segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Os novos judeus e o futuro








Dizem os jornais do sistema que 90% dos israelitas apoiam a ação genocida do seu governo. Até pode ser que assim seja, num Estado em cuja população é sistematicamente incutida a ideologia racista do “povo eleito” e do seu direito divino ao “Grande Israel”. 
E se assim é, mais um motivo para saudar fraternalmente os 10% que não apoiam tal ação criminosa. Neles reside uma pequena parte da esperança de que um dia seja encontrada uma solução justa para a causa do martirizado povo palestino. Essa causa é hoje uma prioridade para toda a humanidade progressista e amante da paz.






“Há um fosso ético entre o nome do nosso exército, Forças de Defesa de Israel, e o que fazem os soldados. Eu e meus amigos fomos mobilizados para empreender ações “preventivas” na Cisjordânia, mas o que fazíamos nada tinha de preventivo.”

Segundo Yehuda Shaul, ex-oficial do exército israelense e autor destas palavras, o chefe do estado-maior, Moshe Yaalon, exortava os soldados a “queimar a consciência palestina”.

De acordo com testemunhas, os soldados patrulham as ruas e penetram ao acaso nas casas, a qualquer hora do dia ou da noite. Revistam tudo e todos, encostam as pessoas na parede e tiram fotos. Ninguém fica de fora: homens e mulheres, velhos e crianças Detalhe: as operações não são motivadas por nenhuma solicitação dos serviços de informação. De acordo com o sargento Nadav Bigelman, é frequente que as fotos nem sequer sejam enviadas à análise. O que se deseja é inibir o protesto, amedrontar e humilhar.

Shaul e Bigelman fazem parte de uma ONG, a Breaking the silence/Quebrando o silêncio, que já reuniu cerca de 950 depoimentos de militares e de ex-militares israelenses. Para recordar os dez anos de sua existência, houve manifestação recente na praça Habima, em Tel Aviv. Durante dez horas, políticos, jornalistas e ex-militares leram relatos atestando violências cometidas nos territórios palestinos ocupados. A ocupação, raiz da revolta palestina, e inteiramente ilegal, como sublinha Shaul, “não é mais uma segunda natureza para nós, ela incorporou-se à nossa própria natureza”.

Em nenhum dos depoimentos há qualquer aprovação aos atos de terrorismo ou aos foguetes lançados contra Israel por organizações islâmicas. Considerados “horríveis” porque suscitam medo, ferem e matam, tais atos, entretanto, não justificam fazer “de todos os habitantes de Gaza alvos de uma destruição em massa”.

É disso mesmo que se trata, pois o ataque desferido pelo exército de Israel a partir do 16 de julho último está destruindo em massa a população de Gaza – um terrorismo de Estado. Fontes publicadas pelo New York Times, nove dias depois do início da ofensiva, em 23 de julho, registravam 3.209 alvos atingidos, provocando um pouco mais de 800 mortos, milhares de feridos e dezenas de milhares de refugiados entre os palestinos.

A situação torna-se desesperadora.


 
Em Gaza, segundo dados do Le Monde, vivem 1,8 milhão de pessoas, com média de 18,2 anos, um alto índice de desemprego, maior entre os mais jovens (50%). Comprime-se num território de 45 km de comprimento por 10 km de largura, uma das mais altas densidades populacionais do mundo: 4.505 pessoas por quilômetro quadrado.

Em 1948, quando da fundação do Estado de Israel e da partilha da Palestina, o território ficou sob jurisdição egípcia, verificando-se um grande afluxo de refugiados. Depois da guerra de 1967, passou à ocupação israelense. A partir de 1994, os acordos de Oslo atribuíram seu controle à Autoridade Nacional Palestina. Entretanto, a região continuou triplamente aferrolhada: por terra, os postos fronteiriços com Israel e Egito filtram a conta-gotas os que desejam entrar ou sair. Por ar, o espaço é vigiado pelo Estado israelense. E por mar, Israel estabeleceu um limite de apenas 6 milhas náuticas (5,5 kilômetros) para o tráfego de embarcações.


Gaza virou um imenso gueto. E os palestinos converteram-se em novos judeus, cuja consciência precisa ser “queimada”.

“Novos judeus”: foi assim que, há pouco mais de trinta anos, Helena Salem intitulou um livro sobre a tragédia dos palestinos depois da II Guerra Mundial. 
Judia, teve que se haver com a crítica – às vezes, insultuosa - de judeus no Brasil e no mundo. Corajosa, recusou-se à autocensura. É trágico que sejam os próprios judeus, trucidados em guetos durante a II Guerra Mundial, os responsáveis por fazer reviver, agora, a maldita experiência.


Os palestinos não querem piedade.


Por destemidos, dela não carecem. Às vezes, como disse o Doutor Gilbert, médico norueguês, no hospital de Al-Shifa, em Gaza, “a gente só tem vontade de chorar e apertar num abraço as crianças cobertas de sangue”. Mas as lágrimas de dor, de raiva ou de medo não são bem vindas. Nem honrariam a capacidade de resistência e a resolução que, nas piores condições, demonstram os palestinos.


Eles precisam é de solidariedade ativa. Das gentes, nas ruas do mundo, manifestando apoio, obrigando os respectivos governos a agirem, através de pressões políticas e diplomáticas.


O mundo não pode assistir de braços cruzados e em silêncio ao massacre de um povo, agredido por uma força maior e mais poderosa. É preciso impedir que os judeus fabriquem novos judeus. Como disse Eric Goldstein, do Observatório dos Direitos Humanos, “Israel precisa fazer mais do que tentar explicar ataques ilegais. Precisa parar com eles”. Para o bem dos palestinos, da humanidade e dos próprios judeus.


*Professor de História Contemporânea da UFF
Email: daniel.aaraoreis@gmail.com

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