quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Discurso de Obama revela guinada à esquerda em ano eleitoral


Presidente usa seu quinto pronunciamento sobre o Estado da Nação para tentar se aproximar do eleitorado ao dar destaque à desigualdade social. Entre as principais promessas, legislar sem o Congresso se necessário.
O quinto discurso de Barack Obama sobre o Estado da Nação, na noite de terça-feira (29/01), foi o mais longo e o mais difícil desde que ele chegou à Casa Branca. Apesar do bom desenvolvimento econômico e da queda no índice de desemprego, sua aprovação entre os americanos é baixa, enquanto o número de projetos de lei fracassados é alto.
"Viu-se um presidente que sabe que tem sérios desafios", diz Matthew Duss, do think tank Centro do Progresso Americano. "Ele revelou sua frustração com o Congresso. No entanto, vimos um presidente que quer continuar tentando cooperar com o Legislativo, mas que também deixou claro que vai dar prosseguimento à sua agenda, mesmo sem o Congresso."
Nos últimos dias, porta-vozes de Obama haviam despertado altas expectativas em torno do discurso. Mas, apesar da conhecida maestria retórica do presidente americano, no final seu pronunciamento à nação não teve grandes surpresas. Da educação acessível, lei de imigração, Guantánamo, proteção ambiental até o aumento do salário mínimo – Obama falou de tudo um pouco.
"Se falarmos da possibilidade de muita coisa acontecer devido a esse discurso, eu devo dizer que as chances são poucas", afirma Stephen Hess, do Instituto Brookings. "Ele está diante de um Congresso que deixou claro que não vai lhe dar nada e que também não vai apoiá-lo."
Posição difícil para governar
Segundo o jornal Washington Post, desde seu discurso do ano passado, somente cinco das 24 iniciativas do presidente foram implementadas. As outras fracassaram no Congresso. Não é de admirar que Obama tenha forçosamente se repetido este ano. Para estar em situação melhor em 2015, ele pretende agora mostrar capacidade de ação – se necessário, mesmo sem o apoio dos legisladores.
"Acho que ele não tem escolha", diz Stephen Hess. "No ano passado, ele sentiu o impulso de sua vitoriosa reeleição. Fez grandes propostas, e o resultado foi um ano terrível. Sua esperança por uma nova lei de armas de fogo, sua nova lei de imigração, tudo fracassou. E ainda por cima a má implementação da reforma do sistema de saúde. Ele não pode contar com o Congresso. Se quiser conseguir algo, ele deve fazê-lo sozinho."
Um dos destaques do discurso foi dedicado à luta contra a crescente desigualdade social. Ele anunciou que vai elevar, por decreto presidencial, o salário mínimo para firmas contratadas pelo governo. Futuramente, zeladores e operários da construção civil vão receber 10,10 dólares por hora de trabalho em vez dos atuais 7,40 dólares.
Apesar de aplausos, Barack Obama enfrenta falta de apoio do Congresso americano
Para Matthew Duss, do Centro do Progresso Americano, Obama está perseguindo, conscientemente, uma agenda diferente e, em ano de eleições legislativas, está deixando o centro e dando uma guinada política à esquerda. "O foco na desigualdade econômica é um tema importante da esquerda progressista. Assim, ele se encaixa fortemente na tradição histórica progressista", opina.
Segundo o ex-diplomata Frank Loy, o objetivo do discurso teria sido "inspirar" os próprios apoiadores antes das importantes eleições de novembro. Para Loy, Obama foi relativamente bem-sucedido em alguns temas. "A elevação do salário mínimo, a improvável mudança da lei de armas de fogo, a sua forte declaração sobre a mudança climática e também a ênfase na diplomacia com o Irã se enquadram nessa categoria", diz.
Republicanos preocupados
Obama dedicou grande parte de seu discurso às regiões de conflito Afeganistão, Síria, Irã e Iraque. Para o Afeganistão, ele anunciou o fim da missão militar para dezembro de 2014. Ele assegurou, no entanto, a permanência de um pequeno contingente. A defesa de Obama pela primazia de soluções diplomáticas não encontrou o apoio de muitos republicanos. Em entrevista à Deutsche Welle na véspera do discurso, o senador republicano John McCain acusou o presidente de falta de liderança.
"No tocante à segurança da nação, ela é inexistente", disse McCain. "Tudo o que ele diz é: ele quer partir. Ele disse que quer deixar o Iraque. Ele disse que quer ir embora do Afeganistão." Segundo o republicano, até agora Obama não revelou, porém, quantos soldados devem permanecer no país. "Não existe liderança. Este é um capítulo vergonhoso da nossa história."
Frank Loy, no entanto, defende outra posição. Em relação ao Afeganistão, no entanto, ele vê outro risco: "Retiramos nossa tropa, e o caos vai se instaurar em algumas partes do país, porque as forças de segurança afegãs não estão em condição de assumir o controle."
Loy afirma, no entanto, que daqui a cinco anos esse risco ainda estaria lá. Na passagem do discurso sobre o Irã, ele disse ver uma das afirmações mais "corajosas", ou seja, a ameaça de veto por parte de Obama no caso de o Congresso aprovar novas sanções contra o Irã.
Em seu discurso, a Europa e as relações transpacíficas foram mencionadas por Obama com uma única frase, da mesma forma que o caso de espionagem pela NSA. Com isso, ele ignorou as preocupações europeias a essa respeito – o que, afinal, deve desencadear ainda mais ceticismo no continente.
Internamente, por outro lado, Obama parece ter atingido os nervos dos seus adversários políticos. Os republicanos demonstraram abertamente temerem as consequências dos anúncios feitos. Pela primeira vez, não só um político da oposição respondeu ao discurso – como é praxe – mas quatro juntos.

DW

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