sexta-feira, 5 de julho de 2013

“Nós ficaremos, Morsi que se vá”: um relato direto da Praça Tahrir, no Cairo



Por dentro dos protestos que levaram o exército a derrubar o presidente egípcio.

Mohammed Morsi Issa al-Ayyat, o primeiro presidente civil do Egito eleito democraticamente, capitulou para as forças militares, apoiadas por grande parte da população. Morsi chegou a pedir uma resistência pacífica, mas ninguém se deu ao trabalho. 
Há inquietação generalizada pelas ruas do Cairo, mas também um alívio esperançoso. Foi um final previsível para quem, como eu, presenciou a grande manifestação ocorrida em 30 de junho, ensaio da queda de Morsi. O chefe da Suprema Corte de Justiça do Egito, Adli Mahmud Mansour, tomou posse nesta quinta-feira como presidente interino do país.
Naquele domingo, o dia amanheceu silenciosamente nas ruas em volta da praça Tahrir, no centro do Cairo. As buzinas, tão comuns em toda a cidade, estavam caladas por determinação da comissão de segurança dos manifestantes. Às 10 da manhã a praça já estava cheia, ocupada por uma multidão que surgia de todas as direções. 
Em pouco tempo, cerca de 4 milhões de egípcios congestionavam as ruas centrais, carregados de bandeiras e palavras de ordem contra o presidente do país: “Nós ficaremos, Morsi que se vá ” e “O povo quer que Morsi vá embora”.

Ali se completava um ano de mandato de Morsi, eleito democraticamente para substituir Muhammad Hosni Said Mubarak, que estava no poder havia 30 anos. Depois de três décadas de autoritarismo e repressão violenta a todo o tipo de manifestação contra o regime, o governo de Mubarak enfrentou uma crise aguda que gerou os violentos conflitos de 2012 e, após 18 dias de conflronto com os militares, a sua queda. 
Morsi assumiu um país com grandes dificuldades econômicas e não conseguiu mudar a situação. A população sente-se abandonada com a omissão do governo: no Cairo, os prédios estão decadentes, filas quilométricas se formam nos postos para abastecer, montanhas de lixo se acumulam nas esquinas, há animais mortos apodrecendo nas vias públicas e moradores sem teto que cozinham, comem e dormem pelas ruas.



“No Cairo são cerca de 8 milhões de pessoas que dependem diretamente do turismo e, no momento, estão todas sem trabalho”, contava Aimam, 50 anos, guia turístico, que também protestava nas ruas. Diante da falta de dinheiro, o governo revelou a intenção de vender o Canal de Suez, algo inaceitável para o povo egípcio.
Os egípcios estão reaprendendo a conviver com a liberdade de expressão e rejeitam, hoje, a violência ocorrida na saída de Mubarak. Um dos gritos mais repetidos era “Agora faremos em paz”. Mas os ânimos estão exaltados: “Não são simplesmente protestos, isto aqui é uma revolução”, me dizia Mohamed, jovem que vende trabalhos de arte.
Não houve conflitos com a polícia durante as manifestações, mas o ambiente era tenso em toda a cidade. Os prédios públicos, como o Palácio do Governo, estão cercados por arame farpado e pela polícia militar e até mesmo nos pontos mais turísticos a tensão é grande, com soldados armados com metralhadora nas portas.
 
A insatisfação com o governo era intensa e generalizada. E a reivindicação, uma só: Morsi tem que deixar a presidência. Há ainda grupos no Egito que apoiam o governo e a Irmandade Mulçumana, principalmente devido à sua aliança com conservadores religiosos muçulmanos. “A Irmandade Mulçumana não fez nada em um ano de governo, apenas continuou a política de Mubarak de favorecimento dos ricos”, prosseguia Mohamed, cujos familiares foram mortos na luta contra o governo de Mubarak e se tornaram “mártires da revolução”, segundo ele mesmo.
Por trás dos protestos está o Tamarod (“Rebelde”), o movimento popular que se formou para combater o governo de Morsi. O grupo afirma ter conseguido 22 milhões de assinaturas pedindo a renúncia do presidentes e a convocação de eleições antecipadas.
 
O Tamarod fez uma lista de demandas que não foram atendidas:
A segurança não foi retomada desde a revolução de 2011
Os pobres não têm um lugar na sociedade
O governo teve de “suplicar” ao Fundo Monetário Internacional (FMI) por um empréstimo de US$ 4,8 bilhões (cerca de R$ 10,7 bilhões) para sanar as finanças públicas
Não houve justiça para pessoas mortas por forças de segurança durante o levante e os protestos anti-governamentais desde então
Não há tratamento digno para os egípcios ou para seu país
O Egito está seguindo a cartilha dos Estados Unidos   

“Eles roubaram nossa revolução, precisamos pega-la de volta”, disse Mohamed.

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