quinta-feira, 10 de março de 2011

O SANGUE DOS LIBIOS: AS DUAS FACES DO IMPÉRIO

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Kadafi: jovem oficial
 Por Fidel Castro

Quando Kadafi, coronel do exército líbio, inspirado em seu colega egípcio Abdel Nasser, derrubou o rei Idris I em 1969, com somente 27 anos de idade, aplicou medidas revolucionárias, como a reforma agrária e a nacionalização do petróleo. 
As maiores receitas foram dedicadas ao desenvolvimento econômico e social, particularmente aos serviços educacionais e de saúde da reduzida população líbia, situada em um imenso território desértico e com pouquíssima terra cultivável.

http://graphics8.nytimes.com/images/2008/02/19/world/22071570.JPGSob aquele deserto existia um extenso e profundo mar de águas fósseis. Tive a impressão, quando conheci uma área experimental de cultivos, que aquelas águas, em um futuro, seriam mais valiosas que o petróleo.

A fé religiosa, pregada com o fervor que caracteriza os povos muçulmanos, ajudava em parte a compensar a forte tendência tribal que todavia subsiste nesse país árabe.

Os revolucionários líbios elaboraram e aplicaram suas próprias ideias em relação às instituições legais e políticas, que Cuba, como norma, respeitou.

Nos abstivemos por completo de emitir opiniões sobre as concepções da direção líbia.

Vemos com clareza que a preocupação fundamental dos Estados Unidos e da OTAN não é a Líbia, mas sim a onda revolucionária desatada no mundo árabe que desejam impedir a qualquer preço.

É um fato irrefutável que as relações entre Estados Unidos e seus aliados da OTAN com a Líbia, nos últimos anos, eram excelentes, antes que surgisse a rebelião no Egito e na Tunísia.

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Kadafi com Barack: até há pouco tempo atrás, juras de amigos para sempre...

Nos encontros de alto nível entre a Líbia e os dirigentes da OTAN, nenhum deles tinha problemas com Kadafi. O país era fonte segura de abastecimento de petróleo de alta qualidade, gás e, inclusive, potássio. Os problemas surgidos entre eles durante as primeiras décadas haviam sido superados.


Foram abertos ao investimentos estrangeiros setores estratégicos, como a produção e a distribuição de petróleo.
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Gordon: o Reino Unido esta contigo, Kadafi...

A privatização alcançou muitas empresas públicas. O Fundo Monetário Internacional exerceu seu papel "bem-aventurado" na instrumentalização de tais operações.
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Socrates:Portugal esta contigo, Kadafi
Naturalmente, Aznar se desfez em elogios a Kadafi, assim como Blair, Berlusconi, Sarkozy, Zapatero e até o meu amigo, o rei da Espanha, desfilaram diante do zombeteiro olhar do líder líbio. Estavam felizes.
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Berlusconi: A Italia esta contigo, Kadafi...
Ainda que pareça que estou zombando, não é assim; me pergunto simplesmente por que querem agora invadir a Líbia e levar Kadafi ao Tribunal Penal Internacional em Haia.
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Sarkosy: a França esta contigo, Kadafi...
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Acusam-no durante as 24 horas do dia de disparar contra cidadãos desarmados que protestavam. Por que não explicam ao mundo que as armas e, sobretudo, os equipamentos sofisticados de repressão que a Líbia possui foram fornecidos pelos Estados Unidos, Reino Unido e outros ilustres anfitriões de Kadafi?
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Zapateiro: a Espanha esta contigo, Kadafi...
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Oponho-me ao cinismo e às mentiras com que agora se quer justificar a invasão e ocupação da Líbia.

A última vez que visitei Kadafi foi em maio de 2001, 15 anos depois que Reagan atacou sua residência bastante modesta, onde me levou para ver como tinha ficado. Recebeu um impacto direto da aviação e estava consideravelmente destruída; sua pequena filha de três anos morreu no ataque: foi assassinada por Ronald Reagan. Não houve acordo prévio da OTAN, do Conselho dos Direitos Humanos nem do Conselho de Segurança.

A revolução no mundo árabe, que tanto temem os Estados Unidos e a OTAN, é a dos que, carentes de todos os direitos, diante dos que ostentam todos os privilégios, chamada portanto a ser mais profunda que a que em 1789 se desatou na Europa com a tomada da Bastilha.
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Rei Luis XV

Sequer Luís XIV, quando proclamou que o Estado era ele, possuía os privilégios do rei Abdulá da Arábia Saudita e muito menos a imensa riqueza que jaz sob a superfície do quase desértico país, onde as transnacionais ianques determinam a extração e, portanto, o preço do petróleo no mundo.


A partir da crise na Líbia, a extração na Arábia Saudita aumentou em um milhão de barris diários, a um custo mínimo e, consequentemente, só por esse único fato os lucros desse país e de quem o controla aumentaram bilhões de dólares por dia.
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Abduláh com Barack Obama: o rei é o petróleo...
Que ninguém imagine, entretanto, que o povo saudita nada em dinheiro. São comovedores os relatos das condições de vida de muitos trabalhadores da construção civil e outros setores, que se veem obrigados a trabalhar 13 a 14 horas por dia com salários miseráveis.
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Angela: a Alemanha esta com o rei...

Assustados pela onda revolucionária que sacode o sistema de pilhagem que ali prevalece, depois do que ocorreu com os trabalhadores do Egito e da Tunísia, e também com os jovens desempregados na Jordânia, os territórios ocupados da Palestina, Iêmen e inclusive o Barein e os Emirados Árabes, que têm rendas mais elevadas, a alta hierarquia saudita está sob o impacto dos acontecimentos.

Diferentemente de outros tempos, hoje os povos árabes recebem informação quase instantânea dos acontecimentos, embora sejam extremamente manipuladas.

O pior para o status quo dos setores privilegiados é que os teimosos fatos coincidem com o considerável aumento dos preços dos alimentos e o impacto demolidor das mudanças climáticas, enquanto os Estados Unidos, o maior produtor de milho do mundo, gastam 40% desse produto subsidiado e uma parte importante da soja para produzir biocombustível para alimentar os automóveis. Com certeza, Lester Brown, o ecologista mais bem informado do mundo sobre produtos agrícolas, poderá nos oferecer uma ideia da atual situação alimentar.

O presidente bolivariano, Hugo Chávez, realiza um esforço tenaz à procura de uma solução sem a intervenção da OTAN na Líbia. Suas possibilidades de alcançar o objetivo serão maiores se conseguir a proeza de criar um amplo movimento de opinião antes, e não depois, que aconteça uma intervenção, e os povos não vejam repetir-se em outros países a atroz experiência do Iraque.

*Artigo publicado originalmente no site cubano CubaDebate.

 

Quando a gente disse ditador não era para ofender, coronel...

Ferreira Fernandes escreveu no Diário de Notícias (Portugal)

"E se a Líbia der para o torto, isto é, se a Líbia não der para o torto? Sim, e se a notícia da morte política de Kadhafi foi manifestamente exagerada? Ontem, o site do francês Le Monde titulava: "Os rebeldes perdem terreno, a comunidade internacional hesita." Recapitulemos. O coronel Kadhafi atirava aviões abaixo e por isso fez a sua travessia do deserto. Depois, amainou e voltou a ser recebido em sociedade, à custa também da quotização alta que pagava com os proventos do petróleo. O pestífero transformou-se em parceiro, viragem justificada pelas normas internacionais que mandam tratar com Estados e não com regimes. Mais eis que, há dias, depois do tunisino Ben Ali e o egípcio Mubarak caírem, a rua líbia também se pôs a mexer, o que indiciava a iminência da queda de Kadhafi. Aí, o mundo: "Ditador!", como se ele já tivesse sido outra coisa. Obama exigiu-lhe a demissão, Cameron e Sarkozy, também, Portugal, no Conselho de Segurança, presidiu à comissão de sanções, a Suíça congelou-lhe as contas... - todos, ainda há pouco, ex-parceiros. Enfim, deram-no por liquidado. Só Berlusconi se manteve discreto (pudera, Kadhafi é dono de meia bota!) O problema é que há ruas árabes concorridas (em Tunes e Cairo, por exemplo) e outras desérticas (Tripoli), onde o exército se safa melhor. Kadhafi fica? Não fica? Se calhar é melhor começar a treinar isto: "Quando a gente disse ditador não era para ofender, coronel..."
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