Renato Godoy de Toledo
Há 8 anos a esquerda brasileira obtinha o maior êxito eleitoral de sua história. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, o primeiro operário a assumir o posto, o Brasil iniciou um período de crescimento econômico e ampliação de programas assistenciais.
Em termos sociais, a classe C passou a ser majoritária no país, com mais de 20 milhões de pessoas saindo da pobreza. Esse feito do governo foi atingido de forma habilidosa, sem qualquer grande mudança na política econômica desenhada no período neoliberal e sem descontentar o sistema financeiro e empresarial.
O país apresentou uma inserção diferente no cenário geopolítico internacional, tendo Lula como um líder eminente dos países emergentes e reconhecido como um dos maiores chefes políticos do mundo.
A popularidade do mandatário atingiu nível recorde. Segundo os principais institutos de pesquisa, Lula chega ao fim de seu mandato com 83% de aprovação e apenas 4% de rejeição. O que mostra, na prática, que até mesmo a maior parte do 44% que apoiaram Serra na última eleição aprovam o governo petista.
Após mais de uma década mobilizada em torno da palavra de ordem “Lula-lá”, a esquerda brasileira demorou a adaptar-se à nova realidade. O maior setor dela, capitaneado pelo PT, foi leal ao governo durante oito anos. No entanto, correntes da esquerda petista romperam com a legenda e fundaram o Psol, após dois anos de críticas à política de alianças e os rumos econômicos levados a cabo pelo governo.
Outro fator que abalou a estrutura de apoio ao governo foram as crises éticas do chamado “mensalão” e da quebra de sigilo do caseiro Francenildo Costa, ainda no primeiro mandato. Com esse desgaste, José Dirceu e Antonio Palocci foram afastados do Planalto, deixando Lula como o principal articulador de todas as áreas do governo. Nesse processo, fica mais claro a existência de um novo e controverso fenômeno político batizado de lulismo, que deve ser o tema dos principais debates na academia no próximo período.
“De esquerda e de direita”
O termo lulismo ganhou mais força nos meios acadêmicos após o artigo do cientista político André Singer, no final de 2009, intitulado “Raízes sociais e ideológicas do lulismo”. Ex-porta-voz e secretário de imprensa do Palácio do Planalto (2003-2007), Singer considera que o lulismo é composto por elementos de esquerda e de direita. Sua principal base eleitoral, o subproletariado – trabalhadores de baixíssima renda –, deseja uma melhoria nas condições de vida, mas preza pela manutenção da ordem e delega a tarefa de executor das mudanças a uma autoridade política.
Em entrevista concedida ao Brasil de Fato em maio de 2010, o cientista político apontou que essa base preza tanto por mudanças quanto pela ordem. “O subproletariado tem uma visão conservadora, mas não no sentido de rejeitar mudanças. Ele deseja mudanças importantes. Mas ele quer que essas sejam feitas sem prejuízo da ordem. Ou seja, essa valorização do conflito político que o PT fez é rejeitada pelo subproletariado, que espera mudanças feitas de cima para baixo, por meio de uma autoridade de Estado reforçada e sem ameaça à ordem. É essa configuração que leva a pensar na mistura de elementos de esquerda e de direita”, definiu Singer.
Apesar da inevitável comparação, Singer evita a aproximação entre o lulismo e o getulismo, por considerar que ambos são fenômenos recentes, em termos históricos, e precisam de constantes reavaliações.
Já o sociólogo Rudá Ricci, diretor do Insituto Cultiva, considera o lulismo como um fenômeno “vinculado à tradição aberta pelo getulismo”. “Trata-se de um paradigma da política nacional e não um mero governo. Desse ponto de vista, penso ser um erro comparar estes últimos oito anos com os governos FHC, Itamar Franco, Collor ou Sarney. Estes foram apenas governos, alguns responsáveis e engajados no desenvolvimento do país, outros nem tanto. O lulismo é mais que um governo. É uma nova organização política, um pacto desenvolvimentista. A oposição tenta reduzir essa importância. Os fatos políticos dizem mais que discursos. Afinal, onde está a oposição ao lulismo? Assim como o getulismo foi uma sombra por mais de cinquenta anos, o lulismo o será no próximo período. Isto se a criatura não retornar em 2014”, aponta.
Ricci afirma que esse pacto desenvolvimentista inserido pelo lulismo desnorteou a oposição e dilacerou o sistema partidário brasileiro, em uma das “tramas mais inteligentes” da história republicana brasileira.
O analista político Wladimir Pomar enxerga o lulismo como um fenômeno multifacetado, com força social mas com certas fragilidades, como ficou evidenciado no processo eleitoral de 2010, quando Lula não conseguiu transferir toda a sua popularidade à sua candidata Dilma Rousseff. “O lulismo só desempenhará um papel ativo na ampliação e consolidação da democracia política e na conquista de novos direitos econômicos e sociais se ganhar consciência. O que não se consegue com dádivas e concessões de cima para baixo, mas com o aprendizado da luta pela conquista de reivindicações e direitos”, aponta.
Pomar afirma ser responsabilidade do PT dialogar com essa base para que o lulismo seja uma força de esquerda no próximo período. “O lulismo poderá determinar a política brasileira dos próximos anos se o PT tiver uma atuação clara e constante para fazer os lulistas viverem as experiências de lutas por novas conquistas econômicas, sociais e políticas, dando-lhes consciência e organicidade, num processo que só os partidos são capazes de realizar”, avalia.
FONTE: BRASIL DE FATO
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