segunda-feira, 30 de setembro de 2013

OSCAR CASTRO NEVES E O ENVELHECIMENTO DA MPB


Por Alexandre Figueiredo

Pobre MPB. A MPB autêntica, não a suposta "verdadeira MPB" que combina, numa só equação, plateias lotadas e uma cosmética de pompa e luxo que se observa sobretudo nos neo-bregas, está em crise, estagnada num envelhecimento que faz perder nossos mestres a cada temporada.


No último fim de semana, foi a vez do compositor, violonista e arranjador Oscar Castro Neves, um nome da Bossa Nova tão importante quanto Tom Jobim e Vinícius de Moraes, Johnny Alf e Billy Blanco, Carlos Lyra e Roberto Menescal.

Oscar - figura tão simbólica dos Anos Dourados brasileiros quanto seu xará Oscar Niemeyer - faleceu aos 73 anos de câncer, na última sexta-feira. É mais um grande nome da Bossa Nova, um músico empenhado no abrasileiramento do jazz em uma obra peculiar, que nos deixa e deixa a MPB órfã e a cada dia mais acéfala.

Oscar Castro Neves estava em atividade até pouco tempo atrás. Seu último disco individual foi em 2006. Ele faleceu em Los Angeles, EUA, país mais receptivo à Bossa Nova que o Brasil cada vez mergulhado em tendências brega-popularescas, sob uma blindagem de uma geração de intelectuais supostamente "progressista" que parece fazer free lance para a ditadura midiática.

 
A Bossa Nova anda muito injustiçada no Brasil. Por vezes parasitada por breguinhas em busca de algum lugar ao Sol, ou empastelada por covers politicamente corretas de sucessos qualquer nota, e por outras atacada duramente, a BN chegou a ser símbolo de sofisticação musical brasileira, de verdadeira cultura jovem e urbana no nosso país.

A Bossa Nova havia, juntamente com a música de raiz resgatada pelo movimento cepecista (leia-se Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes - CPC da UNE), fornecido os elementos musicais para uma geração de jovens universitários nos anos 60 estabelecer as bases do que hoje se considera a moderna MPB.

 
 Nessa época, MPB era uma sigla de um movimento cultural de resistência contra os arbítrios da ditadura militar e contra as pressões da crescente indústria cultural, que no Brasil foi muito favorecida já que a grande mídia e a indústria fonográfica, em boa parte mas salvo exceções, apoiaram o regime militar.

 
Hoje a MPB vive o dilema de se tornar uma Academia Brasileira de Letras musical ou uma "casa da mãe Joana", no primeiro caso restrita ao mais rijo elitismo, no outro aberta à mais escancarada cafonice. Nos dois extremos, a cultura brasileira sai seriamente prejudicada.

E hoje, então, a MPB autêntica, que reúne qualidade artístico-cultural e visibilidade, está ficando muito velha. Oscar Castro Neves era apenas dois anos mais velho que os mestres remanescentes da MPB, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola e Milton Nascimento.

Isso é grave, porque os grandes nomes da MPB autêntica - não a "verdadeira MPB" que vive tão somente de lotar plateias - são idosos, muitos com idade para receber aposentadoria do INSS. Por sorte, vários deles têm saúde, disposição e fôlego para criar novas grandes canções, tocar nos palcos e dar entrevistas lúcidas e substanciais. Mas, até quando?

Enquanto isso, temos o crescimento gangrenoso da breguice musical, que dos pastiches de rocks e boleros dos anos 60-70 se desdobrou em caricaturas de sambas, merengues, modinhas, xaxados e até do funk autêntico eletrônico de Afrika Bambataa.

 Criam-se ídolos brega-popularescos como se criam automóveis. Se a intelectualidade - a verdadeira, não a "farofa-feira" - derruba um ídolo, outro é colocado no seu lugar, enquanto o ídolo derrubado ganha tempo no ostracismo para depois criar sua choradeira nos meios intelectuais.

Para piorar, vários deles agora fazem pastiches de MPB, mais preocupados com a marca dos ternos e a posição dos holofotes de luz nos palcos do que com a música que não sabem fazer. Contratam até arranjadores de luxo, enquanto aderem à fórmula preguiçosa de gravar covers de gente como Wilson Simona, Renato Teixeira e Lupicínio Rodrigues só para enganar a rapaziada.


 
Fácil gravar covers de MPB. É como o mau aluno que, quando faz um trabalho escolar, copia textos inteiros de livros, ou talvez uma colagem de parágrafos copiados de diferentes textos, para depois fingir para a professora que escreveu tudo aquilo. Criar MPB, mesmo, no duro, é que é uma tarefa difícil que nem arranjadores alheios conseguem ajudar.

Afinal, reduzir ídolos neo-bregas a crooners de uma cosmética musical que apenas parece, na forma, com a MPB mais manjada, mas cujo conteúdo continua tão brega quanto antes, em nada contribui para a renovação ou melhoria da Música Popular Brasileira.

Pelo contrário, até piora. Não se produzem Oscar Castro Neves nas rodas de "pagode romântico" ou nas reuniões de "sertanejo romântico". A forma aparente não justifica o conteúdo, e o que vemos é uma MPB autêntica envelhecida que corre o risco de perecer e cair no esquecimento, e que já é deixada de lado pela "MPB de mentirinha" de bregas veteranos.

Ainda existe muita MPB nova por aí. Mas ela não tem espaço no mercado e na mídia. E nem todo mundo faz a linha "MPB obediente" - que agrada muito a gente como os blogueiros do Farofa-fá - a aceitar de forma cordeirinha a breguice dominante e ser coadjuvante ou figurante do espetáculo da cafonice escancarada.

A crise da música brasileira existe, mas infelizmente, não é notada. Muitos pensam que a crise só existe quando falta dinheiro. Ainda pensa-se o Brasil apenas de forma economista, e isso é mal. Em nome do desenvolvimento, sacrifica-se até a cidadania. E muita coisa digna dos tempos do general Médici hoje é relançada sob o rótulo de "progressista", por causa dessa visão.

 
 E aí perdemos Oscar Castro Neves, um dos símbolos de um Brasil que queria mesmo crescer, se debatia, se reavaliava, se construía. Não era um Brasil de hoje que se imbeciliza por dinheiro, que faz masoquismo em prol de mais verbas. Com Oscar Castro Neves, morre um pouco daquele Brasil desenvolvimentista e verdadeiro.
 
 
Fonte: Mingau de Aço

Nenhum comentário:

Postar um comentário