quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

WESTFÁLIA OU A RAZÃO DE ESTADO

Representantes de Estados Europeus na assinatura dos Tratados de Westfália, em outubro de 1648

A CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS-NAÇÕES (*)

No dia 24 de outubro de 1648 foram assinados dois importantes acordos internacionais que, juntos, selaram a Paz de Westfália, colocando fim à Guerra dos Trinta Anos, que devastou a Europa, principalmente os Estados germânicos. Além de alterarem a geopolítica e o equilíbrio de poder no continente, eles também serviram de base para os modelos modernos de Estados-nações e de soberania estatal.

Esses modelos vigoraram praticamente até depois da Segunda Guerra Mundial, embora os EUA tivessem dificuldade para lidar com eles, como mostra a política externa idealista de Woodrow Wilson de tentar ignorar as duras realidades geopolíticas. Isso mudaria depois da guerra, com a eclosão da bipolaridade EUA-URSS; episódios da Guerra Fria ilustram como funcionava o princípio de “equilíbrio de poder” e de “esferas de influência”, traduzidos na máxima “não-intervenção em assuntos internos”. 
Estátua de Stálin derrubada em Budapeste em 1956 
A repressão em Berlim oriental (1953) e as invasões da Hungria (1956) e da Tchecoslováquia (1968) pelas tropas do Pacto de Varsóvia não tiveram senão protestos formais do Ocidente, assim como a violenta repressão contra a insurreição comunista na Grécia (1949), os golpes no Irã (1953), na Guatemala (1954) e em vários países da América Latina nos anos 1960 e 1970 foram recebidos com calculada naturalidade por Moscou e Pequim.     

A Guerra de Trinta Anos, que cobriu os Estados germânicos de sangue, consistiu numa série de batalhas travadas entre nações europeias por várias razões, desencadeada inicialmente em 1618 em decorrência da tentativa do rei da Boêmia, Ferdinando II – futuro imperador do Sacro Império Romano-Germânico –, de impor o catolicismo sobre seus domínios. Nobres protestantes se rebelaram e, por volta de 1630, a maior parte da Europa continental estava em guerra. 

O cardeal Richilieu, que forjou o conceito de raison d'état 
Foi nesse contexto de “guerra religiosa” que surgiu o conceito de raison d’état (razão de Estado), pela qual os interesses de um Estado soberano se sobrepunham a quaisquer outros, inclusive aos da Igreja Católica. Ironicamente, quem elaborou este conceito foi um príncipe da Igreja, o cardeal Richelieu, o todo poderoso primeiro-ministro da França, que não hesitou em se aliar com Estados protestantes para combater a mui católica Espanha dos Habsburgos.   

Como resultado dos tratados de Westfália, a Holanda obteve independência da Espanha, a Suécia ganhou o controle do mar Báltico e a França foi reconhecida como a mais importante potência na Europa Ocidental, sem rivais à altura. O poder do Sacro Império Romano-Germânico e de seu imperador foi esfacelado e os Estados germânicos puderam novamente determinar a religião dentro dos territórios que administravam.

Fac-Símile de um dos tratados
A dinastia dos Habsburgos, que reinava sobre os Estados austríacos, tinha apenas autoridade simbólica na Alemanha, estilhaçada em mais de 350 principados, todos ciosos de sua independência. Os príncipes alemães poderiam concluir alianças com a única condição de que não fossem dirigidas contra o imperador. Todos participavam da Dieta (Assembléia) de Frankfurt e o imperador não podia tomar nenhuma decisão sem a concordância dela, o que reduzia sua autoridade sobre os principados.

A conferência de Westfália teve um caráter revolucionário: foi a primeira vez que se encontravam em torno de uma mesa de negociações os Estados europeus. E também a primeira vez que foram definidas as relações entre os Estados, respeitando-se o princípio de soberania de cada um.

Não se tratava mais, como ocorreu em toda a Idade Média, de uma cristandade ocidental unida em torno de uma fé comum sob a alta autoridade do papado em Roma. Cada monarca passou a ser o chefe dentro de suas fronteiras, inclusive em matéria religiosa.

Os tratados de Westfália foram habilmente negociados pelo chanceler sueco Axel Oxenstierna, que deu sequência às tratativas do rei Gustav Adolf e do cardeal Mazarin, sucessor de Richelieu.

O primeiro dos tratados foi concluído em Osnabrück em 6 de agosto de 1648, entre o imperador do Sacro Império Romano-Germânico, a Suécia e as potências ocidentais, e o segundo em Münster, em 8 de setembro de 1648 entre o imperador germânico e a França.


A Suíça e as Províncias Unidas (atual Holanda), por sua vez, passaram a gozar de plena independência. Os tratados ratificaram igualmente a divisão religiosa da Alemanha instituída um século antes pela Dieta de Augsburgo. Os príncipes poderiam impor a própria confissão aos seus súditos: católica, luterana, calvinista, segundo o princípio: cujus regio, ejus religio (tal soberano, tal religião). Foi a revanche do cesaropapismo.


O papa Inocêncio X se apressou em condenar tal princípio, todavia – sinal dos tempos – nenhum governante deu atenção a sua ordenação.

A França ficou com a posse dos bispados de Metz, Toul e Verdun, assim como da maior parte da Alsácia, com a exceção de Estrasburgo, cidade que futuramente o rei Luís XIV iria anexar.

A Suécia obteve do Sacro Império a região da Pomerânia Ocidental, os bispados de Wismar e Verden, e o bispado de Bremen, excetuada a cidade, que permaneceria independente.
Otto Von Bismarck
A Alemanha, por sua vez, ficou privada de qualquer relevância política na Europa até a chegada do “chanceler de ferro” Otto Von Bismarck, que promoveu a unificação dos Estados Germânicos em 1871.

As belezas naturais e arquitetônicas de Dresden, assim como a obra de Mozart, Bach, Beethoven ou ainda os escritos de Goethe também podem ser consideradas frutos secundários desses acordos.

(*) Com informações do site Operamundi.








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