quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A esquerda é a preferida no segundo turno do Uruguai


Tabaré Vázquez celebra resultado do primeiro turno

Carta Capital


No domingo à noite a principal rua do centro de Montevidéu ficou cheia de bandeiras vermelhas, azuis e brancas. Apesar de não chegar aos 50% mais um dos votos que a lei uruguaia exige para vencer o primeiro turno das eleições nacionais, a Frente Ampla (esquerda) foi vitoriosa. Pelas primeiras pesquisas de boca de urna, o partido do presidente José “Pepe” Mujica não só conseguiria ficar como a força política mais votada, mas também guardava a esperança de obter a maioria parlamentar. A chance foi confirmada na segunda-feira 27, quando o primeiro escrutínio lhe outorgou 47,8% dos votos à Frente Ampla e a maioria nas duas câmaras legislativas.
 
Mujica é uma espécie de Lula uruguaio: tem absoluta credibilidade moral e política no seu país. Apesar da ultradireita viver tentando desconstruir, o mito é mais forte.

No próximo domingo de 30 de novembro, o Uruguai de 2,9 milhões de pessoas habilitadas a votar terá segundo turno entre o candidato da esquerda, Tabaré Vázquez (presidente entre 2005 e 2010), e o candidato do Partido Nacional (direita), Luis Lacalle Pou. As pesquisas das últimas semanas antecipavam essa possibilidade, mas se esperava que o Partido Nacional conseguisse mais votos dos que finalmente teve: 30,9%. O candidato do Partido Colorado (direita), Pedro Bordaberry, ficou fora do segundo turno e, com menos votos do que teve nas eleições passadas, já anunciou o seu apoio ao seu antigo rival. “Estou convencido que a maioria dos uruguaios sente que há que mudar as políticas de segurança e educação. E eu acho que a pessoa que vá conseguir essas mudanças é Lacalle Pou. Vou trabalhar cada hora para que ele ganhe”, disse no domingo à noite. Mas a soma dos votos colorados (12,9%) e do Partido Nacional - uma possibilidade no segundo turno - não atinge os conquistados pela Frente Ampla.
Além de a lei uruguaia não permitir a possibilidade de reeleição presidencial, o atual presidente Mujica encabeçou uma lista para o Senado. As eleições do domingo 26 o confirmaram como o legislador mais votado na Frente Ampla. Desta forma, se entregasse a Presidência, Mujica poderia ter ficado como presidente em exercício no caso que o presidente eleito e o vice-presidente ficarem fora do país. Segundo pesquisas, Pepe tem uma popularidade de 62%; ele foi eleito no segundo turno de 2009.
“Nos comprometemos a procurar consensos políticos e sociais. Haverá diálogo, respeito às outras forças políticas e tolerância. Além das maiorias, o caminho será a procura desse encontro”, disse Vázquez no domingo à noite.
Nos últimos dez anos no governo, a Frente Ampla sempre teve maioria parlamentar, o que lhe permitiu aprovar leis como a legalização da maconha ou a permissão do aborto. No caso da lei que regula o mercado da maconha, o governo Mujica impôs disciplina partidária aos seus legisladores obrigando-os a aprovar a norma. No governo Vázquez a maioria parlamentar lhe permitiu fazer mudanças importantes no país, como uma reforma tributária, da saúde pública ou a criação do Ministério de Desenvolvimento Social encarregado da assistência aos mais pobres.
A esquerda também venceu em 14 dos 19 departamentos que dividem ao Uruguai, o que pode ser um indicador para as eleições dos governos locais do ano que vem. No total, a Frente Ampla conseguiu a mesma percentagem de votos que nas últimas eleições de 2009. Essa é a primeira vez nos últimos 60 anos que um partido ganha a maioria parlamentar três governos consecutivos.
Contudo no mês de fevereiro, quando assumirem os novos legisladores, o Parlamento uruguaio terá pequenas mudanças. Unidade Popular, de esquerda radical, terá um deputado e o Partido Independente, de militantes socialdemocratas, terá um senador além dos dois deputados que tinha até agora.
Vázquez, médico, ex presidente, de 74 anos, terá só um rival no segundo turno do mês de novembro. Luis Lacalle Pou é a figura surpresa neste ano eleitoral: com 41 anos é o candidato mais jovem em disputar a Presidência, só tem experiência como deputado, é filho do ex-presidente Luis Lacalle (1990-1995) e iniciou a campanha com 7% das intenções dos votos.
“Não é tirar a Frente Ampla, não é ter ou não ter as maiorias. Isso se trata de chegar até o governo. Os resultados não são os que eu tinha desejado, mas a possibilidade de ser governo fica intata”, disse Lacalle Pou no domingo à noite.
Mas, depois de mais de dez anos de crescimento econômico, os programas dos candidatos não refletem diferenças importantes. As discrepâncias na economia giram em torno da inflação (8,36% no mês de setembro) e o déficit fiscal (3,3% do PIB no mês de agosto). O Partido Nacional, mais liberal, propõe recortar gastos e tirar impostos, enquanto a Frente Ampla assegura que não é possível dessa forma manter programas sociais e propõe acrescentar tributações ao capital e as exportações. Também há diferenças na educação e a segurança. Os dois partidos, no entanto, querem explorar possibilidades fora do Mercosul.

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