quinta-feira, 15 de maio de 2014

TSIPRAS: "O SYRIZA E A GRÉCIA PODERÃO SER A ANTECÂMARA DO FIM DA AUSTERIDADE"


Alexis Tsipras representa a Esquerda Europeia, o único partido europeu que se bate contra a austeridade e pede uma refundação da Europa. Primeiro estão as pessoas e não a ganância da banca ou da finança. O seu primeiro ponto na agenda política é acabar com a austeridade. Diz que o liberalismo económico não é invencível e que tudo depende da relação de forças. O Esquerda.net reproduz neste artigo a entrevista concedida por Tsipras à Esquerda Europeia.
Alexis Tsipras: "O neoliberalismo é o produto de escolhas políticas da relação de forças vigente na Europa. A sua longevidade como paradigma económico dominante deve-se, em grande parte, à social-democracia".

Esquerda Europeia: Em dezembro do ano passado, o Partido da Esquerda Europeia, após um extenso debate no congresso, decidiu apresentar um candidato à presidência da Comissão Europeia. 84% dos delegados deram-lhe a responsabilidade de ser o candidato, com o objetivo de erguer a voz por uma alternativa e pelo fim da austeridade. Como avalia o trabalho feito nos últimos 5 meses?
Alexis Tsipras: Nos últimos 5 meses tive a oportunidade de conhecer e falar com homens e mulheres de cidades pequenas e grandes de toda a Europa. Isto porque não centrei nem dediquei a minha pré-campanha aos estúdios televisivos. Não quero fazer uma campanha política somente nas televisões, nem dar palestras à porta fechada. Tenho a certeza de que a mensagem de esperança e de mudança que tem vindo a ser veiculada pela Esquerda Europeia tem tido impacto. Também sinto que as pessoas sabem que existe uma alternativa credível à Europa neoliberal da senhora Merkel. As pessoas sabem que a Esquerda Europeia apresenta alternativas políticas realistas que vêm ao encontro das necessidades da Europa do século XXI. As pessoas têm consciência do facto de estarmos a votar pelas nossas vidas neste mês de maio.


"As pessoas que querem que a austeridade acabe agora, têm que votar contra a austeridade. Devem votar na Esquerda Europeia. Devemo-nos pôr de pé e ser ouvidos".
EE: Estamos numa encruzilhada crítica para decidir o futuro das pessoas na Europa. Vão ser decididas as condições em que vamos sobreviver depois da crise e como será a política social, económica e ambientar Europeia nos próximos 5 anos. Neste contexto, qual é a sua mensagem para os 400 milhões de europeus que, no dia 25 de maio, tem direito ao voto?
AT: Todos devem participar nas eleições neste mês de maio. Não devem deixar que o voto de outros decida por eles. As pessoas que querem que a austeridade acabe agora, têm que votar contra a austeridade. Devem votar na Esquerda Europeia. Devemo-nos pôr de pé e ser ouvidos, porque estas eleições são únicas. São um referendo às nossas vidas. Pela primeira vez o resultado das eleições será crítico para o projeto europeu, para os nossos países, para cada um e cada uma de nós. O nosso voto afeta o rumo, não só de cada país separadamente, mas do continente inteiro. Para reverter o neoliberalismo e a europa alemã, temos que fazer com que a senhora Merkel seja uma minoria política na Europa, temos que a isolar politicamente. Temos que a derrotar e pôr fim à austeridade e resgatar a democracia, para resgatar a Europa.
A Europa encontra-se numa encruzilhada histórica. Ou continuamos com a austeridade, com o desemprego e com a pobreza durante muitos mais anos e com menos democracia, ou mudamos. Mudamos o percurso da Europa, ao fomentar o crescimento, a justiça e o trabalho com dignidade, com mais democracia. É por isso que o dilema que enfrentamos no dia das eleições europeias é claro: ou estamos com a esquerda ou estamos com a austeridade. Ou a esquerda ou a senhora Merkel. Nestas eleições de maio, ou aqueles que foram responsáveis pela crise são derrotados e o contexto institucional da austeridade é revertido de forma permanente, ou poderemos continuar como se nada se passasse na Europa nos últimos 4 anos. Eles vão continuar com as mentiras e com as evasões, matando os povos e o futuro da Europa. Para aqueles que rejeitam a austeridade e querem um futuro melhor, os que querem esperança, que querem empregos e propriedade a Esquerda Europeia é esse futuro.


Para reverter o neoliberalismo e a europa alemã, temos que fazer com que a senhora Merkel seja uma minoria política na Europa, temos que a isolar politicamente
EE: Se o objetivo principal da Esquerda Europeia é a refundação da Europa, onde se começa e quais são as chaves para esta mudança?
AT: Para mudarmos a Europa, precisamos de mudar a relação de forças na Europa. Isto somente depende dos povos europeus, com o uso do seu voto nos próximos dias. A Europa deve virar à esquerda com uma forte votação na Esquerda Europeia. Temos que tornar 2014 no ano da mudança. Haverá duas chaves para a mudança: a primeira é o fim imediato da austeridade e de todos os memorandos, o segundo é a gradual reorganização democrática das instituições europeias, garantido a participação cidadã nas decisões que lhes afetam, fazendo frente ao chamado “défice democrático”.
EE: Quando diz que a austeridade não funciona, mas funciona muito bem para a chamada “economia de casino” que, como tem dito de forma recorrente, aproveitou-se da crise para reduzir os custos de trabalho e privatizar os recursos públicos. Como é que vai lutar contra a força dos mercados financeiros?
AT: O poder dos mercados financeiros é derivado da política. No sentido em que o poder que atualmente têm os mercados financeiros foi consentido pelo poder institucional europeu. O neoliberalismo retirou todas as formas diretas e indiretas de controlo das operações, deixando que o sistema bancário se alimentasse da liquidez de produtos financeiros. Os conservadores, os liberais e os sociais-democratas decidiram que a democracia deveria responder às necessidades dos mercados financeiros e não o contrárioÉ uma escolha política neoliberal. O capitalismo de casino pode ser contido a nível Europeu. Para atingir isto, temos que reverter a relação de forças a nível europeu a favor da Esquerda Europeia. Isso dar-nos-á a capacidade de fazer avançar propostas políticas fundamentais. Por exemplo, o  “Glass-Steagall Act” europeu, que é central para o nosso programa, por si só teria a capacidade de conter o capitalismo de casino na Europa ao separar as atividades comerciais das atividades de investimento, impossibilitando a fusão de riscos numa entidade incontrolável.

"Os conservadores, os liberais e os sociais-democratas decidira"m que a democracia deveria responder às necessidades dos mercados financeiros e não o seu contrário.
EE: Qual é o seu projeto de criar emprego para 27 milhões de europeus que hoje procuram trabalho? É virado para a população jovem que, como na Grécia e na Espanha, atinge os 60%?
AT: É indispensável acabar com a austeridade e induzir uma política orientada para a procura interna, centrada no aumento dos rendimentos e, assim, aumentar a capacidade de consumo das classes baixas e das classes médias. Paralelamente, teríamos que criar o chamado “New Deal Europeu”, um plano europeu de investimento público nas áreas da educação, investigação e inovação, tecnologia e infraestrutura. Vamos dar prioridade à coordenação das economias europeias para parar com a espiral recessiva de estagnação, crescimento anémico e desemprego elevado.
EE: Juntamente com a Esquerda Europeia, advoga a realização de uma Convenção Europeia em que os temas principais sejam a dívida e o investimento público de forma a resolver o problema das dívidas, como foi feito com a Alemanha em 1953 como um primeiro passo para a recuperação económica. Quais são as propostas da Esquerda Europeia para resolver o problema da dívida?
AT: O nosso plano político para gerir o sobre endividamento da zona euro de forma efetiva, credível e definitiva depende de três pilares: primeiro, acabar com a austeridade. A austeridade é o que alimenta a dívida e precisamos de mudar de política para trazer de volta o crescimento viável, que só aparecerá assim que a austeridade acabar. O segundo pilar é o “New Deal Europeu”, como referi antes. O terceiro pilar será a “Conferência Europeia da Dívida” para lidar com o volume e nível das dívidas. Isto teria de envolver uma variedade de soluções específicas para cada pais que incluísse a eliminação de uma parte significativa da dívida, com uma “cláusula de crescimento” para o pagamento da dívida restante, uma moratória no pagamento da dívida, entre outros.


"É necessária uma anulação do chamado Tratado Orçamental que tem vindo a ser ratificado"
EE: Também tem insistido na necessidade de construir as alianças politicas e sociais mais amplas possíveis. Este processo está a funcionar?
AT: Mudar a Europa é uma tarefa com proporções históricas que precisa do compromisso do mais amplo número de forças políticas e sociais. Não irá acontecer do dia para a noite. É um processo que envolve tanto a alteração imediata da política económica como uma reforma gradual que desmantela a estrutura neoliberal da governação económica da zona euro que a senhora Merkel e os seus aliados construiriam nos últimos anos. Por exemplo, é necessária uma anulação do chamado Tratado Orçamental que tem vindo a ser ratificado ou por referendo ou pelo procedimento parlamentar. Não é uma coincidência que a Grécia, que desde maio de 2010 tem sido a cobaia das receitas neoliberais, tenha sido a antecâmara da experimentação para o que viria a ser aplicado nos outros países. Agora a Syriza e a Grécia poderão ser a antecâmara do fim da austeridade e iniciar uma mudança democrática, criando um efeito dominó por toda a Europa.
É por isso que o voto na Esquerda Europeia é um voto no futuro democrático da própria Europa. Devemos alterar a relação de forças na Europa para mudá-la. O neoliberalismo não é um fenómeno natural nem invencível. É o produto de escolhas políticas da relação de forças vigente na Europa. A sua longevidade como paradigma económico dominante deve-se, em grande parte, à social-democracia que nos anos 90 adaptou os seus princípios ao mercado.
EE: Outra decisão importante que tem que ser tomada na próxima legislatura europeia é a aprovação, ou rejeição, do Tratado Transatlântico (TTIP), que terá um impacto determinante nas nossas vidas, na nossa economia e na democracia. O Partido da Esquerda Europeia tem uma forte posição contra o TTIP. Quais são os aspetos mais perigosos deste acordo?
AT: A Esquerda Europeia nunca aceitará um acordo que irá contribuir para uma desvalorização dos padrões sociais, laborais, ambientais e de saúde que, por sua vez, é uma desvalorização da democracia. Nunca iremos aceitar um acordo comercial que permita qu empresas privadas processem governos se estes mudarem de política económica que vá contra os seus interesses privados. Isto excede qualquer precedente e é totalmente inaceitável.


"Na minha opinião, o senhor Juncker e o senhor Schulz são politicamente complementares. Apesar de algumas diferenças, são parte do mesmo consenso neoliberal".
EE: Uma vez, numa conferência de imprensa, disse que preferia ver o jogo entre o Barcelona e o Real Madrid, do que ver um debate televisivo entre o Schulz e o Juncker, porque ao menos os jogadores de futebol estavam a jogar a sério. Como define os candidatos do Partido dos Socialistas Europeus e do Partido Popular Europeu, Schulz e Juncker?
AT: Os meus comentários são políticos. Na minha opinião, o senhor Juncker e o senhor Schulz são politicamente complementares. Apesar de algumas diferenças, fazem parte do mesmo consenso neoliberal. É por isso que eles gastam o período pré-eleitoral com generalidades e com desejos, escondendo a sua estratégia comum de austeridade. 


Fonte: esquerdanet.com

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