sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

OS SUBTERRANEOS DO VATICANO - JOÃO PAULO I : A PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR


Albino Luciani, o papa João Paulo I
A mídia começa a especular sobre os reais motivos pelos quais Joseph Ratzinger resolveu renunciar ao cargo de Sumo Pontífice. Todos falam que Bento XVI tomou a drástica decisão tanto em função da idade avançada quanto da constatação de que perdera o controle sobre a Cúria, o “Politburo” do Vaticano. É evidente que uma instituição como a Igreja Católica, com dois mil anos de estrada, acumula muitas histórias de lutas pelo poder, conspirações, assassinatos, golpes e otras cositas más, que fazem a delícia dos ficcionistas. E, convenhamos, a realidade muitas vezes supera a ficção.
Veja-se o caso de João Paulo I (Albino Luciano), o “papa sorriso”, cujo pontificado durou apenas 33 dias. Eleito em 26 de agosto de 1978, 20 dias depois da morte de Paulo VI, o novo pontífice de cara recusou a cerimônia formal de coroação, abdicando da tiara (coroa pontificial). Jovem para os padrões do Vaticano (tinha 64 anos), ele se mostrou disposto a fazer mudanças profundas no funcionamento da Santa Sé. Luciani teria dito a assessores próximos que iria rever a estrutura da Cúria, reforçando a colegialidade dos bispos, e investigar o Instituto para Obras Religiosas (IOR), principal financiador do Banco Ambrosiano, e que se envolveu em atividades com a máfia e a loja maçônica P-2 (Propaganda Due), de Lício Gelli.
O arcebispo Marcinkus e seu protetor, João Paulo II
Para tanto, o papa tinha que afastar o poderoso cardeal Paul Marcinkus, presidente do IOR, conhecido pela alcunha de “banqueiro de Deus”. O envolvimento da máfia e da P-2 nas finanças do IOR, via Banco Ambrosiano, transformou-se numa rede de intrigas, com ações fraudulentas e ilegais e assassinatos. Entre essas ações do Ambrosiano estavam o financiamento de partidos políticos conservadores na Itália e de rebeldes antissandinistas da Nicarágua e do sindicato polonês Solidariedade. O papa também teria uma lista, elaborada pelo jornalista Mino Pecorelli, membro arrependido da P-2, que vinculava o secretário de Estado do Vaticano, Jean Villot, e o cardeal Marcinkus, à loja maçônica de Lício Gelli. Mino Pecorelli foi assassinado em 1979, Roberto Calvi, presidente do Ambrosiano, seria encontrado enforcado numa ponte em Londres em 1982 e o banco iria à falência naquele mesmo ano.
O banqueiro Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano
No dia 29 de setembro de 1978, João Paulo I foi encontrado morto em seu quarto. Segundo o Vaticano, a causa da morte teria sido um infarto agudo no miocárdio. Havia a suspeita de que o papa tinha tomado, inadvertidamente, um vasodilatador, mas o Vaticano se negou a autorizar uma autópsia do corpo. E as contradições começaram a se acumular: a Santa Sé afirmou que o pontífice tinha uma saúde frágil e debilitada, o que posteriormente seria desmentido pelo seu médico, dr. Antonio Da Ros, e pelo secretário de Luciani, Diego Lorenzo; o corpo do papa não foi encontrado pelo bispo John Magge, como afirmara a nota do Vaticano, mas pela irmã Vicenza Taffarel, que foi proibida pela Cúria de contar a verdade. É claro que, com tantos mistérios, várias teorias conspiratórias ganharam corpo. A principal foi elaborada pelo jornalista David Yallop, que escreveu um livro (Em nome de Deus) em que afirmava categoricamente que João Paulo I tinha sido assassinado pela Cúria.
Em relação à morte do papa, o cardeal brasileiro Aloísio Lorscheider teve a coragem de declarar: “As suspeitas continuam no nosso coração como uma sombra amarga, como uma pergunta à qual não foi dada resposta”. Mesmo depois de tanto tempo, o Vaticano ainda silencia sobre a morte de João Paulo I. O fato é que um novo Conclave elegeu como papa o polonês Karol Wojtyla. Este, em um gesto de aparente homenagem ao antecessor, adotou o nome de João Paulo II. Por outro lado, agiu firmemente no sentido de destruir a obra do papa anterior, encerrando as investigações sobre o Ambrosiano, mantendo intactas as estruturas eclesiásticas da cúpula do Vaticano e protegendo o arcebispo Paul Marcinkus, mesmo quando a Justiça americana mandou prendê-lo.
Não é preciso ser adepto de teorias conspiratórias, como David Yallop, nem tampouco ficcionista, como Dan Brown, para supor que a morte de João Paulo I não foi de causas naturais como o Vaticano quer fazer crer. Se algum dia, por algum milagre, abrirem os arquivos do Vaticano, saberemos...   
            

SERÁ O BENEDITO?



Joseph Ratzinger, prestes a se tornar o primeiro ex-papa em quase 600 anos, escolheu o nome de Benedictus XVI quando foi eleito para chefiar a Igreja Católica em 2005. Ora, a tradução de Benedictus – que quer dizer “bendito” ou “abençoado” – é Benedetto (italiano); Benoit (francês); Benedikt (alemão); Benedicto (espanhol). Por que raios, então, que em português não seria Benedito? Bem, Benedito é a forma erudita de tradução; enquanto que “Bento”, é a forma popular, como os portugueses trouxeram para o Brasil. E na santologia (não sei se existe esse termo) católica há um São Bento (480-547), que é o fundador da ordem beneditina, origem das demais ordens monásticas. Mas há também um São Benedito (1524-1589), siciliano de origem etíope. Segundo os historiadores, quando os negros o tornaram seu santo de devoção, batizaram-no com o nome erudito para evitar confusão com o São Bento, já consagrado, mas que também poderia ter sido Benedito. Curioso é que, quando da eleição de Bento XVI, alguns telejornais saíram com a tradução “Benedito XVI”, mas ela foi rapidamente abandonada. Alguns levantaram suspeita de racismo – imagine confundir o nome adotado pelo papa, ainda mais sendo alemão, com o nome de um santo negro... Seja como for, só no Brasil – e em Portugal, por suposto – Benedito virou Bento.          

CRÍA CUERVOS

Benedictus XVI


Uma nota do ano passado do L’Osservatore Romano, órgão oficial da Santa Sé, disse que o papa Bento XVI era “um pastor cercado de lobos”. O que o jornal não disse foi que, como cardeal e, depois, papa, Ratzinger ajudou a alimentar a matilha. Bento XVI foi o herdeiro e continuador da mais exitosa “reação termidoriana” de que se tem notícia na Igreja Católia – o pontificado de João Paulo II. Por reação termidoriana entende-se um movimento de reação sistemática a um processo revolucionário, como aconteceu na França depois de 1794, com a queda dos jacobinos e a ascensão do Diretório.
Papa João XXIII
Quando o cardeal Giuseppe Roncali foi eleito papa João XXIII em 1958, aos 77 anos, acreditava-se que ele seria um pontífice transitório, depois do extenso, absolutista e reacionário reinado de Pio XII. No entanto, em menos de cinco anos, João XXIII provocou uma verdadeira revolução na Igreja Católica ao convocar o Concílio Vaticano II (1962-1965), que promoveu um aggiornamento da instituição com a modernidade, suplantando a oposição sistemática da Santa Sé a tudo o que veio depois do Iluminismo. Um dos principais frutos do Vaticano II foi a Teologia da Libertação, com o engajamento do clero dos países do Terceiro Mundo com as forças que lutavam pela libertação nacional e pela justiça social. Paulo VI, sucessor de João XXIII, seguiu timidamente os passos de Roncali até sua morte, em 1978.
João Paulo II e Javier Echeverría, da Opus Dei
Mas Karol Wojtyla, o papa polonês, empreendeu uma vigorosa marcha à ré e, durante seu pontificado (1978-2005), destruiu pacientemente tudo o que o Vaticano II erigira. Enquanto perseguia bispos progressistas, João Paulo II protegia mafiosos, como o cardeal Marcinkus, envolvido com o escândalo do Banco do Vaticano, e reforçava reacionários como Escrivá Balaguer, da Opus Dei, que foi canonizado. O resultado foi um esvaziamento nunca visto pela Igreja, agravado com o escândalo de milhares de denúncias de pedofilia contra o clero, a maioria acobertada pelo Vaticano.  
João Paulo II e Marcial Maciel, dos Legionários de Cristo
O papa João Paulo II não era apenas um superstar midiático, mas um instrumento da Cúria e dos elementos mais reacionários da Igreja Católica. Ratzinger, embora comungando os ideais tridentinos de seus antecessor, encontrou ferrenha oposição à tímida limpeza que tentou empreender. Afinal, enquanto João Paulo II esteve vivo, a ordem foi proteger as “ovelhas desgarradas”. Um exemplo típico foi o caso dos Legionários de Cristo: Marcial Maciel, fundador do movimento, foi condenado nos EUA por pedofilia, mas elevado ao altar de assessor de João Paulo II. Bento XVI conseguiu afastá-lo. Mas não teve forças ou vontade política para ameaçar o poder da Cúria e dos movimentos integristas.   
“A Cúria forjada nos tempos de Wojtyla era uma reunião atrabiliária do pior de cada diocese, desde evasores fiscais passando por contrarrevolucionários latino-americanos e por integristas da pior espécie. Essa Cúria digna de O Chefão III sempre viu com maus olhos as tentativas de Ratzinger de fazer uma limpeza de fundo, enquanto os movimentos mais pujantes e lucrativos, como os Legionários, a Opus Dei e a Comunhão e Libertação, torpedeavam qualquer tentativa de regeneração”, diz o El Pais.              
Segundo El País, Ratzinger, intelectual e pouco afeito às tarefas de governo, mostrou-se um pontífice débil. O resultado é que, nestes sete anos, a máfia do Vaticano teve êxito em impedir a renovação da Cúria e a modernização da Itália, especialmente nos setores de finanças e informação, impérios onde mais poder e interesses têm a Opus Dei e a Comunhão e Libertação – os dois movimentos, ao lado dos Legionários – que mais prosperaram sob o pontificado de Wojtyla. “O papado de Ratzinger foi um rotundo fracasso [...] Os lobos ganharam a partida, e sua renúncia [...] o situa como um pastor derrotado que, farto de lutar, se retira à clausura antes de ser devorado pelos abutres. Que seja o primeiro caso em quase 600 anos diz muito sobre o nível de iniqüidade com a qual conviveu. E que até agora isso não tenha vazado diz tudo sobre sua solidão”, conclui o El Pais.
Como dizia aquela máxima espanhola: “cría cuervos y te sacarán los ojos”.     


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