Romário,o 'Peixe,'foi caluniado. Foi para cima e desmascarou a revista Veja |
Publicado no Brasil Wire. O
autor, Brian Mier, nascido em Chigaco (EUA), é jornalista, geógrafo,
escritor e produtor, tendo trabalhado por mais de uma década com
organizações não-governamentais de desenvolvimento internacional, como a
ActionAid. Vive no Brasil há 20 anos.
Semana passada, a lenda do futebol, hoje senador, Romário Faria, fez
um anúncio especial para seus dois milhões de seguidores no Facebook.
“Descobri na quinta-feira, pela revista Veja, que tenho milhões
de reais numa conta na Suíça”, disse. “Obviamente, eu fiquei muito
feliz com a notícia e assim que possível irei até o banco para confirmar
se eu tenho essa conta, sacar o dinheiro e informar a Receita Federal…
mas como estamos falando da Veja, se essa informação for falsa
não será surpresa pra ninguém. Se você ler a notícia verá que não há uma
fonte confiável citada… É difícil encontrar qualquer coisa crível nessa
revista.”
Romário, que apoiou Aécio Neves na última corrida presidencial, voou até Genebra, na Suíça. E postou uma selfie no
Facebook, dizendo: “Chateado! Acabei de descobrir aqui em Genebra, na
Suíça, que não sou dono dos R$ 7,5 milhões”. Após confirmar que a
informação publicada por Veja era falsa, ele pediu a seus fãs
que procurassem o perfil no Facebook dos jornalistas que escreveram a
matéria e perguntassem a eles quem foi sua fonte. Cômica trolagem feita e
em 24 horas dois dos três jornalistas cancelaram seus perfis no
Facebook. Imediatamente após retornar ao Brasil, Romário entrou com
processo de calúnia e difamação contra a Veja.
A reação de Romário divertiu muitos brasileiros, mas o fato de que a
história foi fabricada numa aparente tentativa de manchar a imagem do
principal candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro não surpreendeu
muitas pessoas. Em um país com leis débeis sobre calúnia e difamação e
de baixas indenizações, Veja é uma das menos confiáveis das
grandes fontes de notícias. A revista, que fomenta os interesses da
classe média conservadora, tem um longo histórico de criar factóides
sobre corrupção contra rivais políticos enquanto adula aliados
sabidamente corruptos, a maioria deles, como Veja, com ligações com a ditadura militar de 1964-1985.
Veja foi criada em 1968 e rapidamente se tornou a mais
popular revista de notícias do país. Ela se referia à ditadura militar
como um “governo revolucionário” e aos líderes estudantis e
sindicalistas, postos na ilegalidade, como “terroristas”. Foi uma das
principais responsáveis pela eleição do primeiro presidente neoliberal
do Brasil, Fernando Collor. Há décadas é reconhecida como apoiadora do
Consenso de Washington, na economia, assim como por suas posições
conservadoras quanto a políticas sociais e raciais, cruzadas
anticorrupção seletivas e estreitos laços com o corrupto e
ultraconservador partido PFL/Dem.
Como Emir Sader, diretor do Laboratório de Políticas Públicas da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, diz, “todo país tem esse tipo
de publicação extremista que prioriza a defesa de ideias dos novos
conservadores estadunidenses. Eles herdaram ideias do período da Guerra
Fria, se especializaram em atacar a esquerda e repetir as mesmas
manchetes internacionais, além de artigos tolos, supostamente
científicos, sobre novas medicinas, tratamentos de pele e de problemas
psicológicos para que possam fingir serem revistas para a família.”
Na semana passada, o ex-presidente Lula entrou com um processo por danos morais contra a Veja por
esta se utilizar do recurso de fontes não declaradas para acusá-lo de
aceitar propinas da construtora Odebrecht. A reportagem foi acompanhada
da característica capa de Veja, onde Lula, nas sombras, franze o
cenho. Em junho, a jornalista Joice Hasslemann, da revista, foi acusada
de plagiar 42 diferentes jornalistas da mídia impressa. Em outubro do
ano passado, Veja foi condenada por fraude eleitoral e obrigada
a retirar do ar qualquer referência online a uma edição especial
lançada na véspera das eleições presidenciais e que acusava erroneamente
Dilma Rousseff e Lula de envolvimento direto no escândalo da Petrobras.
Apesar dos sérios problemas de credibilidade, Veja segue como uma das fontes mais citadas sobre as notícias do Brasil. A Reuters e o The New York Times não tratariam a Fox News como uma fonte confiável, contudo, no mês passado, Reuters citou a Veja por sete vezes. Na semana anterior ao 26 de outubro, dia das eleições presidenciais, The New York Times citou
a revista em seis artigos, incluindo a repetição das acusações a Dilma
Rousseff feitas pela edição especial tornada ilegal por decisão
judicial. Uma busca por palavra-chave no site do Times revela 121 reportagens citando a revista Veja. O aparentemente progressista The Guardian não usaria o Daily Mail como fonte confiável, mas cita a Veja regularmente também.
Por que importantes publicações do Norte continuam a citar a Veja com
uma fonte objetiva sobre o noticiário brasileiro? Como alguém que tem
andado com muitos jornalistas estrangeiros em meus 20 anos de Brasil, eu
gostaria de acreditar que isso acontece por conta dos baixos salários e
dos prazos curtos de entrega das reportagens. Com algumas das
principais companhias de notícias pagando para freelancers algo
tão baixo quanto US$ 100 por artigo para conteúdo online eu posso
entender porque alguém iria ler apenas uma fonte de notícias, de grande
circulação, para montar uma rápida nota sobre uma atualidade qualquer.
Outra razão possível é a de que o segmento da população a que Veja se
destina – a classe média alta conservadora – é também o grupo mais
provável a ser fluente em inglês e interagir com correspondentes
estrangeiros vivendo no Brasil.
A empresa dona da Veja, Editora Abril, é um dos maiores
grupos no cenário da mídia brasileira, uma das citadas no relatório dos
Jornalistas Sem Fronteiras, Brazil, the Country of Thirty Berluconis. Eu não estou dizendo que Veja possa
ou deva ser completamente ignorada pelos correspondentes internacionais
cobrindo o Brasil – ler as opiniões da revista é uma ótima maneira de
conhecer o ponto de vista conservador da classe média sobre qualquer
assunto. O que eu sugiro, entretanto, é que a qualidade da cobertura
jornalística sobre o Brasil iria ganhar em qualidade se a mídia de
língua inglesa parasse de utilizar a Veja como fonte primária de seu noticiário.
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