terça-feira, 17 de março de 2015

GLOBOGOLPE




Por: Fernando Brito

Há, entre os jornalistas, um ditado para que aprendamos a perder a vaidade de vermos nosso texto impresso, nosso nome publicado no papel: “o jornal de hoje embrulha o peixe de amanhã”, coisa do tempo em que haviam peixarias e as pobres corvinas, pescadas e anchovas eram envoltas em discursos de políticos, crimes bárbaros ou partidas de futebol da véspera.

Os fatos passam, as manchetes perdem o sentido, os personagens desbotam sua importância, como o tempo a tudo descolore.
Há, porém, uma exceção: a história.
Volta e meia ela se repete, disse há século e meio um barbudo alemão – que alguns neuróticos acham ter renascido em Garanhuns e querem pôr em cana – que como farsa, depois de terem sido tragédias.
A imagem que posto, que o pessoal do Política no Face espalhou nas redes sociais com as capas, quase iguais, das edições de O Globo de hoje e de pouco antes do Golpe de 1964 é um destes casos.
Meio século depois, é inescondível o sentido desta semelhança.
Jango, como Dilma, tinha ainda o frescor da legitimidade eleitoral, embora já se aproximando do último ano de seu mandato, porque havia sido, um ano antes, restituído de seus poderes pelo plebiscito de janeiro de 1963, que venceu com incríveis 82% dos votos.
Um ano depois, estava, pela imprensa dominante – jornais e rádios, bem como pela nascente televisão – transformado em alguém frágil, que se dedicava a um projeto de “república sindicalista”, uma versão pré-história deste bolivarianismo que repetem, sem saber o que é, tanto quando não sabiam – e ninguém nunca soube – o que seria a tal república dos sindicatos.
Soubemos bem, porém, o que veio depois que São Paulo pôs-se “de pé pela democracia”.
A ditadura. As cassações, as perseguições, as mortes, os livros queimados, as pessoas caladas.
Ruas desertas e o único humor que se fazia era o de não se achar nada, pois dizia-se que “o último que achou, ainda não acharam”.
Os jornais de hoje, tomara, só embrulhem o peixe de amanhã.
Mas já embrulham o estômago de uma geração que cresceu sob a sombra, sob o medo e que, de prêmio, só ganhou o direito de ser eternamente prisioneira do sentimento de liberdade e de democracia.
A intervenção militar “provisória” durou de meus cinco anos até os 32, até que, num dia 1989, não pude votar para Presidente, porque dei este maravilhoso direito a minha filha, uma menina de nove anos, para que ela marcasse um xis na folha de papel.
As duas capas de O Globo são, espero eu, antes farsa que tragédia.

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