Envolto em uma série de debates e polêmicas, o leilão do campo de
Libra — a maior reserva de petróleo já encontrada no Brasil — pode não
ocorrer no clima de tranquilidade e celebração que o governo gostaria.
De um lado, trabalhadores da indústria do petróleo cruzaram os braços
na última quinta-feira pedindo a suspensão do leilão, invadiram o
Ministério de Minas e Energia, pararam 15 plataformas e agora ameaçam
realizar novas manifestações nesta segunda-feira, quando deve ser
anunciado o resultado da disputa por Libra.
Do outro, movimentos sociais, apoiados por esses mesmos sindicatos,
ex-diretores da Petrobras e alguns acadêmicos tentam barrar o leilão na
Justiça, defendendo que ele promoverá “a privatização” de uma das
maiores riquezas do país.
No outro extremo do espectro ideológico, alguns analistas e
consultores de negócios já defendem a revisão do novo marco regulatório
do setor para futuros leilões do pré-sal, argumentando que o atual marco
pecaria por excesso de intervencionismo do Estado e de incertezas para
os investidores.
Em uma tentativa de evitar tumulto, o governo decidiu convocar o
Exército e a Força Nacional de Segurança para o evento em que será
anunciado o resultado da disputa, no Windsor Barra Hotel, na Barra da
Tijuca.
A presidenta Dilma Rousseff não deve comparecer ao local e a Agência
Nacional do Petróleo (ANP) anunciou que fará plantões para impedir que
recursos judiciais bloqueiem o leilão.
Um dos defensores da suspensão do leilão, o ex-diretor da Petrobras
Ildo Sauer, diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade
de São Paulo (USP), disse à BBC Brasil: “Estamos tentando barrar essa
atrocidade na Justiça apontando irregularidades em seu edital”.
“O governo está entregando para empresas estrangeiras uma riqueza
preciosa que pertence ao povo brasileiro e que deveria ser integralmente
usada para financiar a saúde, a educação e a melhoria de vida da
população.”
O campo de Libra está localizado na Bacia de Santos e é a maior das
reservas do pré-sal, contendo o equivalente a dois terços das atuais
reservas brasileiras.
Será o primeiro campo a ser leiloado sob o chamado “regime de
produção compartilhada”, aprovado em 2010, que garante à Petrobras um
mínimo de 30% em todos os projetos de exploração.
São os outros 70% que estão sendo disputados por 11 empresas: além da
própria Petrobras (que pode aumentar sua participação), as chinesas
CNOOC e CNPC, a colombiana Ecopetrol, a japonesa Mitsui, a indiana ONGC
Videsh, a portuguesa Petrogal, a malaia Petronas, a hispano-chinesa
Repsol/Sinopec, a anglo-holandesa Shell e francesa Total.
A promessa do governo é que a exploração de Libra, e do pré-sal em
geral, seja uma espécie de divisor de águas na economia brasileira.
De acordo com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o projeto traria
para o setor um total de 180 bilhões de dólares (388 bilhões de reais)
em investimentos nos próximos 35 anos. Dilma espera em uma arrecadação
de até 700 bilhões de reais no mesmo período.
“Esses recursos são nosso passaporte para o futuro”, disse Dilma, há
algumas semanas, ressaltando que boa parte do dinheiro deve ser
investido em educação.
As regras do leilão também incluem exigências de que o consórcio
vencedor adquira no mercado doméstico um percentual mínimo de bens e
serviços usados na operação.
Segundo a diretora da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Magda
Chambriard, isso ajudaria a ativar segmentos da indústria e do setor de
serviços de alto valor agregado, contribuindo para uma “mudança
estrutural” na economia.
Mas nem todos são convencidos por tais promessas.
A licitação tem sido temas de grandes debates e polêmicas, com seus críticos se dividindo em dois grupos.
O primeiro inclui alguns movimentos sociais, sindicatos,
especialistas, acadêmicos e alguns políticos que criticam a própria
realização do leilão por considerar que seria um erro dividir com
empresas estrangeiras os retornos de uma reserva considerada tão
valiosa.
Sauer, o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa e o ex-presidente da
Petrobras, Sérgio Gabrielli, fariam parte do grupo para o qual o leilão
seria um erro.
Os senadores Pedro Simon (PMDB-RS), Randolfe Rodrigues (PSol-AP) e
Roberto Requião (PMDB-PR) também. No mês passado, eles apresentaram um
projeto de decreto no Senado para cancelar o leilão.
“Esses recursos petrolíferos poderiam muito bem ser explorados pela
Petrobras sozinha em um horizonte de médio prazo. A empresa tem
tecnologia suficiente para isso e só precisa de financiamento – o que
pode ser conseguido com bancos”, diz Sauer.
“Além disso, não podemos ignorar que, do ponto de vista
geopolítico/estratégico, nossos interesses são distintos dos chineses,
por exemplo: eles podem querer aumentar a produção global de petróleo
para diminuir o preço do barril, enquanto nós poderíamos lucrar com uma
política de controle da produção para manutenção dos preços em um
patamar mais elevado”, acredita o professor.
No segundo grupo de críticos estão analistas de mercado, consultores e
especialistas que veem um problema oposto no modelo de exploração que
será inaugurado com esse leilão – ou seja, um excesso de intervenção do
Estado.
Muitos questionam a capacidade administrativa, tecnológica e
financeira da Petrobras de fazer os investimentos que lhe serão exigidos
pelo fato de ela participar em todos os projetos.
Outros questionam a capacidade da indústria nacional fornecer, no
curto prazo, os bens e serviços especializados que garantiriam o
cumprimento dos requerimentos de conteúdo nacional nas operações do
campo.
Estariam nesse grupo crítico figuras como o ex-diretor-geral da ANP,
David Zylberstajn, e o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura
(CBIE), Adriano Pires.
“A impressão que se tem é que o governo está estendendo a mão para o
capital privado não por convicção, mas por pura necessidade, já que não
pode explorar essas reservas sozinho e precisa dos investimentos das
empresas para reativar a economia”, disse Pires em entrevista recente a
BBC.
Tais críticos lembram que o número de empresas estrangeiras
interessadas na disputa acabou sendo quase quatro vezes menor que o
esperado pelo governo e acabaram ficando de fora do leilão gigantes do
setor como as britânicas British Petroleum e British Gás e a americana
ExxonMobil. E das 11 empresas que se registraram para o leilão, seis são
estatais.
“Há preocupação das empresas privadas sobre a interferência do
governo no novo modelo de exploração e a falta de flexibilidade
operacional dos projetos – e o problema é que ao Brasil interessaria que
os leilões atraíssem um número grande de companhias e fossem bastante
competitivos”, diz Carlos Assis, sócio-líder da área e Mineração e
Energia da consultoria EY.
Ele explica que, pelo novo marco regulatório, a Petrobras não só tem 30% dos projetos como ainda será sua operadora.
Além disso, as decisões estratégicas deverão passar pelo crivo da
recém-criada estatal do pré-sal, a PPSA – o que transformaria as
companhias estrangeiras em “pouco mais que financiadoras” dos projetos
de exploração em Libra, na opinião de Assis.
“Para atrair mais empresas – algo que certamente interessaria para o
país – esse marco precisa ser aprimorado para futuros leilões”, diz ele.
BBC Brasil.
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