Uma história longa de corrupção |
A multinacional da Alemanha se envolve em falcatruas internacionais faz tempo.
O texto abaixo foi publicado originalmente na versão em português do site alemão DW.
Não faz muito tempo, a Siemens esteve no centro de um dos maiores escândalos de corrupção da história empresarial da Alemanha.
Em novembro de 2006, um grande esquema de pagamento de propinas veio à
tona, levando ao afastamento de praticamente toda a diretoria no
primeiro semestre de 2007.
Em resposta ao problema, a empresa adotou um programa anticorrupção, e
a nova gestão, sob o presidente Peter Löscher, garantiu que preferiria
abrir mão de negócios lucrativos a ter novamente que lançar mão de
práticas ilícitas.
Mas um novo caso no Brasil parece expor a dificuldade que a empresa sediada em Munique tem em transformar palavras em atos.
Na última semana, a Siemens apareceu no centro de um escândalo no
Brasil de licitações fraudadas para a compra de equipamento ferroviário e
para a construção e manutenção de linhas de trem e de metrô em São
Paulo e em Brasília.
Em comunicado tornado público em seguida à divulgação da denúncia
pela imprensa brasileira, o grupo afirmou que sua direção está informada
da investigação e lembrou os esforços realizados desde 2007 pela
multinacional para desenvolver um sistema de controle eficaz e da
“obrigação de todos os funcionários de cumprir as leis de defesa da
concorrência”.
A companhia ressaltou também que está cooperando com as autoridades brasileiras “de forma irrestrita”.
Mas, segundo o jornal Süddeutsche Zeitung, as irregularidades
em negócios praticados pela Siemens no Brasil foram denunciadas à
empresa já em 2008, ou seja, depois da promessa de mudança. E nada
aconteceu.
Em junho de 2008 apareceram indícios muito concretos de negociações
ilícitas, afirma o periódico. Um deputado brasileiro e um ex-funcionário
da Siemens descreveram na época, com detalhes, a forma como a companhia
fechava acordos com outras empresas.
As denúncias envolviam também subornos a autoridades brasileiras. O
caso era muito semelhante ao que veio à tona agora, afirma o jornal. Em
2010, apareceram novas evidências, que, assim como as anteriores, não
levaram a nada.
O jornal sugere que a Siemens não investigou os fatos na época para
não ficar em desvantagem na disputa por contratos relacionados à Copa do
Mundo de 2014 e aos Jogos Olímpicos de 2016.
O megaescândalo de 2006 foi um choque para a Siemens na época e deu início a um profundo processo de mudança.
E também custou caro.
Na sequência do escândalo, um tribunal de Munique condenou a empresa
em outubro do ano seguinte a pagar uma multa de 201 milhões de euros.
A Securities and Exchange Commission, reguladora do mercado acionário
dos EUA, também abriu investigação contra a Siemens, já que ela é
listada em Wall Street. Um acordo extrajudicial custou à companhia
sediada em Munique 800 milhões de dólares.
Ao todo, os danos à empresa pelo imbróglio são avaliados em quase 3
bilhões de euros, incluindo pagamento de multas, gastos com auditorias e
recolhimento suplementar de impostos.
Pouco antes do veredicto, em janeiro de 2007, a Siemens fora
condenada pela União Europeia, juntamente com 11 empresas
multinacionais, ao pagamento de multa de 750 milhões de euros por
formação de cartel para manipulação dos preços de instalações elétricas
de alta tensão.
A maior parte da penalidade, 400 milhões de euros, coube ao grupo
alemão. Foi a segunda maior multa já imposta a uma companhia dentro do
bloco europeu.
O presidente da empresa prometeu moralizar mas não cumpriu |
Por pressão do governo dos EUA, a Siemens engajou o ex-ministro
alemão das Finanças Theo Waigel para controlar se a empresa estava de
fato modificando sua cultura empresarial e implementando as reformas
acertadas.
A equipe chefiada por Waigel entrevistou mais de 2.500 funcionários
ao redor do mundo, entre 2009 e 2012, e, ao entregar seu relatório
final, teceu elogios à empresa. “A Siemens implementou todas as nossas
recomendações”, declarou Waigel ao final de 2012.
Além da Siemens, subsidiárias de outras empresas internacionais
teriam participação no cartel denunciado no Brasil, incluindo a francesa
Alstom, a canadense Bombardier, a espanhola CAF e a japonesa Mitsui.
Elas teriam combinado ilegalmente o valor que iriam apresentar em
licitações, para conseguir preços entre 10% e 20% mais caros do que os
praticados no mercado.
No início deste mês, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade), órgão que atua na defesa da concorrência, realizou com a Polícia
Federal uma operação de busca e apreensão em 13 empresas supostamente
envolvidas no esquema, localizadas em São Paulo, Diadema, Hortolândia e
Brasília.
A análise do material apreendido pode, no entanto, levar até três meses.
As denúncias da Siemens dariam conta de que o cartel teria atuado em
pelo menos seis licitações. No entanto, ainda não são conhecidos a
abrangência real, a duração do esquema e os danos causados.
Os negócios em que há envolvimento da Siemens são avaliados em centenas de milhões de euros.
No começo dos anos 90, a empresa alemã ganhou concorrência para a
construção da primeira fase da Linha 5 do metrô de São Paulo, estimada
em 600 milhões de reais, contrato em que teria havido um acerto ilícito
com a francesa Alstom
Também teria havido irregularidades num contrato do ano 2000 para
fornecimento de dez trens, em 2000, que a Siemens construiu juntamente
com a Mitsui.
E também teria havido fraudes em relação a contratos assinados pela
Siemens em 2007, no valor de 96 milhões de reais por ano, para
manutenção do metrô de Brasília.
Nesse caso, a empresa alemã teria feito acordo ilícito com a Alstom, que fornecera os trens ao governo do Distrito Federal.
Ao denunciar o esquema, a Siemens assinou, segundo a imprensa
brasileira, um acordo de leniência, garantindo à empresa e a seus
executivos imunidade contra punições da justiça, caso a formação de
cartel seja confirmada, em contrapartida à cooperação nas investigações.
A denúncia da Siemens sobre formação de cartel em projetos na área de transporte ferroviário chega em um momento sensível.
No próximo mês, deve ocorrer o leilão para a construção do trem de
alta velocidade que ligará Rio e São Paulo, o primeiro do tipo na
América Latina.
As empresas envolvidas no suposto cartel estão entre os candidatos
mais promissores na disputa pelo megaprojeto, cujos custos são avaliados
pelo governo brasileiro em 35 bilhões de reais.
Além das cinco multinacionais acusadas de acordos ilícitos de preços,
apenas outras cinco empresas no mundo são capazes de construir trens de
alta velocidade, das quais somente a sul-coreana Rotem confirmou
interesse em participar da concorrência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário