sexta-feira, 7 de novembro de 2014

A LONGA INDIGESTÂO






Por Luís Fernando Veríssimo

Quando o Brizola se convenceu de que não chegaria à Presidência da República, consolou-se com

uma sentença: a elite brasileira teria que engolir um sapo barbudo em seu lugar. Quem estava vivo e 
consciente na época se lembra do quase pânico provocado pela perspectiva do Lula no poder.

Oitocentos mil empresários fugiriam do país. Ninguém sabia ao certo o destino da sua prataria, nem de 
suas cabeças. A ideia de engolir um sapo, ainda mais um sapo com uma ameaçadora barba cubana, era 
revoltante. Mas, fazer o quê? Lula foi eleito legalmente, o sapo foi deglutido e empossado. 
E o pior não aconteceu. Poucos empresários emigraram e os que ficaram, principalmente do setor 
financeiro, não se arrependeram. E ninguém foi guilhotinado.
É verdade que o PT tratou de tornar-se mais palatável para ser eleito. Prometeu seguir o modelo 
econômico vigente, com alguns ajustes na área social para honrar seu passado e seus compromissos de 
campanha, mas sem fazer loucuras.
E o sapo barbudo desceu pela goela da nação com a suavidade possível. Já a sua digestão foi outra 
coisa. Não se muda de dieta tão radicalmente sem consequências ao menos gástricas. Pela primeira vez 
o Brasil tinha na presidência um ex-operário, vindo das lutas sindicais, que errava a concordância 
verbal mas mobilizava a massa. 
Com todas as suas precavidas concessões ao status historicamente quo, o PT não deixava de 
representar a “classe perigosa”, como a nobreza francesa chamava os pobres antes da Revolução, no 
poder, o que também não ajudava o metabolismo. A resistência do patriciado brasileiro ao PT tem 
várias causas: diferenças ideológicas, interesses contrariados, medo, a própria arrogância do partido no 
governo e suas quedas na corrupção, e — especialmente inadmissíveis — os seus sucessos: 
distribuição de renda, políticas sociais, desemprego baixo etc. Mas o ódio ao PT só se explica como má 
digestão.
Doze anos de indigestão: é compreensível a irritação causada pela eleição de mais quatro anos de PT 
no governo e a continuação da praga do Brizola. Os que se manifestam contra uma suposta fraude no 
pleito apertado e pedem o impeachment dos vencedores estão exercendo o direito de todo perdedor, o 
de espernear. Só achei curioso ver, desfilando numa manifestação na Avenida Paulista, uma faixa que 
pedia a volta dos militares ao poder. 
Teoricamente, não é preciso mais de três pessoas para fazer e carregar uma faixa daquelas: uma para 
pintá-la e duas para segurá-la. Fiquei pensando em quantas pessoas no desfile além das três hipotéticas 
concordavam que outra ditadura militar é preferível ao PT no governo. Talvez ninguém, talvez a 
maioria. Nunca se sabe o efeito da má digestão num organismo.

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