domingo, 14 de setembro de 2014

Sentimentalismo de Marina sucede euforia eleitoral

247 – Na mais surpreendente campanha eleitoral desde a redemocratização do Pais, em 1985, o momento agora é o do sentimentalismo. Esse componente entrou de forma inevitável na eleição de 2014 com a tragédia que envolveu a morte do presidenciável Eduardo Campos e mais seis pessoas, em acidente aéreo, em Santos, contados 30 dias atrás. Mas ganhou um corpo vivo na sexta-feira 12, quando a candidata Marina Silva, do PSB, sucessora de Campos, assumiu as feições de vítima de uma alegada conspiração política destinada a destruir-lhe a imagem.
- Tenho medo do que Lula pode fazer comigo, disse ela, lacrimejando, na busca de aplacar as críticas da campanha petista. Neste ponto, a estratégia não deu certo.
Flagrada em uma série de contradições no seu próprio programa de governo, que se mostrou uma típica colcha de retalhos com trechos copiados e colados de artigos acadêmicos, indefinição em assuntos estratégicos como o pré-sal e viés notadamente pró-mercado financeiro ao defender a autonomia do Banco Central diante do presidente eleito da República, Marina se tornou alvo fácil para ataques.
Um a um, cada escorregão da candidata do PSB vai sendo explorado politicamente pela presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula e a militância do PT. Com uma ênfase que não poderia ser menor diante do prêmio em jogo: nada menos que a chefia do Palácio do Planalto.


MODELO SÉCULO 19 - Corrente literária e filosófica do final século 19, o sentimentalismo é visto hoje como uma manifestação de jovens sonhadores da época contra instituições seculares e poderosas como o Estado e a Igreja. Seus adeptos não tiveram grande notoriedade, mas é certo que os dois grandes adversários permanecem firmes e fortes até os dias de hoje.
A julgar pelas pesquisas eleitorais, a Marina que se posiciona como vítima de ataques desproporcionais desferido pelo PT vai precisar de mais do que lágrimas para recuperar seu favoritismo na disputa. Assim que assumiu o lugar de Eduardo Campos, cerca de 25 dias atrás, ela disparou nas preferências e mostrou, então, uma face bastante diferente. Nos debates realizados pelas redes Bandeirantes e SBT, e também em suas peças de propaganda eleitoral, Marina tomou a cena falando quase que na qualidade de presidente eleita, tal a certeza que procurava transmitir ao público - assim como desprezo pelo trabalho de Dilma e sua equipe.
Os principais assessores econômicos marineiros, Eduardo Gianetti da Fonseca e André Lara Resende, foram aos jornais e a debates fechados espalhando modelos sobre como devem ser as coisas no Ministério da Fazenda e no Banco Central. Eles não demonstaram qualquer reconhecimento pelo trabalho feito nos últimos anos pelos atuais titulares Guido Mantega e Alexandre Tombini. A ideia, natural e compreensível numa campanha eleitoral, era destruí-los com os argumentos à mão.
Nessa hora de ataque, a herdeira do banco Itaú, Neca Setubal, saiu a campo para lembrar que fizera ela própria a maior parte do trabalho destinado ao Rede, sob o guarda-chuva do PSB, na confecção do programa de governo comum às duas agremiação. Até pouco antes da morte de Campos, de resto, a própria Marina continuava sólida em sua decisão de, com qualquer resultado, afastar-se do partido em 2015 e retomar a formação do Rede.  A bola, para usar uma expressão popular, estava no campo deles.
Houve, no entanto, escorregões. Considerando-se avassaladora do ponto de vista eleitoral, Marina desdenhou da importância econômica do petróleo e do pré-sal, afirmou e reafirmou sua bandeira de autonomia do Banco Central e, assustada com a reação contrária do pastor Silas Malafaia, um rematado coletor de dízimos e contribuições de legiões de fiéis de sua congregação pentecostal, recuou em sua posição de proporcionar às uniões homoafetivas o status de casamento como outro qualquer.
No lugar dos adversários petistas, seria muito difícil não reagir como Dilma e Lula passaram a fazer. Ambos, cada um ao seu modo, trataram, em própria defesa, de apontar os paradoxos da Marina pré-morte de Campos e sem favoritismo eleitoral em relação à mesma Marina que surgia eufórica e soberana na onda das pesquisas.
TERGIVERSAÇÃO COM GAYS - Diante da exposição de contra-argumentos, os petistas extraíram de Marina, primeiro, negativas para o que dissera, por exemplo, sobre o pré-sal, mas também reafirmações como a da defesa da autonomia do BC sobre o governo eleito. A candidata do PSB procurou tergiversar sobre as tradicionais bandeiras tradicionais do movimento LGBT, mas não viu problemas em se solidarizar à amiga Neca Setubal, responsável pela doação de R$ 1 milhão que correspondeu a 83% de tudo o que foi arrecado pelo Instituto Marina Silva no ano de 2013. Na disputa pela grande franja popular do eleitorado, a candidata do PSB achou que poderia carregar Neca ao seu lado sem qualquer questionamento sobre origem e questão de classe, mas isso foi impossível.
Frustrado o movimento racional de defesa, o que fez Marina. Chorou. E para um ataque do ex-candidato a presidente Ciro Gomes, disse simplesmente que daria "a outra face", sem, outra vez, entrar no mérito objetivo da discussão.
Ainda não se sabe que o chororô sentimental de Marina é alguma artimanha de marqueteiros, mas está claro que aposta nesta estratégia é alta. À medida em que evita debater claramente seu programa de governo, talvez com receio de que ele não obtenha a concordância da maioria necessária para eleger um presidente, Marina passa uma imagem ao eleitor completamente diferente da apresentada nas fases imediatamente anteriores da eleição. Crítica e mau humorada ao lado de Campos, superior e segura durante a fase de alta nas pesquisas, agora ela é a mulher frágil que tem medo do que os adversários podem fazer com ela.
Trata-sem de uma aposta num único número: se o eleitor ficar penalizado, ela vence, mas se o voto da maioria for racional, pouco dela vai sobrar. Entre lágrimas, a sorte foi novamente lançada, a 23 dias da eleição.

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