(JB)-A Petrobras desfigurou-se
quando o governo dos tucanos paulistas e cariocas decidiu entregar a exploração
do petróleo a empresas estrangeiras.
Uma evidência da entrega: todos os países
exportadores de petróleo cobram das empresas estrangeiras royalties, em média,
de 80%: em petróleo. O Brasil, por decisão desses senhores, só cobra dez por
cento do óleo extraído — e em moeda. Na realidade, essas empresas são donas
de todo o petróleo produzido, cuja descoberta se deve à própria
Petrobras.
Mais do que o petróleo, vindo do
solo, a Petrobras extraiu da alma brasileira a sua orgulhosa consciência de
povo. Essa consciência vinha sendo construída em difíceis passos políticos,
confrontada com a cumplicidade das oligarquias coloniais com a Metrópole, na
exploração do trabalho escravo e no saqueio sistemático da natureza, desde o
século 17. É bom registrar que ela sempre se associou aos nossos recursos
naturais, do pau-brasil ao ouro e a outros minerais.
A Independência, em 1822, serviu para o
surgimento de grupos mais atilados, com ideais democráticos e republicanos,
ainda que prevalecessem os interesses oligárquicos. A confluência do movimento
abolicionista com a campanha republicana, a partir de 1870, acabaria com as
duas instituições caducas, a escravatura e a monarquia. Mas, fora a pequena
elite pensante das grandes cidades, não havia consciência de nação. No campo,
os grandes fazendeiros viam o país como um território repartido entre
eles, senhores das terras e dos que
nelas trabalhavam e viviam.
Só na segunda década republicana houve
quem associasse o desenvolvimento industrial ao bem-estar dos
trabalhadores — mas esses visionários foram violentamente reprimidos
pelos governos, a serviço das oligarquias e das empresas estrangeiras. Elas
controlavam as incipientes manufaturas e o comércio exterior com a venda de
nossos produtos primários - e a
importação de bens de consumo, em sua maioria supérfluos.
A partir dos anos 20, começou a
esboçar-se o que podemos entender como a assunção do Brasil, como ele é: uma
nação de imigrantes, mestiça de mamelucos e cafuzos, de negros e brancos, de
europeus nórdicos e meridionais — e de gente do Oriente Médio e da
distante Ásia. Nesse sentido, apesar de seus críticos, a Semana de Arte
Moderna, de 1922, teve a sua marcante influência. O Brasil desembarcou
definitivamente da Europa com o atrevimento dos intelectuais, muitos deles
brasileiros de primeira geração, que tornaram nobre o que antes se considerava
vulgar.
Foi então que despimos as sobrecasacas,
trocamos as ceroulas por cuecas, e as mulheres se livraram dos espartilhos para
que suas formas desabrochassem sob a regência de uma sensualidade tropical.
Nesses anos 20, em certos momentos sem uma
orientação política e ideológica coerente, surgiram os partidos de esquerda e
os movimentos de rebeldia militar com os tenentes, como a gesta heroica, mas
prematura, da Coluna. Tudo isso conduziria à Aliança Liberal de 1930,
empurrada, como sempre ocorre, pelo confronto de interesses políticos pessoais
de personalidades fortes, associado ao conflito das forças econômicas
regionais.
É interessante notar que, nesses decênios
iniciais do século 20, o petróleo já se situava no centro da disputa
geopolítica das grandes potências — e desde a Primeira Guerra
Mundial, com o desembarque inglês, comandado pelo coronel Lawrence, na
Península Árabe. O livro de Essad Bey, A luta pelo petróleo, é a
melhor fonte para entender as intrigas entre os estados e os milionários no
esforço pelo controle das jazidas.
Em 1928, como narra Monteiro Lobato em seu livro sobre o assunto (O escândalo do petróleo), os soviéticos, preocupados em diminuir o elevado consumo de álcool entre seus soldados, propuseram ao Brasil trocar petróleo - do qual grande parte de seu território era, e continua, encharcado - por café brasileiro. Acreditavam que a nossa bebida contribuiria para aliviar o alcoolismo de suas tropas. Os Rockefeller, donos da Standard Oil e líderes das grandes petroleiras, impediram que fizéssemos o negócio.
Com Getulio, dentro das amarras do tempo,
começamos a levar o problema a sério, com o Conselho Nacional do Petróleo,
criado em 1938, e sob a chefia do general Horta Barbosa. Todas as atividades
petrolíferas se encontravam sob o controle do Estado, que poderia conceder a
exploração e o refino, dentro dos interesses nacionais. Enfim, em 1953,
criou-se a Petrobras.
O lema da campanha popular, O
petróleo é nosso, transcendia de seu enunciado. Não era só o petróleo que
era nosso. Queríamos dizer que o Brasil, com o petróleo e tudo mais,
pertencia-nos, como povo. Na medida em que a Petrobras se consolidou —
mesmo sobre o cadáver de Getulio — entendemos que éramos um povo capaz de
conduzir, soberanamente, o seu próprio destino.
Se
não fosse essa consciência, adquirida nas lutas populares, Juscelino não teria
sido eleito em 1955, e não teríamos dado o grande salto, dos cinqüenta anos em
cinco, durante o seu qüinqüênio: construímos trechos de ferrovias, grandes
eixos rodoviários e erigimos Brasília, porque a criação e os primeiros êxitos
da Petrobras diziam-nos que éramos um povo tão capaz como qualquer outro, e
poderíamos, com isso, construir definitivamente a nossa soberania.
No entanto, a partir do governo presidido
por Fernando Henrique Cardoso, a Petrobras tem sido submetida a lenta, mas
criminosa, desconstrução. O Estado vendeu, no exterior, as ações preferenciais
da empresa, transferindo assim, em forma de dividendos, os esforços dos
técnicos e trabalhadores brasileiros, que, com o seu êxito, ajudaram-nos a
criar a consciência de nação soberana.
A Agência Nacional do Petróleo, ao que
parece a isso autorizada pelo cimo do governo, decidiu colocar em leilão, hoje,
e pelas regras que remontam a Fernando Henrique, centenas de lotes de
exploração de petróleo na costa brasileira. Trata-se de áreas em que a
Petrobras investiu centenas de milhões em pesquisa e que serão entregues, em
sua maior parte, e ao que se prevê, a empresas estrangeiras.
Segundo cálculos da Associação dos
Engenheiros da Petrobras, divulgados pelo seu ex-presidente Ricardo Maranhão, e
pelo seu atual vice-presidente, Fernando Siqueira, o valor desses depósitos
fósseis é superior a um trilhão e cem bilhões de reais. As entidades
representativas dos trabalhadores da Petrobras estão sem recursos para custear
as ações na Justiça, e a empresa não pode ou não quer tomar estas
providências. É o caso de os donos do petróleo, ou seja, os cidadãos
brasileiros, abrirem uma conta e contribuírem com o que cada um puder, para
constituir um fundo de defesa do petróleo. De novo temos de ir às ruas
para dizer que "o petróleo é nosso".
Postado por Mauro santayana
Nenhum comentário:
Postar um comentário