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sábado, 17 de outubro de 2015

O Brasil perdeu o senso


O mundo preocupa-se com a sua paz, enquanto o País aposenta a Razão e move-se a ódio de classe.


Mino Carta, na CartaCapital

Volto depois de duas semanas de férias na Itália, as primeiras tiradas neste ano inquieto. Lá fora
vivem-se também dias tensos por motivos que ameaçam a paz do mundo. Por aqui reencontro o mesmo deplorável debate em torno da trama golpista pelo impeachment de Dilma Rousseff, assunto tão exaustivo quanto, a seu modo, insuportavelmente enfadonho.
 


No Brasil, Dantas é aplaudido de pé

O planeta teme as consequências da enésima crise no Oriente Médio, com epicentro na Síria, 
enquanto o EI avança, mata e destrói monumentos ilustres, com o envolvimento militar, para 
enfrentá-lo, de vários países, a começar por EUA e Rússia. Obama e Putin divergem em relação ao 
objetivo da operação bélica. O russo quer salvar Assad, o americano pretende riscá-lo do mapa, e a 
divergência assume tons ásperos e ameaça azedar mais e mais.
O quadro, de todo modo, é mais amplo. A terceira Intifada parece dar seus primeiros passos nas 
ações terroristas palestinas contra Israel, que prepara represálias, enquanto o Hamas avisa: é guerra. 
E neste tabuleiro sombrio cabe ainda a crise na Turquia de Erdogan, participante do ataque ao EI e 
deflagrador da guerra interna contra a resistência curda. O Ocidente paga pelo acúmulo de erros 
cometidos no Oriente Médio, a começar, para não buscarmos razões mais antigas, pelo fim do 
Império Otomano, quando Grã-Bretanha e França deram para redesenhar a seu talante o mapa da 
região.
Entende-se que o mundo se preocupe com o futuro, mas nós aqui estamos a discutir o impeachment 
como se fosse possível rasgar a Constituição em nome, apenas e tão somente, do que nos 
proporciona, diária e inexoravelmente, a mídia nativa, ou seja, o verdadeiro partido de oposição a 
representar, ao mesmo tempo, os interesses da casa-grande e o atual estágio da sociedade brasileira.
A gravidade do momento brasileiro compõe um fenômeno único, peculiar e desolador, sem 
parentesco com as atuais inquietações do mundo, a não ser na desigualdade social, matéria em que 
somos campeões. Vale saber, porém, que inúmeras nações, embora apartadas pelos editos 
neoliberais, vivem bem melhor do que a nossa, mesmo porque aqueles milhões de cidadãos tirados 
da miséria absoluta no tempo de Lula estão a regressar à condição anterior.
Por onde tenha andado durante as férias, sempre fui alcançado pela pergunta: que aconteceu com o 
País ainda recentemente cotado para o progresso rápido? Que involução foi essa? Difícil explicar, 
mesmo porque casa-grande e senzala são conceitos inconcebíveis para europeus, assim como o 
interlocutor me teria como mentiroso se lhe contasse dos mais de 60 mil assassinatos anualmente 
entre o Oiapoque e o Chuí.
Complicadíssimo também esclarecer que o Brasil é um país que literalmente perdeu o senso. Além 
da ridícula ostentação da minoria rica, hipocrisia, arrogância, prepotência, intolerância, ódio de 
classe grassam impetuosos no nosso desmesurado rincão. E ignorância, primarismo, par-voíce. 
Se algum dia nos habilitamos à cultura da Razão, esta soçobrou como um barco furado. Está ausente 
nas frases feitas emboloradas de tanto uso, na ladainha dos editoriais, colunas, artigos, nas diatribes 
dos tribunos de uma pretensa aristocracia, nas demandas de alegados juristas que ignoram a lei, ou a 
desrespeitam, nas invectivas dos políticos açodados, entre eles um príncipe dos sociólogos que 
ninguém leu.
A quem me pedia explicações enquanto eu me informava no La Repubblica, gostaria de ter mostrado 
as edições do mesmo dia do Estadão, da Folha, de O Globo, sem acrescentar verbo, em perfeito 
silêncio. Seria o bastante para o bom entendimento do Brasil de hoje. Excelente exemplo dos 
comportamentos da mídia nativa o recente seminário sobre jornalismo promovido pela revista Piauí. 
Convidado especial do evento, Daniel Dantas, o banqueiro do Opportunity. Condenado em Nova 
York, Londres e Cayman, não pode sair do Brasil sem correr o risco de ser preso, como, mais cedo 
ou mais tarde, se dará, por exemplo, com Marco Polo Del Nero e os senhores da Globo. Ao cabo de 
sua palestra em São Paulo, Dantas foi aplaudido de pé.

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