domingo, 24 de abril de 2011

O QUE NÃO APRENDEMOS COM AS TULIPAS 

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Até pouco tempo atrás a pequena Islândia era conhecida apenas por ser a terra natal da cantora pop Björk e da indústria pesqueira. Poucos sabiam do mergulho profundo que, nos últimos anos, o país tinha dado na globalização financeira,  desregulamentando tudo para atrair investimentos externos. 

A Islândia, com apenas 311 mil habitantes, virou o paraíso nórdico dos especuladores financeiros e era muito elogiada por agências de classificação por sua investment-friendly atmosphere. Britânicos e holandeses investiram cerca de US$ 5,3 bilhões no fundo Icesave, gerido pelo banco islandês Ladsbanki; em 2008 o banco quebrou, deixando os investidores na mão. O Reino Unido e Holanda simplesmente fizeram o que prescrevia o receituário neoliberal: reembolsaram seus investidores e mandaram a conta para a Islândia. O país que se virasse, apertasse os cintos e mergulhasse na recessão para pagar a dívida dos especu..., perdão, dos investidores. Mas os islandeses disseram não; por meio de um plebiscito, 60% rejeitaram arcar com o ônus, adotando o que o "mercado" classifica de "calote". 


Islandeses protestam na capital, Reikjavik
 Foi o primeiro país a contestar a fórmula tradicional consagrada pelos arautos do mercado financeiro para sair da crise: acionar o Estado para salvar os bancos e impor planos recessivos para recuperar a credibilidade do país. O roteiro é conhecido: para garantir empréstimos de emergência e rolar a dívida, assegurando os bônus e lucros dos especuladores, os governos devem impor aos seus cidadãos "planos de austeridade" que implicam em altas taxas de desemprego e corte de benefícios sociais. Foi o que aconteceu na Grécia e é a solução que está sendo vendida a Irlanda e Portugal, os países mais afetados pela crise.

Segundo o conselheiro econômico do governo da Islândia, Michael Hudson, da Universidade de Missouri, o país nórdico se inspirou no exemplo da Argentina (quem diria?), que em 2002 deu um calote na sua dívida externa para depois reestruturá-la em termos bem mais favoráveis aos interesses nacionais, não ao dos credores. "Ninguém debateu se os pagadores de impostos devem resgatar instituições financeiras", escreveu a eurodeputada francesa Eva Joly no jornal britânico The Guardian. "Espero que o espírito de luta dos holandeses se espalhe". Esperamos todos (menos os credores e os ideólogos do Consenso de Washington, claro...).

Até especialistas financeiros estão convencidos de que não há outra saída senão reestruturar o perfil da dívida. Em outras palavras, calote, mesmo que parcial. Como escreveu o jornalista Clóvis Rossi, "a Grécia, um ano depois de ter recebido ajuda (110 bilhões de euros, o que está longe de ser pouco dinheiro), continua patinando economicamente e continua pagando juros insuportáveis (23% na quinta-feira, mais que o dobro dos 10,2% que pagou antes de ser socorrida). Quer dizer o seguinte: os europeus deram aos gregos [...] uma pilha de dinheiro para que os mercados estivessem avisados de que havia butim a ser colhido, o que, em tese, deveria levar a que reduzissem os juros (ah, as esperanças no livre mercado, acrescento eu...). Mas, tanto quanto o economista-chefe do Deustsche Bank, todos os demais credores sabiam que a Grécia não conseguiria conviver com um programa de austeridade violento, que minava suas já reduzidas chances de crescimento, e, ao mesmo tempo, pagar toda a dívida. Então, cobram antecipadamente a perda que terão com o calote que julgam inevitável".

Crises começaram com as tulipas, no sécul XVII
Crises especulativas ocorrem desde a infância do capitalismo e são periódicas. A primeira delas foi no século XVII, na Holanda, quando um simples bulbo de tulipa chegou a valer o equivalente a 24 toneladas de trigo. Foi uma corrida desenfreada até a quebradeira geral. Mas os países, como lembrou o economista canadense John Kenneth Gailbraith, têm uma peculiar capacidade de se esquecer dessas crises - e de não aprender nada com elas. "A História é a soma das coisas que poderiam ter sido evitadas", dizia o ex-chanceler alemão Konrad Adenauer. 


Crack da Bolsa de Nova York, 1929


Há cem anos, viveu-se a primeira globalização econômica, que produziu tantas ilusões sobre o crescimento acelarado quanto sobre a inevitabilidade da "paz perpétua". Na sequência, veio a carnificina de 1914-1918 e a uma gravíssima crise econômica, social e política, que desembocou no Armaggedom de 1929, com o crack da Bolsa de Nova York. O mundo mergulhou nas sombras da Grande Depressão, dos totalitarismos e da Segunda Guerra Mundial. Só depois dessa tragédia de proporções bíblicas os líderes do mundo capitalista aprenderam alguma coisa e colocaram freios na especulação.


Foram os "30 gloriosos anos" do Welfare State (Estado de Bem-Estar Social), quando o capital especulativo foi controlado com rédea curta. Mas o modelo se esgotou e logo começou a se falar na necessidade de abrir a economia "às forças do mercado". Desde 1979, a desregulamentação virou regra e, com ela, novamente, a crença numa era de crescimento econômico único e de altos ganhos de produtividade. "A inevitável dinâmica da competição e integração econômica tornou-se a ilusão da nossa era [ela...] exclui implicitamente a política enquanto palco de escolhas", diz o historiador Tony Judt, recentemente falecido. É como se as opções de política econômica fossem determinadas pela natureza.

Esse consenso foi novamente abalado com a crise de 2008, quando foi a vez de o Muro de Wall Street vir abaixo. Em toda parte, o laissez-faire foi deixado de lado e o Estado convocado a socorrer os bancos e a restaurar as condições para a volta do funcionamento do cassino financeiro. Às custas dos cidadãos, claro. Se isso não mudar e o exemplo da Islândia não prosperar, as consequências poderão ser catastróficas. A crise não dá sinais de arrefecer na Europa e nos EUA, ao mesmo tempo em que os partidos xenófobos, neofascistas e o Tea Party estão à espreita.
E o pior, não há um Keynes ou um Roosevelt no horizonte. 

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