Os próximos dias colocarão à prova a determinação e a habilidade da Europa em lidar com a crise ucraniana.
"Será um grande teste à unidade europeia pós-Guerra Fria", resumiu um funcionário do alto escalão da União Europeia (UE).
A UE, que discute sanções contra a
Rússia, advertiu Moscou das "consequências" caso não participe de um
diálogo sério a respeito da crise e recue suas tropas.
Essa pressão deverá ser reforçada em encontros entre chanceleres europeus, nesta semana.
Até agora, a Europa fez um gesto: suspendeu as
negociações de um pacto econômico com a Rússia e as facilitações para
emissões de visto. Para Moscou, essas medidas causam apenas uma leve
irritação.
Tanto os Estados Unidos como a UE dizem que não
vão reconhecer o referendo realizado na Crimeia, em que 97% votaram pela
anexação do território ucraniano à Rússia.
O presidente francês, François Hollande, alega
que não reconhece o que chamou de "pseudo-consulta"; o chanceler
britânico, William Hague, afirma que "chegou a hora para medidas
restritivas mais duras".
Dilemas
Embaixadores europeus em Bruxelas definiram que 21 autoridades russas (ainda não identificadas) e ucranianas serão alvo das sanções, que incluem o congelamento de bens e restrições a viagens ao bloco.
Todas as ações, até agora cautelosas e modestas, têm a intenção de aumentar os custos de uma ação russa em território ucraniano.
Mas a verdadeira questão é se a UE está
preparada para adotar sanções econômicas que afetem as exportações e os
negócios russos (semelhantes, por exemplo, às sanções adotadas contra o
Irã).
Isso afetaria a economia russa em um momento
vulnerável: os custos de seus empréstimos estão crescendo, e acredita-se
que alguns dos maiores bancos do mundo estejam reduzindo suas linhas de
crédito a clientes russos.
Mas as sanções econômicas estão muito longe de
acontecer. Seria necessário obter o apoio unânime dos 28 Estados-membros
da UE, e muitos hesitariam em tomar tal medida.
O ministro alemão de Relações Exteriores,
Frank-Walter Steinmeier, advertiu que qualquer medida deve deixar
abertas "possibilidades para impedir uma escalada que leve a um racha
mais profundo na Europa".
Seu par holandês agregou que "fará todo o possível para impedir sanções", por acreditar que elas "trariam sofrimento a todos".
O dilema se estende por toda a Europa: as
sanções só serão adotadas se os países estiverem preparados para também
aceitar as perdas que vierem com elas - e num momento em que muitos
países ainda lutam para superar os efeitos da crise de 2008.
A cautela europeia deriva de seus próprios
interesses econômicos e, até certo ponto, de sua dependência energética:
30% do gás natural da UE é de origem russa.
Ideia eurasiana
Além disso, as exportações europeias à Rússia
totalizaram 123 bilhões de euros (R$ 402 bilhões). A Alemanha, em
especial, tem se beneficiado de uma relação econômica com Moscou que tem
sido especialmente benéfica a seu setor exportador - mais de 6 mil
empresas alemãs fazem negócios com a Rússia.
Uma opção para a UE seria almejar os líderes das
poderosas empresas russas Gazprom e Rosneft, ou então isolar o setor
bancário do país.
Haveria retaliação, mas os ministros europeus
terão de decidir se sua credibilidade política é mais importante do que
seus interesses comerciais.
No início da crise, o governo alemão de Angela
Merkel defendiam o caminho do diálogo, e não o da punição, e pedia a
criação de um grupo de debate com a Rússia.
Até agora isso não aconteceu, e a Alemanha e o
restante da UE terão de decidir como vão lidar com o presidente russo,
Vladimir Putin, no futuro.
Putin sonha com uma união eurasiana - que inclua
Rússia, Ucrânia, Belarus e Cazaquistão -, competindo com a influência
da UE sobretudo no Leste Europeu.
Quanto à crise na Ucrânia, Putin defende a
criação de um grupo internacional de apoio, mas desde que Kiev aceite a
anexação da Crimeia por Moscou.
'Nossa terra'
Os Estados Unidos e a Europa ainda tentam
facilitar o diálogo entre o Kremlin e o novo governo ucraniano, mas as
negociações estão cada vez mais difíceis.
Cerca de 70% dos russos estão convencidos de que
a população de origem russa está sob perigo real na Ucrânia. Muitos
compartilham do apego emocional de Putin à Ucrânia e acreditam que seu
país precisa combater os "fascistas" em Kiev.
Com isso, um meio-termo fica mais distante. E,
se as tropas russas invadirem outras partes do território ucraniano,
provavelmente será impossível impedir que o conflito ganhe proporções
mais amplas.
Ao mesmo tempo, muitos agora admitem que a UE
cometeu um erro estratégico na Ucrânia: o acordo de aproximação
bilateral (cuja recusa, em novembro, pelo presidente destituído Viktor
Yanukovych, desencadeou a atual crise) foi conduzido basicamente por
tecnocratas.
O acordo previa tirar a Ucrânia da órbita russa.
Mas, como disse uma autoridade, pedindo anonimato: "Nunca fizemos um
debate substancial sobre onde achamos que é o lugar da Ucrânia" ou sobre
como a Rússia reagiria.
Alguns também acham que a UE errou ao apoiar em demasia a oposição (agora no poder) ucraniana.
E a UE, que investiu pesado para construir uma
Ucrânia mais democrática, agora tem de apoiar o novo governo em Kiev,
cujo ministro da Defesa disse recentemente que "esta é nossa terra e não
vamos sair daqui".
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