* CRISTOVAM BUARQUE
Há exatos cem anos, saía da vida para a história um dos maiores brasileiros de todos os tempos: o pernambucano Joaquim Nabuco. Político que ousou pensar, intelectual que não se omitiu em agir, pensador e ativista com causa, principal artífice da abolição do regime escravocrata no Brasil. Apesar da vitória conquistada, Joaquim Nabuco reconhecia: “Acabar com a escravidão não basta. É preciso acabar com a obra da escravidão”, como lembrou na semana passada Marcos Vinicios Vilaça, em solenidade na Academia Brasileira de Letras.
Mas a obra da escravidão continua viva, sob a forma da exclusão social: pobres, especialmente negros, sem terra, sem emprego, sem casa, sem água, sem esgoto, muitos ainda sem comida; sobretudo sem acesso à educação de qualidade.
Ainda que não aceitemos vender, aprisionar e condenar seres humanos ao trabalho forçado pela escravidão – mesmo quando o trabalho escravo permanece em diversas partes do território brasileiro –, por falta de qualificação, condenamos milhões ao desemprego ou trabalho humilhante. Em 1888, libertamos 800 mil escravos, jogando-os na miséria. Em 2010, negamos alfabetização a 14 milhões de adultos, negamos Ensino Médio a 2/3 dos jovens. De 1888 até nossos dias, dezenas de milhões morreram adultos sem saber ler.
Cem anos depois da morte de Joaquim Nabuco, a obra da escravidão se mantém e continuamos escravocratas.
Somos escravocratas ao deixarmos que a escola seja tão diferenciada, conforme a renda da família de uma criança, quanto eram diferenciadas as vidas na Casa Grande ou na Senzala. Somos escravocratas porque, até hoje, não fizemos a distribuição do conhecimento: instrumento decisivo para a liberdade nos dias atuais. Somos escravocratas porque todos nós, que estudamos, escrevemos, lemos e obtemos empregos graças aos diplomas, beneficiamo-nos da exclusão dos que não estudaram. Como antes, os brasileiros livres se beneficiavam do trabalho dos escravos.
Somos escravocratas ao jogarmos, sobre os analfabetos, a culpa por não saberem ler, em vez de assumirmos nossa própria culpa pelas decisões tomadas ao longo de décadas. Privilegiamos investimentos econômicos no lugar de escolas e professores. Somos escravocratas, porque construímos universidades para nossos filhos, mas negamos a mesma chance aos jovens que foram deserdados do Ensino Médio completo com qualidade. Somos escravocratas de um novo tipo: a negação da educação é parte da obra deixada pelos séculos de escravidão.
A exclusão da educação substituiu o sequestro na África, o transporte até o Brasil, a prisão e o trabalho forçado. Somos escravocratas que não pagamos para ter escravos: nossa escravidão ficou mais barata e o dinheiro para comprar os escravos pode ser usado em benefício dos novos escravocratas. Como na escravidão, o trabalho braçal fica reservado para os novos escravos: os sem educação.
Negamo-nos a eliminar a obra da escravidão.
Somos escravocratas porque ainda achamos naturais as novas formas de escravidão; e nossos intelectuais e economistas comemoram minúscula distribuição de renda, como antes os senhores se vangloriavam da melhoria na alimentação de seus escravos, nos anos de alta no preço do açúcar. Continuamos escravocratas, comemorando gestos parciais. Antes, com a proibição do tráfico, a lei do ventre livre, a alforria dos sexagenários. Agora, com o bolsa família, o voto do analfabeto ou a aposentadoria rural. Medidas generosas, para inglês ver e sem a ousadia da abolição plena.
Somos escravocratas porque, como no século XIX, não percebemos a estupidez de não abolirmos a escravidão. Ficamos na mesquinhez dos nossos interesses imediatos negando fazer a revolução educacional que poderia completar a quase-abolição de 1888. Não ousamos romper as amarras que envergonham e impedem nosso salto para uma sociedade civilizada, como, por 350 anos, a escravidão nos envergonhava e amarrava nosso avanço.
Cem anos depois da morte de Joaquim Nabuco, a obra criada pela escravidão continua, porque continuamos escravocratas. E ao continuarmos escravocratas, não libertamos os escravos condenados à falta de educação
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*Cristovam Buarque, é professor da UNB e senador da república.
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As leis Abolicionistas
Em 1850, Eusébio de Queiroz motivou a lei contra o tráfico negreiro, entre outras coisas, pelo medo de o grande número de negros ( 3.500.000 para 1.500.000 brancos ) viesse a perturbar a ordem estabelecida. Queiroz chegou a propor a contratação de um exército de mercenários estrangeiros para manter submissos os escravos, pois os soldados brasileiros se recusavam a cumprir tal oficio. Na verdade, boa parte dos escravos estavam se insubordinando.
Em 1823, cantava-se nas ruas de Pernambuco:
Marinheiros e caiados,
Todos devem se acabar,
Porque só pardos e pretos,
O país hão de habilitar!
Em 1821, os pretos ocuparam Vila Rica, após sangrentos combates, declarando sua liberdade e igualdades aos brancos.
Em 1849, em Queimados, Espíritos Santo, 200 escravos tentaram um levante, visando atingir todo o estado.
Lei do Ventre Livre (1871)
Foi nesse ambiente que o ministério chefiado pelo visconde do Rio Branco apresentou o projeto da lei do Ventre Livre em maio de 1871 para a Câmara dos Deputados. Depois de modificada e adaptada aos interesses escravistas, a lei que declarava livre os filhos de escravos foi finalmente aprovada em 1871, por 65 votos a favor e 45 contra. A maioria dos deputados de Minas, São Paulo e do Rio Grande do Sul. Os representantes das províncias do norte e nordeste votaram maciçamente a favor.
Lei dos Sexagenários (1885)
Em 28 de setembro de 1885 o governo imperial promulga a Lei Saraiva-Cotegipe, conhecida como Lei dos Sexagenários, que liberta os escravos com mais de 65 anos. A decisão é considerada de pouco efeito, pois a expectativa de vida do escravo não ultrapassa os 40 anos.
A abolição da escravatura
Em 1888, a Princesa Isabel assinou a lei que abolia a escravidão: A Lei Áurea. Em 13 de maio de 1888, o gabinete conservador de João Alfredo apresenta, e a princesa Isabel assina, a Lei Áurea, extinguindo a escravidão no país. A decisão, porém, não agrada aos latifundiários, que exigem indenização pela perda dos "bens". Como isso não acontece, passam a apoiar a causa republicana.
Em 1899 partiu o último navio,"Aliança", levando de volta à África um grupo de ex-escravos. Uma criança que seguiu para a África naquele navio, Maria Romana da conceição, chegou a visitar o Brasil em 1963.
A lei Áurea não indenizou os escravos pelo trabalho realizado. Assim, abandonadas à própria sorte, a maioria caiu na miséria da mendicância e vão compor a camada mais miserável das classes populares.
A abolição no Ceará
O Ceará é conhecido pelo cognome de Terra da Luz. Muita gente julga que é devido ao seu forte e claro sol tropical. Nada disso. Esse honroso título, dado por José do Patrocínio, se deve ao fato da então província ter abolido a escravatura antes do Brasil. Na verdade o povo cearense nunca gostou mesmo de escravizar os seus semelhantes e a prova disso é que muitos senhores de escravos libertaram os seus negros ainda antes de 25 de março de l884, data em que, sem dar a menor satisfação a D.Pedro II, o Ceará libertou os seus escravos definitivamente.
Antes, porém, foram promovidas muitas campanhas abolicionistas lideradas por João Cordeiro, líder do movimento abolicionista no Ceará que ao lado dos igualmente bravos Antônio Bezerra e José do Amaral, lutaram para libertar, pelo menos o Ceará, da vergonha da escravidão.
Os lideres sempre tiveram o apoio e o carinho do povo. No entanto, a primeira ação prática e drástica para acabar com a escravatura, foi de Francisco José do Nascimento, até então apelidado por Chico da Matilde e que depois seria chamado de "Dragão do Mar". Francisco José era um mercador de escravos que, depois de convencido pelos abolicionistas, num rompante bem cearense, afirmou que nunca mais embarcaria escravos para o Ceará e nem permitiria que ninguém o fizesse. Isso aconteceu em 30 de agosto de l881. Com a atitude do mercador, tornou-se impossível receber ou embarcar escravos no porto do Ceará. Por esse gesto heróico, Francisco José do Nascimento foi cognominado de "Dragão do Mar", nome que é hoje dado a um centro de cultura e a uma rádio de Fortaleza.
A campanha abolicionista no Ceará ganha a adesão da população pobre. Os jangadeiros encabeçam as mobilizações, negando-se a transportar escravos aos navios que se dirigem ao sudeste do país. Apoiados pela Sociedade Cearense Libertadora, os "homens do mar" mantêm sua decisão, apesar das fortes pressões governamentais e da ação repressiva da polícia. O movimento é bem-sucedido: a vila de Acarape (CE), atual Redenção, é a primeira a libertar seus escravos, em janeiro de 1883. A escravidão é extinta em todo o território cearense em 25 de março de 1884.
Autoria: Rafael Luiz Silva
fonte:http://www.coladaweb.com/historia-do-brasil/escravidao-no-brasil
Excelente lembrança essa da postagem, sobre a luta dos abolicionistas, inclusive grandes nomes nordestinos, que lutaram para que essa chaga chamada escravidão nos fosse afastada.
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