do Sport, Dr. Fernando.
– Não ! Aí, não dá ! O Governador é Náutico !
Fernando Lyra foi um dos mais argutos políticos brasileiros.
Pragmático, como se viu.
Tinha o raciocínio rápido, agudo e um senso de humor que combinava a altivez pernambucana com o que o humor tem de melhor: a auto-depreciação.
Não falava mal de ninguém.
Nas conversas, jogava as cascas de banana e fazia o interlocutor dizer o que ele queria ouvir.
Tinha dois ídolos: o pai, João, líder político que saiu de Caruaru, como ele, e Tancredo Neves.
Fernando fundou o grupo autêntico do MDB, na Câmara, com Alencar Furtado, Chico Pinto, Amaury Muller, Egidio Ferreira Lima, Lysaneas Maciel.
E, ainda assim, concluiu que Tancredo era o homem para “levar os militares ao ponto de ônibus”.
No dia seguinte à posse como Governador de Minas, Tancredo chamou Fernando para almoçar em Belo Horizonte.
Ao fim do almoço, Fernando levou Tancredo para um canto da sala e disse que ele era seu candidato a Presidente e que, por favor, jamais dissesse que não era candidato.
Tancredo nunca disse que Fernando ia ser seu Ministro da Justiça.
Fernando soube pela tevê.
Quando foi chamado pelo presidente eleito, ouviu:
“Fernando, você pode nomear quem quiser e o chefe da Polícia Federal é esse aqui: coronel Alencar Araripe.”
Tancredo nomeou um sobrinho Ministro da Fazenda, o mineiro/carioca Francisco Dornelles.
E, conta Fernando, chamou o correligionário Olavo Setúbal, dono do banco Itaú, para convidá-lo.
“Preciso do senhor como Ministro, Dr Olavo !”
Dr Olavo se sentiu Ministro da Fazenda.
“Preciso do senhor no Itamaraty !”
“Mas, Dr Tancredo, eu não entendo nada de Itamaraty”.
“Nós dois juntos, Dr Olavo, com o pouco que sabemos damos conta daqueles barbudos do Itamaraty !”
Tancredo compartilhava do sentimento de Fernando: “São Paulo não pensa o Brasil”.
Um dia, Tancredo reclamou com Fernando que Fernando Henrique tinha dito em São Paulo que queria Ulysses Guimarães presidente da República.
Fernando explicou.
“Dr Tancredo, o Fernando Henrique deu essa declaração em São Paulo. Lá, ele é Ulysses. Como a eleição vai ser em Brasília, ele vai votar no senhor.”
Tancredo desconfiava da solidez do caráter de Fernando Henrique: “Não confio nesse rapaz !”
Fernando Lyra se tornou Ministro da Justiça de Sarney.
Até que disse “Sarney é a vanguarda do atraso”.
A frase ficou famosa.
Não ficou famosa outra frase de Fernando: “Fernando Henrique é o atraso da vanguarda !”
Famosa também, única na História do Congresso brasileiro, foi a chamada para votação da Emenda das Diretas.
Fernando era o Secretário da Câmara e com a voz forte, grave, incisiva, exigiu três vezes:
“Como vota o Deputado Paulo Maluf ?”
“Como vota o Deputado Paulo Maluf ?”
E o Brasil inteiro ouviu, três vezes, que o futuro adversário de Tancredo no Colégio Eleitoral votou contra a eleição direta.
Por sugestão de Brandão Monteiro, Fernando foi candidato a vice de Brizola.
Fernando conta que Brizola sabia que jamais seria eleito.
Por isso, se recusava a ir a Minas, São Paulo e à Bahia.
Deixou ele e Gilberto Gil chupando dedo num palanque em Caruaru.
Brizola achava que a Globo e o IBOPE jamais deixariam ele se eleger.
Fernando Lyra só pensava na família – ligava para cada uma das filhas três vezes por dia – e em politica.
Não lia todos os jornais.
Usava, agora, a internet.
Mas, não gastava muito tempo.
Preferia falar no telefone.
E ouvir.
Ouvia calado.
E perguntava muito.
Numa das ultimas visitas do ansioso blogueiro no Incor, em São Paulo, Fernando perguntou:
“O que há de novo ?”
“Tem gente no PT preocupado com os deslocamentos da Dilma.”
“A Dilma é o que se sempre foi. O PT é que não sabia.”
Perguntava sobre o efeito político da violência em São Paulo.
A questão política central, dizia ao ansioso blogueiro, é a desigualdade social no Brasil.
“Ande em Recife … É revoltante !”
Por isso, ele dividia o mundo em “lado de cá” e “lado de lá”.
“Lado de cá” é o dos pobres.
Ele estava muito feliz com a nova função de colunista da Carta Capital, onde, na edição especial de 2012, elogiou Dilma: http://www.cartacapital.com.br/politica/no-gosto-do-povo/?autor=1520
Quando anunciou o convite do Mino, todo prosa, o ansioso blogueiro reagiu:
“Fernando, como é que você vai escrever uma coluna para a Carta Capital, se você nunca leu um livro inteiro !”
“Nem o meu !, ele respondeu.
( Ele é autor de “Daquilo que eu Sei – Tancredo e a transição democrática”, da Iluminuras, São Paulo, 2009)
O ansioso blogueiro dizia que a melhor coisa do livro era a carta escrita pela mulher.
Ele ria.
Na pág. 222, ele publicou uma carta de Márcia, a mulher amada, que lhe pede para abandonar a politica:
“Sua participação politica perdeu a razão de ser para você. Desculpe-me se estou sendo dura Mas sei que não. Agora não vou insistir com você. Vou continuar lhe ajudando como sempre fiz. Estou com você sempre, aqui ou no Recife. Um beijo”.
Fernando estava doente.
E não abandonou a politica.
Foi sempre assim.
Márcia conta que ele tinha acabado de se eleger deputado estadual, saiu da campanha sem um tostão no bolso.
Eles se mudaram de Caruaru para morar em Recife, pela primeira vez.
As contas da campanha chegavam e não tinha dinheiro.
Até que um dia Fernando diz à mulher:
“Márcia acabamos de comprar um caminhão.”
“O que, Fernando ? Você está louco ! Nós sem um tostão no bolso e você me compra um caminhão ! Caminhão pra que, Fernando ?”
“Não, Márcia, é que na campanha, um rapaz me pediu para ser avalista e ele não conseguiu pagar o caminhão …”
Um dia, Fernando disse ao ansioso blogueiro:
“Você faz muita bobagem na vida. Às vezes até acerta. Mas isso não tem importância. O que importa é o rumo. A direção.”
Márcia esteve sempre com ele.
Como prometeu.
Ele sabia.
Paulo Henrique Amorim

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