POLÍTICA DE DISSUASÃO VERSUS A PRÁTICA DO EQUILÍBRIO DE FORÇAS NO CONTEXTO BRASILEIRO: CONCEITOS EXCLUDENTES OU COMPLEMENTARES?
[foto:Agência FAB]
A
recente incursão aérea originária do território russo em direção a
cidades suecas no Domingo de Páscoa (29 de março) de 2013 reacendeu o
debate que a humanidade imaginou ter se esquecido desde a década de
1990: qual o grau necessário de proteção os países devem ter em suas
respectivas esferas geopolíticas de defesa territorial, de influência ou
de interesses? Qual é o grau de proteção efetivo das nações em vista de
eventuais ameaças a suas cidades, populações e riquezas naturais? Como o
Brasil se coloca diante da possibilidade de agressão a seu território
ou à sua população? Hoje, como então, é muito difícil responder a esse
tipo de pergunta definitiva ou conclusivamente.
Sempre haverá espaço para grandes considerações contrárias que trarão consigo boa dose de razoabilidade.
Ao
abordar uma possível dicotomia entre a estratégia denominada poder de
dissuasão versus a adoção do equilíbrio de forças como fator inibidor de
intervenções estrangeiras talvez seja necessário historiar e definir
alguns termos, limitar áreas de atuação e estabelecer os parâmetros sob
os quais a discussão se dará. Senão, vejamos:
A estratégia de dissuasão pode ser entendida como a capacidade que um
ator tem de convencer outro ator de não ataca-lo, sob pena de prejuízo
para o atacante.
Essa
postura de convencimento é adotada sem a aplicação de violência, apenas
deixando subentendido para o atacante que, caso haja o ataque, o
prejuízo auferido será igual ou maior que os lucros pretendidos, levando
o atacante à reflexão sobre a conveniência de sua ação. Essa
estratégia, em nível de nações, foi desenvolvida a partir da escalada da
guerra fria e foi bem sucedida na manutenção da paz global ao
demonstrar clara intenção de parte a parte que o país atacado exerceria
plena e tenazmente a defesa em caso de agressão.
Já
o conceito de equilíbrio de forças pode ser visto e entendido como a
possibilidade de contrapor a uma ameaça, real ou presumida, meios iguais
ou superiores àqueles à disposição do atacante.
Em
ambos os casos – seja na dissuasão, seja na aplicação da estratégia do
equilíbrio de forças, espera-se que os eventuais oponentes tenham
informações corretas sobre as disponibilidades adversárias.
Se concordarmos com as definições postas, resta definir em que campo
serão aplicadas.
O
contexto geográfico e os interesses envolvidos tornam-se limitadores da
quantidade e qualidade dos meios de projeção de força a ser empregado
por um ator em específico.
Nações
com poucas pretensões geopolíticas certamente desenvolverão meios
compatíveis com essas intenções, ao passo que nações com interesses mais
amplos ou gerais, estarão dispostas a desenvolver ou adquirir meios que
deem suporte às suas pretensões, muitas vezes em regiões bastante
distantes de suas fronteiras.
A
análise da história política da segunda metade do século XX, ainda que
ligeiramente ampliada para o início da 2ª grande guerra (1939) mostra a
evolução do pensamento estratégico de diversas nações, que passaram a
ter uma preocupação maior que o entorno de suas fronteiras, como por
exemplo, o Japão e a Austrália e, em maior medida, a então União
Soviética e os Estados Unidos.
Por
razões diferentes, os dois primeiros decidiram entender como limites de
defesa, arcos de ilhas, ou países, que estavam, muitas vezes, além de
suas próprias fronteiras.
Já os dois últimos, uma vez que atuaram de maneira tímida no processo de
aquisição de territórios coloniais, passaram a agir de forma bem mais
agressiva ao difundir as respectivas ideologias ou vantagens de seus
sistemas econômicos a partir do final do conflito mundial.
Com
isso, mais a rapidíssima evolução da tecnologia militar havida no
período da 2ª grande guerra, verificou-se uma correspondente alteração
do pensamento estratégico aproximando as fronteiras políticas (sob o
viés de observação ideológico, não do geográfico) até quase ao ponto do
confronto aberto.
O episódio da colocação de mísseis soviéticos em Cuba certamente foi o clímax desse processo.
Até
então a estratégia da dissuasão talvez fosse a dominante, uma vez que
os Estados Unidos possuíam vantagem tecnológica e numérica de artefatos
que, se acionados, poderiam levar grande destruição à União Soviética.
Contudo, a rápida equiparação soviética, não tanto em termos de
tecnologia, mas amplamente em termos de quantidade, compensou a
desvantagem tecnológica através da quantidade disponível de artefatos de
destruição e causou a constatação que ambos os países possuíam meios
para a aniquilação mútua repetidas vezes, levando a reboque o restante
da humanidade.
Nesse
momento histórico é possível que tenha havido a combinação não
intencional dos dois tipos de pensamento estratégico.
Contudo, dada a dimensão das nações e interesses envolvidos, com os
Estados Unidos e União Soviética então denominados, apropriadamente,
superpotências, não se consegue duplicar o raciocínio que as estratégias
dissuasória e da obtenção do equilíbrio de forças sejam complementares.
Para
tanto, a análise em outros segmentos geopolíticos de amplitude menor
deveriam ter efeito semelhante – e talvez não tenham, com resultados
distintos em pelo menos dois casos: um deles, no conflito entre o Vietnã
do Norte e do Sul, o poderio norte-americano foi confrontado e vencido
por uma nação com menos recursos, que adotou táticas com as quais a
nação mais poderosa não pode, ou não soube naquele momento, lidar.
Por
outro lado, nos conflitos do Oriente Médio, Israel tem conseguido
manter-se como nação apesar de estar rodeado de países que, até pouco
tempo, tinham a manifesta vontade de eliminar sua existência de forma
radical.
Já
nesse exemplo, o poderio militar israelense prevaleceu tanto nos
momentos onde foi atacado, como no caso do conflito de 1973, como nos
momentos onde foi o atacante, como na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Não
se avalia aqui os ataques preventivos levados a efeito a objetivos
específicos.
Ao
se analisar pontualmente como o raciocínio global se regionalizou de
diversas formas, com vários níveis de conflito, é possível observar que a
estratégia de defesa das nações leva em conta muitas das vezes o
momento político por que passa a região estudada.
No
caso específico da América do Sul, os últimos trinta anos mostraram um
inequívoco desejo de suas populações de adotar o capitalismo como regime
econômico e a democracia como regime político.
Os
diversos países sul americanos se organizaram, com diversos graus de
sucesso, em torno do ideário capitalista democrático e a região, como um
todo e, mais uma vez, com graus maiores ou menores de êxito, pode
experimentar crescimento econômico e melhoria das condições sociais.
No
que diz respeito a conflitos que poderiam evoluir para o uso de forças
militares, os últimos trinta anos anotaram conflitos entre nações
(Argentina x Inglaterra nas Falklands; Argentina x Chile, em Beagle;
Chile x Bolívia, saída para o mar; Peru x Equador, por reivindicações
territoriais) com menor intensidade e duração, exceto no caso das
Falklans, do que enfrentamentos internos, principalmente no episódio das
FARC, na Colômbia.
Tal
cenário propiciou uma queda de prioridade do aparelhamento, ou
manutenção dos equipamentos já existentes, em detrimento do atendimento
das reivindicações sociais. Observou também uma alteração sensível no
tipo de armamento que seria escolhido para reposição ou incremento da
capacidade das forças armadas, muitas vezes voltado para a defesa contra
ameaças fronteiriças e não para a projeção de poder. Entretanto, a
descoberta de riquezas minerais, especialmente no litoral brasileiro e o
incremento das atividades ilícitas, notadamente o tráfico de drogas e
contrabando nas fronteiras terrestres da porção oeste do continente,
fizeram com que a preocupação com a defesa voltasse a ser sentida pelos
governos locais.
No
caso específico brasileiro, a plataforma continental do mar territorial
não pode ser vista como uma fronteira simples, onde as diversas forças
militares poderiam apoiar-se em caso de agressão.
A
defesa do mar territorial é tarefa específica da Marinha, com o apoio
da Força Aérea, sem uma participação importante do Exército.
Nisso
reside grande preocupação estratégica, visto não existir possibilidade
de defesa adequada para tão grande área.
Ainda no caso brasileiro, as fronteiras terrestres constituem objeto de
defesa igualmente difícil, aqui pelo fato de haver literalmente inúmeras
possibilidades de passagem através dos milhares de quilômetros de
terra.
Contudo,
a possibilidade de superposição de forças de defesa acrescidas do
efetivo de polícias militares estaduais, fariam com que a tarefa fosse
pouco mais efetiva.
Entretanto, a situação brasileira é embaraçosa. Não se poderiam aplicar
os conceitos de dissuasão ou de equilíbrio de forças para defender-se
efetivamente em ambos os casos.
Os
planos apresentados até aqui pelos chefes militares contemplam, no mais
das vezes, um aparelhamento mínimo e insuficiente das forças armadas,
aparelhamento esse que não conta com a certeza orçamentária de sua
aplicação, devendo, ainda, ser submetidos a considerações políticas
superiores às militares.
Portanto, no que diz respeito ao continente sul-americano,
especificamente no caso brasileiro, poder-se-á observar que a estratégia
de dissuasão terá dificuldades de ser aplicada tanto no contexto da
plataforma continental quanto das fronteiras terrestre, no primeiro caso
pela amplitude a área a ser defendida e no segundo caso, pela
multiplicidade de pontos a serem defendidos de forma efetiva.
Nem se cogita aqui as dificuldades de coordenação de comando entre as várias forças envolvidas.
Quanto
à estratégia do equilíbrio de forças, há de se perguntar: contra quem?
Em que circunstância? Se se analisar o cenário de defesa das riquezas
localizadas na plataforma continental, é difícil imaginar como alguma
nação poderia estabelecer uma base permanente de conquista, sem que
houvessem reações em nível global contra tal ação.
Resta,
porém, a defesa contra incursões pontuais que visassem a violação de
espaço, situação para a qual ainda não se tem defesa efetiva (e nem se
espera que haja num horizonte de uma década, pelo menos), embora se
tente demonstrar à sociedade que algo está sendo feito com esse
objetivo.
Por fim, quanto à fronteira terrestre, verifica-se já haver um
equilíbrio de forças relativo em nível de nações fronteiriças, e uma
supremacia de forças absoluta, ao se comparar com as ameaças de origem
criminosa.
Entretanto
essa supremacia não se aplica totalmente, pelo fato de que são forças
completamente assimétricas, com níveis de reação bastante diferentes e,
no caso dos criminosos, com flexibilidade muito maior que as forças
armadas nacionais em seu atual estágio de manutenção. Observa-se então, o
antagonismo conceitual com o que preconizam as autoridades de defesa
nacionais, ao pretenderem o fortalecimento das unidades militares de
fronteira, mas com meios e quantidades insuficientes para o cumprimento
da missão proposta, e a prática proveniente da realidade orçamentária
vigente.
Conclui-se
então analisando que no contexto contemporâneo brasileiro os conceitos
de estratégica dissuasória versus de equilíbrio de forças podem não ser
excludentes ou complementares, mas, sim, antagônicos ou inexistentes, a
depender do cenário observado.
Fonte:DefesaNet
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