sábado, 26 de setembro de 2015

Explorando o vácuo deixado pelo PT com os jovens, anarquistas florescem e incluem vertente dos anarcoexpropriadores


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Foto Rodrigo Guima/Dar (à esquerda); de costas, Lucas Bruno, do Coletivo Dona Maria, foto da autora


por Sylvia Albuquerque

Morador do Grajaú, periferia da zona sul de São Paulo, o jovem Lucas Bruno integra o coletivo Dona Maria Antifascista.
Aos 22 anos, ele ajuda a compor a cena paulistana dos movimentos anarquistas – que já existiam antes das jornadas de protestos de junho de 2013 ou foram criados após os atos que levaram milhares às ruas do Brasil.
Muitos deles floresceram à sombra do desengajamento do PT com os jovens desde que o partido ascendeu ao poder em 2002 e tornou-se um partido do status quo.
Atualmente, esses grupos vivem o que alguns qualificam como “a revolução dentro da revolução”, em razão da oxigenação das propostas.
Os coletivos conciliam a defesa das tradicionais lutas dos trabalhadores — aumento salarial e melhores condições de trabalho — com as necessidades ligadas ao cotidiano da população, como transporte público, moradia, questões de gênero, homossexualidade e legalização das drogas.
Levantamentos não oficiais realizados por ONGs indicam a existência de cerca de 280 grupos com proposta anarquista em São Paulo e região metropolitana.
A militância, no entanto, é muito distinta entre si.
A.V., de 19 anos, aceitou falar com a reportagem com a condição de não ser identificada.
Ela integra grupos anarquistas que utilizam a tática black block. Comparece a eventos organizados por outros coletivos, como o MPL (Movimento Passe Livre), para realizar ações de depredação de bancos, lojas com itens de luxo e contra a polícia.
Estudante de Filosofia da USP (Universidade de São Paulo), ela afirma que só as ações de base não são suficientes como forma de manifestação contra o Estado.
“Temos por prática cometer alguns furtos, destruir agências bancárias e atacar tudo o que possa representar o capitalismo que gere nossas vidas com o apoio do Estado. Faço parte da vertente dos anarcoexpropriadores e estou presente em encontros organizados por outros movimentos. Nossas ações cresceram muito após as jornadas de 2013”, afirma.
A universitária nunca foi detida, mas afirma que alguns de seus colegas respondem a processos por destruição de patrimônio público. “A mídia só sabe dizer que somos vândalos, bandidos e criminosos. Mas o que fazemos é uma forma de repúdio, um protesto contra a violência policial praticada no estado de São Paulo, um protesto contra um o governo que tem permitido lucros cada vez mais altos aos bancos, enquanto o povo passa fome”.
Para quem mora na periferia, como Lucas Bruno, o anarquismo chega por meio de outros movimentos, fora das estruturas criadas nas universidades. Dessa maneira, o trabalho de construção de base é mais lento.
“O anarquismo sempre foi e continua sendo periférico. A nossa dificuldade, de quem mora nas favelas, é conhecê-lo, ter acesso a sua literatura, por isso eu sempre digo que o punk é a forma divertida de entrar no anarquismo. Você é atraído pela música, pelo estilo e depois consegue avançar mais. Eu me tornei punk aos 16 anos, andava de skate aqui no Grajaú, e só anos mais tarde fui saber o que era anarquismo e entrar em uma biblioteca para pesquisar sobre ele ”, relata o jovem.
O coletivo Dona Maria foi criado há pouco mais de um ano por cinco jovens que fazem oficinas de circo e outras atividades no Grajaú.
O ator Rafael Presto integra o Dar – Desentorpecendo a Razão, organizador da marcha da maconha em São Paulo. Ele afirma que dez pessoas coordenam as atividades do grupo, mas que em dias de marcha conseguem reunir cerca de 20 mil, como ocorreu este ano.
“As redes sociais têm nos ajudado a difundir nossos propósitos, por isso investimos nessa forma de comunicação. Nos consideramos anarquistas e autônomos, mas nos unimos com outros movimentos e queremos criar uma rede em que um possa apoiar o outro, mesmo que as militâncias sejam diferentes. Somos jovens e temos o papel de dar a cara para bater”, diz.
A ação horizontal, ou seja, sem hierarquia definida entre “líderes” e “comandados”, é uma das características do anarquismo. Esse jeito de se organizar atrai os jovens, pelo caráter democrático, por desafiar as instituições vistas como fossilizadas e conservadores e por replicar algo com o qual eles estão acostumados, ao experimentar a vida na internet: ação em rede.
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A Federação Anarquista Gaúcha é uma das mais antigas do Brasil; autora deste artigo, Sylvia Albuquerque monitora os movimentos sociais
De onde vem e para onde vai o anarquismo
O anarquismo surgiu como uma corrente libertária do movimento socialista internacional de trabalhadores.
Essa ideia teve seu auge no Brasil nas primeiras décadas do século XX com grandes greves gerais com participação dos recém-chegados imigrantes europeus, que trouxeram suas ideias principalmente da Itália.
Foi o momento de maior força do anarquismo no país, com a promoção de um sindicalismo revolucionário que marcou sua atividade no período.
Poucos brasileiros sabem: o movimento sindical deve muito aos anarquistas, que combateram corajosamente a exploração da mão-de-obra que acompanhou a industrialização do Brasil.
Depois dos anos 30, mesmo existente, o movimento ficou enfraquecido. O governo de Getúlio Vargas, com suas concessões aos trabalhadores, promoveu um sindicalismo atrelado ao Estado e anti-revolucionário.
Implantada em 1964, a ditadura militar abalou ainda mais o movimento, que só voltou a ganhar fôlego nos anos 80.
Essa retomada foi iniciada pelo jornal baiano Inimigo do Rei, e culminou com a reabertura do Centro de Cultura Social (fechado pelos militares após o decreto do AI-5, em 1968) em São Paulo e a fundação do Círculo de Estudos Libertários, no Rio de Janeiro.
Militante anarquista e membro do Instituto de Teoria e História Anarquista, Felipe Corrêa diz que essa “retomada” nos anos 80 caracterizou uma fase de crescimento que, entre os fins dos anos 90 e início dos 2000, contou com a formação de distintas correntes no país. Esses grupos, ao mesmo tempo que resgataram o anarquismo “clássico”, incorporaram outras vertentes, de acordo com os novos tempos.
Ao falar da CAB (Coordenação Anarquista Brasileira), Corrêa aponta: “Essa coordenação nacional foi fundada em 2012, fruto de praticamente 10 anos de articulação. São nove organizações estaduais e outras em processo de coordenação com trabalho de base em sindicatos, movimentos de bairro, rurais, estudantis e outros. Há também trabalhos de propaganda, publicações e educação popular. Hoje, o anarquismo em geral, tem aproximado muitos jovens, que chegam com novas demandas, muitos deles sem conhecer a história. São contribuições legítimas que vão se organizando na medida do possível.”
Anarquista há 40 anos, o historiador e professor Eduardo Valadares, diz que as agrupações anarquistas conseguiram recuperar a proposta de liberdade e autonomia em um momento de conservadorismo da política brasileira, dominada pelo discurso da direita.
“Vivemos uma época em que estão confundindo ser de esquerda com dar apoio ao PT. Logo, apoiam a direita para ser antigoverno. Os anarquistas têm tentado lutar contra esse discurso conservador e golpista, atuando como proposta de uma verdadeira esquerda anticapitalista. Por mais que os grupos apresentem propostas plurais, estão conseguindo avançar, mesmo de maneira lenta. E isso é fundamental”, diz o historiador.
Para Valadares, as pessoas se identificam cada vez menos com a estrutura partidária. “Os partidos chegaram a uma exaustão em suas atuações verticais [hierárquicas] e o anarquismo é uma resposta quase que óbvia para esse momento. Ele propõe a quebra dessa lógica [se se organizar a partir] de partido e de governo”. 

Fonte:Viomundo

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