Por Mariana Clini Diana
O dia 23 de março de 2016 foi a data estipulada para que a Colômbia
deixe de ser um país em conflito. Não se sabe se depois de assinar um
acordo com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), o
cenário de violência será melhor ou pior, mas mostra que o país quer
deixar de ser notícia pelos seus mortos e começar um capítulo de dias
melhores.
A cerimônia desta quarta-feira (23/09), onde foi anunciado o prazo
para finalizar os diálogos de paz, foi histórica pelo fim do conflito,
mas por também simbolizar que as partes podem se conciliar a ponto de
estabelecer um acordo político. Foi o que demonstrou o aperto de mão
entre o presidente Juan Manuel Santos e o chefe máximo das FARC, Rodrigo
Londoño, conhecido como Timochenko.
Os próximos seis meses decidirão o quão histórico foi este aperto de mão entre o presidente Santos e o líder guerrilheiro Timochenko, sob a mediação de Raúl Castro. (foto: AFP) |
Outra decisão importante – e que também foi alvo de críticas
opositoras – foi a anistia a todos os guerrilheiros e agentes do Estado
que não tenham cometido crimes contra a humanidade. De acordo com as
diretrizes da Corte Penal Internacional, serão punidos aqueles que
tenham cometidos crimes graves que incluem: massacres, exploração
sexual, sequestro, execuções extrajudiciais, recrutamento de menores de
idade, entre outros.
Será criada uma jurisdição especial para a paz, que aplicará penas
baseadas em dois critérios: os que reconheçam a responsabilidade no
crime, e os que não reconheçam. Os que reconheçam suas responsabilidades
perante o tribunal, terão penas de privação de liberdade entre 5 a 8
anos, em instituições especiais. Já os que não reconheçam seus delitos,
poderão ter uma pena de reclusão de no máximo 20 anos em instituição
carcerária comum. “O que falta na Colômbia é, não somente saber mais o
que aconteceu no conflito, senão que também reconhecer o que aconteceu e
lidar com as consequências”, afirmou Sergio Jaramillo, estrategista por
trás da Comissão de Paz criada pelo governo.
Muitas das milhões de vítimas deste conflito concordam com Jaramillo.
Constanza Turbay teve sua família quase que integralmente assassinada
pelas FARC, no ano 2000 em Caquetá. Ela viajou a Cuba em 2014, junto com
outras 11 vítimas do conflito. Depois de 14 anos, ela se encontrou
pessoalmente com Ivan Marques, integrante da Comissão das FARC em
Havana. “A verdade não só dará descanso aos meus (parentes) em suas
tumbas, senão que liberará o Caquetá do nefasto modelo que se apoderou
desta região e que a mantém submergida na corrupção e
subdesenvolvimento”, reconheceu Turbay em carta dirigida ao país sobre o
histórico perdão de Ivan Marques.
A diferença entre entregar e deixar as armas
Além da data estipulada para término do conflito armado, também foi
determinado um prazo para que os guerrilheiros deixem suas armas. Depois
dos seis primeiros meses, se o acordo for confirmado na reunião de
março, eles terão 60 dias para se desarmarem completamente, e esta será a
condição para que as FARC possam se estabelecer como um partido
político legal. Isso significa que, se todos os prazos forem cumpridos,
as FARC poderão participar da política colombiana como um partido
político normal ainda no primeiro semestre de 2016.
Por sua parte, o grupo guerrilheiro, ao se referir ao acordo com o
governo, usou o termo “deixar as armas”, e não entregá-las. A diferença
entre as duas palavras é muito mais simbólica que semântica. Entregar as
armas para o Estado, segundo o grupo guerrilheiro, significaria um ato
de submissão, e também geraria desconfiança com relação ao cumprimento
do acordo por parte do governo.
Como forma de se resguardarem, as FARC estão estudando mecanismos
para deixar as armas sem ter que necessariamente entregar ao Estado,
condição que inicialmente foi aceita pelos delegados do governo em
Havana. Entre as propostas que estão sendo discutidas, uma delas é que
os dois países que atuaram como mediadores do diálogo (Cuba e Noruega)
participem também desse processo, um dos mais delicados para determinar o
sucesso do acordo.
Poder extraordinário a Santos
Depois de três anos de negociações, que passaram por alguns altos e
baixos, o governo colombiano e o maior e mais antigo grupo guerrilheiro
da América Latina chegaram a um ponto em comum. Mas os resultados
anunciados esta semana são apenas o primeiro passo do chamado
pós-conflito. A discussão posterior se centrará na reforma
constitucional que o governo colombiano deverá fazer para implementar o
que foi discutido em Havana.
Para colocar as medidas em prática, o governo deverá aplicar uma
estratégia para validar em terras colombianas os acordos feitos em
Havana, já que para aprovar uma lei, se exige certo tempo hábil. Uma vez
que todos os passos programados para os próximos seis meses sejam
concretizados, o governo e a cidadania terão que esperar até que sejam
aprovadas todas as leis para efetivar os demais acordos, o que poderia
tardar anos, e a paciência dos colombianos talvez não chegue a tanto,
muito menos a da oposição política.
Para agilizar a aprovação de leis já elaboradas – que incluem:
participação política, reforma agrária, nova legislação com relação ao
narcotráfico e justiça transicional – será criada uma comissão
legislativa para a paz. Os integrantes serão responsáveis por tramitar
os projetos de reforma constitucional e os projetos de lei para
implementar os pactos com as FARC. Também serão outorgadas faculdades
extraordinárias do presidente Santos, para expedir os decretos
necessários para efetuar essas leis.
Mesmo com estes anúncios, que significam um grande avanço, ainda
resta saber como serão investigados os crimes e se o delito de
narcotráfico será anistiado ou considerado crime comum. Também não ficou
claro se existe a possibilidade de que os ex-combatentes sejam
extraditados aos Estados Unidos, e como será feito este julgamento.
Ainda restam muitas dúvidas – e certamente surgirão muitas outras
críticas quando os acordos forem colocados em prática. Porém, Santos e
Timochenko coincidem em uma coisa: já não há mais volta atrás.
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