Vargas, Goulart, Dilma e as ilusões da extrema esquerda
por Ignacio Godinho Delgado*
Estamos
perto de um desfecho do processo iniciado desde a proclamação dos
resultados das eleições de 2014, caracterizado pela disposição de
setores da direita brasileira em interromper o curso normal do governo
Dilma.
No
momento, tal disposição está concentrada nas Organizações Globo, em
setores do PSDB ligados a Aécio Neves, em segmentos ultra-reacionários
da oposição parlamentar (Caiado et caterva),
nas hordas fascistas gestadas e embaladas pela mídia e nos braços do
aparato policial e judicial da direita política, representados por
grupos da Polícia Federal, jovens procuradores com inclinações
salvacionistas e o juiz Moro.
O
epicentro da conspiração está radicado nas Organizações Globo. Setores
do PSDB ligados a José Serra e Geraldo Alckmin estão reticentes, em meio
a especulações sobre o melhor cenário para seus propósitos eleitorais. O
PMDB observa, com suas tradicionais divisões, com segmentos ligados a
Cunha e/ou ressentidos com Dilma cogitando (se é que já não se
decidiram) qual a saída que pode lhe garantir o melhor prêmio.
No meio empresarial, o temor é o aprofundamento de um quadro de conturbação que seja, digamos, ruim para os negócios.
Setores
mais tradicionais aspiram a retomada da perspectiva alentada na década
de 1990 de nuclear o desenvolvimento na redução do Custo Brasil, notadamente o custo do trabalho, que hoje se expressa na batalha pela terceirização.
É
significativo lembrar que Dilma rechaçou energicamente tal perspectiva
no seu primeiro governo, reafirmando o propósito de manter a política de
valorização do salário mínimo e vetando o projeto que extinguia a
cobrança do adicional de 10% na multa do FGTS pago pelas empresas em
caso de demissão sem justa causa. As medidas associadas ao ajuste
fiscal, incidentes sobre o seguro-desemprego, o abono salarial e as
aposentadorias não afetam diretamente o custo do trabalho para
os empresários, vinculando-se, antes, a preocupações fiscais. Conquanto
controversas, é um grande equívoco coloca-las no mesmo saco.
Há,
também, o interesse de investidores estrangeiros na mudança do marco
regulatório do Pré-Sal e na ocupação do espaço a ser eventualmente
aberto no setores de energia e construção, na esteira da Operação Lava
Jato.
Não
necessariamente o alcance dos objetivos dos empresários dos setores
intensivos em trabalho e dos entreguistas exigiriam a remoção de Dilma,
podendo ser efetivado com o enfraquecimento de seu governo e com
arranjos no parlamento.
Todavia,
tal como ocorre com os setores políticos da oposição hoje reticentes
com o objetivo do impeachment, o alinhamento definitivo numa mesma
direção – a remoção de Dilma – vai depender do andamento das ações
previstas no Congresso e nas ruas. Esta é a expectativa das Organizações
Globo: criar um ambiente que torne a alternativa do impeachment
inevitável e acolhida por todos os setores de direita.
Boa
parte do cenário atual foi gerado pela inabilidade do governo, pela
proposição e condução desastradas do ajuste fiscal, pelo recrudescimento
da inflação e pela letargia do PT, que erodiram de forma expressiva sua
base de sustentação popular.
Não
obstante, é uma ilusão perigosa a perspectiva da extrema esquerda de
assistir ou colaborar para a derrubada do governo, na expectativa de que
assim os interesses dos trabalhadores poderiam ser melhor defendidos.
José Maria do PSTU, disse em entrevista recente que “ou estamos contra o
governo, dispostos a ajudar nossa classe a derrubá-lo (…) ou vamos
estar no campo deste governo com o argumento de que estamos lutando
contra o golpe de direita” (ver vídeo em anexo, aos 12 minutos – http://www.revistaforum.com.br/rodrigovianna/geral/pstu-chama-derrubada-governo-de-dilma-roussef/).
É
um simplismo monumental. A derrubada de Dilma traz de imediato a
liquidação do marco regulatório do Pré-Sal e facilita a aprovação de
medidas como a terceirização. Ademais, por que imaginar que os
trabalhadores não têm interesse no respeito pela democracia e a
normalidade institucional? Por que tomá-las apenas como um instrumento,
não obstante as duras réplicas e ineficiências da história?
Em
1954, o PCB, às vésperas da morte de Vargas, alcunhava-o um “aliado do
imperialismo”. Sua remoção, ainda que tenha firmado o trabalhismo como
identidade política dos trabalhadores, facilitou a consolidação de um
modelo de desenvolvimento subordinado ao capital externo. Em 1963,
diante do Plano Trienal de Celso Furtado, o combate sem tréguas da
esquerda colaborou para minar o governo Goulart, facilitando o caminho
do golpe. É possível combater o ajuste fiscal, estar na oposição à
esquerda do governo e condenar o golpe que se avizinha. Não fazer isso,
pode deixar aliviada a consciência revolucionária em sua infantil
expressão, mas serve claramente aos propósitos entreguistas e à erosão
dos direitos dos trabalhadores.
*Ignacio
Godinho Delgado é professor de História e Ciência Política na
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pesquisador do Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e
Desenvolvimento (INCT-PPED). Doutorou-se em Ciência Política pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1999, e foi Visiting Senior Fellow na London School of Economics and Political Science (LSE), entre 2011 e 2012.
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