A direita se aproveita do ajuste fiscal para avançar: Entrevista com Gilberto Maringoni
Por Rennan Martins
O primeiro ano do segundo governo Dilma tem sido um dos mais
instáveis da República desde 88. Reeleita no que talvez tenha sido o
mais acirrado pleito de nossa história, vimos a presidente dar uma forte
guinada ortodoxa com a figura de Levy, enquanto no Congresso, com mais
intensidade na Câmara, o governo foi isolado e sofreu sucessivas
derrotas, culminando na crise atualmente vivida.
O cenário econômico recessivo é também um fator relevante nesta
equação política, mas ainda mais decisiva e influente é a Operação Lava
Jato. Tendo sacudido e exposto as controversas relações do alto
empresariado com os políticos, a longeva operação é marcada por recorrer
abundantemente a delação premiada, e pelos polêmicos vazamentos à
imprensa.
Para analisar ainda mais este complexo cenário, o Blog dos
Desenvolvimentistas entrevistou Gilberto Maringoni. Jornalista,
cartunista, professor da UFABC e candidato ao governo de São Paulo pelo
PSOL no ano passado, Maringoni considera que o PT esgotou-se por ter um
programa que não ultrapassa os “marcos do neoliberalismo”, sustenta que o
ajuste fiscal isolou o governo de qualquer representatividade e diz que
a Lava Jato é “extremamente positiva” por colocar na cadeia “pela
primeira vez, corruptos e corruptores”.
Confira a íntegra:
A presidente reelegeu-se com uma plataforma de ideias
progressistas, e então deu um cavalo de pau antes mesmo de assumir o
segundo mandato. O que explica essa postura? Quais eram os objetivos
dela?
Maringoni: É difícil determinar exatamente, mas me parece que o
determinante foram os limites do que seria o projeto petista de governo.
Não há uma proposta de transformação social real, como ficou
evidenciado ao logo dos últimos treze anos. O que eles buscaram foi –
dentro dos marcos do neoliberalismo – obter algum tipo de melhoria na
vida dos mais pobres em tempos de expansão econômica. É significativo em
um país tão desigual, mas isso foi realizado sem tocar nenhum interesse
das classes dominantes. Ao contrário, no período 2004-10, de alta das
commodities no mercado global, os ganhos do setor financeiro foram os
maiores da história republicana.
Qual a relação entre o ajuste fiscal e a crise política que se manifesta?
Maringoni: O ajuste fiscal é o principal instrumento do avanço
conservador na sociedade. Sua implantação se dá através de um enorme
estelionato eleitoral e do rompimento de Dilma e do PT com sua base
social, os trabalhadores organizados e os pobres. Ao fazer isso, Dilma
não representa mais ninguém na sociedade, fragiliza seu governo e atinge
em cheio seu partido. É uma prática irresponsável, que gera desalento e
raiva. A direita aproveita essa situação para avançar, emparedando a
presidente no Congresso e na mídia. O governo fica à deriva, a mercê dos
setores dominantes.
Como entender o fator Eduardo Cunha no tabuleiro do poder? O que explica tanta unidade em torno de suas propostas na Câmara?
Maringoni: Eduardo Cunha é um setor marginal na política que chega ao
proscênio por força desse desarranjo de forças. Nem de longe representa
a ponta de lança dos interesses conservadores. Tanto que, após o grande
acordo firmado entre o PT, o PMDB e o governo com a Globo, o Itaú, o
Bradesco, a Fiesp e a Firjan, ele perde espaço. Cunha é um aventureiro
que ganhou fôlego graças ao recuo do governo. Nunca nos esqueçamos que
Cunha é da base da situação. É do PMDB carioca, partido sobre o qual
Dilma jogou todo seu empenho na campanha de 2014.
Quanto a Lava Jato. Que efeitos teve a operação no mundo
político e econômico? Você considera que há enviesamento nas
investigações?
Maringoni: A Lava Jato é extremamente positiva. Está investigando e
colocando na cadeia, pela primeira vez, corruptos e corruptores. Toda
investigação sempre é enviesada, não existe ação desse tipo isenta.
Atacar a Lava Jato agora equivale a defender a impunidade nos crimes
cometidos na Petrobras e em outras esferas do poder público.
Esta operação também é marcada por uma alta quantidade de
delações, vazamentos e a inversão do princípio da presunção de
inocência. O que explica esse arrojo do MPF e PF? Porque outros casos
como o Swissleaks e Zelotes não tem a mesma atenção?
Maringoni: A delação premiada é regulamentada em lei – sancionada
aliás no primeiro governo Dilma. É forma internacionalmente utilizada no
combate ao crime organizado. Os casos do Swissleaks e a Zelotes têm de
ser investigados. Mas sua não investigação – por enfrentarem interesses
ainda mais poderosos – não pode servir de argumento para se desativar a
Lava Jato.
Até pouco tempo as empreiteiras eram relativamente blindadas
na grande mídia. O que aconteceu para que iniciassem as denúncias
sistemáticas? Há alguma disputa interna entre o empresariado de mídia e
os empreiteiros?
Maringoni: Os empreiteiros representam uma fração do capital
umbilicalmente ligada ao Estado. Não se conhece um caso sequer de
empreiteiro neoliberal. Eles dependem de obras e demandas públicas. É
também um setor altamente oligopolizado. Mas existe uma concorrência de
médias empreiteiras querendo chegar ao topo. Isso não explica tudo, mas o
enfraquecimento da capacidade de investimento da Petrobras – pela queda
dos preços do petróleo e não pela corrupção – fragilizou esse setor
empresarial e o tornou mais vulnerável às investigações. Que têm de
alcançar o setor financeiro, também.
O que explica o inesperado editorial e edição do JN em favor da governabilidade?
Maringoni: Explica a constatação de que o golpe não é mais necessário
para as classes dominantes. Eles têm diante de si um governo prostrado,
fraco e maleável a qualquer pressão. Sai mais em conta manietar a
gestão petista do que paralisar o país por meses em um penoso processo
de impeachment. Um editorial do Financial Times deu a chave do que está
em jogo: se Dilma cair, entrará outro político medíocre, que aplicará
exatamente o mesmo projeto econômico.
Você considera que há base legal para depôr a presidente ou
esse movimento é de fato golpista? A oposição de direita tem envergadura
moral para fazer essa cruzada?
Maringoni: O impeachment não é golpe: está regulamentado na
Constituição. Com a perda de legitimidade acelerada do governo, os
setores mais à direita do PSDB tentaram depor a presidente. Não há base
legal até agora para isso. Se o impeachment não é golpe, forçar a
deposição sem provas é. Não se trata de a oposição ter ou não
envergadura moral para propor algo no gênero. Parte das forças que depôs
Collor, em 1992, também não tinha envergadura moral alguma. Falo da
mídia e do grande capital. Em política, age quem tem força e não quem
tem mais ou menos moral..
Em sua avaliação, como se dará o desfecho dessa crise que assola Brasília?
Maringoni: Vou parafrasear o que um dia falou – acho que – Antonio
Carlos Magalhães: a situação está tão grave que não faço previsões nem
sobre o passado.
Há espaço para construção de uma alternativa de esquerda no
Brasil? Qual seria o caminho para fazer frente de forma efetiva contra o
neoliberalismo?
Maringoni: Espaço há. É pequeno e demandará anos para se colocar como
alternativa de governo, diante da derrocada do PT. Ela deve começar por
se colocar frontalmente contra o ajuste fiscal. E por ter como meta a
transformação do Estado. Temos uma larga parcela da esquerda que julga
possível mudar a política e a sociedade sem interferir profundamente no
funcionamento do Estado. O PT fez isso, deu no que deu. A partir dessa
diretriz, há que se acumular força na sociedade. É um caminho árduo, mas
não vejo outro.
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