Pressionada pelos que procuram rotular seu governo como intervencionista, e por reportagens como a que saiu anteontem na The Economist – acusando o Brasil de protecionismo, a Presidente Dilma desvia os olhos do peixe e os coloca no gato.
Para responder aos adversários e à pressão do “establishment”
financeiro internacional - exercida via FMI, The Economist, The Wall Street
Journal, et caterva, como o El Pais - o governo pretende enviar a Bruxelas, na
próxima quinzena, os Ministros das
Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, e do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior, Fernando Pimentel, para estabelecer cronograma definitivo para a negociação do
acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Européia.
Tajani |
Na semana passada, o Vice-Presidente da Comissão Européia, Antonio
Tajani, esteve no Brasil para discutir o assunto, e é compreensível que o Palácio
do Planalto queira mostrar resultados nessa questão, antes das eleições do ano
que vem.
Um acordo de livre comércio com a União Européia esvaziaria o
discurso de que o Brasil é protecionista e faria o mesmo com o Mercosul,
vilipendiado como o menino feio e mal educado, frente a alunos bem mais
“bonitinhos” e bem comportados, como o México e a Aliança do Pacífico, por
exemplo.
O que não pode ocorrer, no entanto – e é preciso que se
atente a isso - é que uma decisão dessa natureza seja tomada a toque de caixa, porque
se está prestando mais atenção ao gato – no caso, os adversários - do que ao
peixe – nosso mercado e interesses nacionais.
A questão, como sempre ocorre, entre grandes nações e grupos
de países, é mais de natureza geopolítica, do que meramente econômica.
Em primeiro lugar, para decidir o melhor caminho, é preciso
não aceitar, a priori, a alegação de que o Brasil é um país protecionista.
Protecionistas são os Estados Unidos, a Europa, o Canadá.
Tão protecionistas que já os derrotamos várias vezes em contendas
internacionais – inclusive na Organização Mundial do Comércio – como nos casos
do algodão, do suco de laranja, do frango congelado, ou dos subsídios à fabricação
de aviões, por exemplo.
O Brasil tem direito a ter política industrial, o que é
diferente.
Temos tanto direito de exigir conteúdo nacional nas compras
da Petrobras, por exemplo, quanto tem os EUA de exigir da Embraer a construção
de uma fábrica de aviões nos Estados Unidos, com participação minoritária da
empresa brasileira em associação com um sócio local – como condição, sine qua
non, para vender aviões de guerra Super-Tucanos para a Força Aérea dos EUA.
Condição, aliás, à qual está sujeita qualquer empresa que
queira vender e fornecer – mesmo que apenas parafusos – para o governo norte-americano.
O segundo argumento para se assinar, rapidamente, um tratado
com a UE, seria a iminência da assinatura de um Acordo de Livre Comércio entre
a Europa e os EUA, que criaria o maior bloco comercial do mundo.
A conclusão das negociações entre o Mercosul e os europeus –
dizem os defensores da tese – permitiria que o Brasil entrasse, no futuro, no
mercado EU-EUA, evitando que ficássemos isolados.
A pressa, nesse caso, também não se justifica, O acordo de
livre comércio entre a Europa e os Estados Unidos recém começou a ser negociado
em julho, há uma série de atritos – a França, por exemplo, quer deixar a
indústria cultural de fora – e a revelação da espionagem da NSA, também contra
alvos europeus, esfriou consideravelmente o entusiasmo inicial com a proposta.
Por causa do escândalo revelado por Snowden, a França ameaçou
suspender as negociações, depois aceitou a sugestão alemã de continuar com os
encontros e exigir esclarecimentos dos norte-americanos. A Comissária de
Assuntos Europeus, Cecilia Malmstroem, em carta à Secretária norte-americana de
segurança interna, afirmou:
"Vivemos
um momento delicado em nossas relações com os Estados Unidos. A confiança mútua
foi seriamente erodida e espero que os EUA façam tudo o que estiver ao seu
alcance para restaurá-la".
Finalmente,
duas considerações: o Mercosul, com todos os seus defeitos, não pode ser
comparado com a Aliança do Pacífico. Ela é uma ilusão, na qual o maior sócio, o
México, tem 90% de seu comércio internacional com outro grupo, o NAFTA ( 80%
com os Estados Unidos).
Nem o
Mercosul vai tão mal, nem a Aliança do Pacífico é a oitava maravilha da qual
estão falando. O Brasil, por exemplo, vai crescer este ano 2,5% enquanto o
México crescerá menos da metade, 1,2%. Com nosso país recebendo cinco vezes
mais Investimentos Estrangeiros Diretos – 65 bilhões de dólares contra 12
bilhões de dólares – do que o México no ano passado.
Finalmente,
antes de fazer um casamento com a Europa, de papel passado e tudo, cabe
analisar o futuro do mundo.
A UE –
principalmente por causa das crises recorrentes e do acelerado processo de
envelhecimento de sua população, terá, no futuro, cada vez menos consumidores.
A diminuição
do seu mercado interno e a concorrência com os Estados Unidos não nos daria qualquer
chance na exportação de manufaturados.
Na agricultura,
continuaríamos reféns de seus subsídios e barreiras. Abriríamos, em troca, nossas
fronteiras, para que eles colocassem aqui
bens industriais e manufaturas que não teriam como vender dentro da zona
do euro.
A China e
a Índia, por outro lado – para ficar só nos BRICS - estão agregando dezenas de
milhões de consumidores à sua economia todos os anos. Pequim abandona
paulatinamente sua dependência dos mercados externos, para, do alto de seus
quase 4 trilhões de dólares em reservas – dedicar-se, cada vez mais, ao
desenvolvimento de seu mercado interno.
Qual será,
então, o melhor caminho para o Mercosul ?
Atrelar-se
a um mercado envelhecido de 880 milhões de habitantes que consomem cada vez
menos e que crescerá a uma média de menos de 1% este ano – ou a um mercado de
3, 4 bilhões de habitantes, que crescerá a uma média de mais de 6% em 2013, que
tem fome de todo o tipo de produto e agrega dezenas de milhões de consumidores
a cada ano?
Um
caminho pode até não excluir obrigatoriamente o outro, mas é melhor pensar
primeiro no peixe, e menos no que o gato quer que façamos, na hora de escolher qual
será o nosso lugar e o nosso destino nos próximos anos.
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