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terça-feira, 4 de junho de 2013

ASSANGE APONTA A SUA ESPADA PARA O CORAÇÃO DO GOOGLE, O NOVO DRAGÃO DO PENTAGONO

 

“Malignamente seminal” - Assange escreve sobre “A Nova Era Digital”, de Eric Schmidt e Jared Cohen

 

POR JULIAN ASSANGE no New York Times.

O livro A Nova Era Digital mostra um modelo surpreendentemente claro e provocante do imperialismo tecnocrático segundo dois de seus principais curandeiros, Eric Schmidt e Jared Cohen, que constroem uma nova linguagem para os Estados Unidos como potência mundial do século 21. Esse idioma reflete a união cada vez mais estreita entre o Departamento de Estado e o Vale do Silício, personificado pelo Sr. Schmidt, o presidente-executivo do Google, e o Sr. Cohen, um ex-assessor de Condoleezza Rice e Hillary Clinton, que atualmente é diretor de Ideias do Google.
Os autores se reuniram na Bagdá ocupada em 2009, quando o livro foi concebido. Passeando entre as ruínas, os dois ficaram animados com o fato de que a tecnologia de consumo tenha transformado uma sociedade arrasada pela ocupação militar dos EUA. Eles decidiram que a indústria de tecnologia pode ser uma poderosa agente da política externa americana.
O livro faz proselitismo do papel da tecnologia na reformulação de povos e nações do mundo, à semelhança da superpotência dominante, queiram eles ser reformulados ou não. A prosa é concisa, o argumento é confiante e a sabedoria – banal. Mas este não é um livro concebido para ser lido. É uma declaração para forjar alianças.
A Nova Era Digital é, sobretudo, uma tentativa do Google de posicionar-se como visionário diante da geopolítica da América – e uma empresa que pode responder a pergunta: “Para onde a América deve ir?”. Não é surpreendente que um elenco respeitável de belicistas do mundo deu seu selo de aprovação a este símbolo do soft power ocidental. Henry Kissinger tem um lugar de destaque, juntamente com Tony Blair e o ex-diretor da CIA Michael Hayden, deitando louvores antecipados ao livro.
Henry Kissinger

 
Os autores alegremente assumem o fardo de nerds brancos. Uma lista liberal e conveniente de gente de pele escura aparece: pescadoras congolesas, designers gráficos em Botswana, ativistas contra a corrupção em San Salvador e masai analfabetos criadores de gado no Serengueti são todos obedientemente convocados a demonstrar as propriedades progressivas do Google Phone.
Os autores oferecem uma versão habilmente banalizada do mundo de amanhã: as engenhocas de décadas serão muito parecidas com as que temos agora – apenas mais bacanas. O “progresso” é impulsionado pela propagação inexorável do consumo das tecnologias americanas sobre a superfície da terra. Todo dia, um milhão ou mais de dispositivos móveis do Google são ativados. 
O Google irá se interpor e, portanto, o governo dos Estados Unidos, entre as comunicações de todos os seres humanos, menos na China (China malvada). 
Commodities acabam de se tornar mais maravilhosas; jovens profissionais urbanos dormem, trabalham e compram com mais facilidade e conforto; a democracia é insidiosamente subvertida pelas tecnologias de vigilância e o controle é entusiasticamente rebatizado de “participação”; e nossa atual ordem mundial de dominação sistematizada, a intimidação e a opressão continuam.
Os autores são amargos sobre o triunfo egípcio de 2011. Eles repudiam a juventude egípcia, afirmando que “a mistura de ativismo e arrogância nos jovens é universal.” Revoltas inspiradas digitalmente significam que revoluções serão “mais fáceis de começar”, mas “mais difíceis de terminar.” Por causa da falta de líderes fortes, o resultado, diz Kissinger aos autores, será governos de coalizão que terminam em autocracias. Eles dizem que não haverá “mais primaveras” (mas a China está nas cordas).
Os autores fantasiam sobre o futuro dos grupos revolucionários “com poucos recursos”. A nova “safra de consultores” vai “utilizar dados para construir e ajustar uma figura política”.
Os discursos “dele” (o futuro não é tão diferente) serão alimentados “através de softwares com complexas extrações de análises e tendências”, enquanto “o mapeamento de sua função cerebral” e outros “diagnósticos sofisticados” serão utilizados para “acessar os pontos fracos de seu repertório político”.
O livro espelha os tabus e obsessões institucionais do Departamento de Estado. Ele evita críticas significativas a Israel e à Arábia Saudita. Ele finge, extraordinariamente, que o movimento de soberania latino-americana, que tem liberado muitos povos das plutocracias e ditaduras apoiadas pelos Estados Unidos nos últimos 30 anos, nunca aconteceu. Referindo-se ao envelhecimento de “líderes” na região, o livro não diferencia a América Latina de Cuba. E, claro, detona teatralmente os bichos papões favoritos de Washington: a Coréia do Norte e o Irã.


Schmidt e Cohen

O Google, que começou como uma expressão da cultura estudantil independente californiana – uma cultura decente, humana e divertida -, encontrou o mundo grande e mau e está jogando suas fichas nos elementos tradicionais de poder de Washington, do Departamento de Estado e da Agência de Segurança Nacional.
Apesar de representar uma fração infinitesimal de mortes violentas no mundo, o terrorismo é um alvo favorito dos círculos políticos dos Estados Unidos. Esse é um fetiche que também merece atenção, e “O Futuro do Terrorismo” recebe um capítulo inteiro. O futuro do terrorismo, nós aprendemos, é o ciberterrorismo. A sessão de indulgente alarmismo prossegue, incluindo um cenário de filme catástrofe, em que ciberterroristas assumem o controle de sistemas americanos de controle de tráfego aéreo e enviam aviões para colidir com edifícios, fecham as redes de energia e lançam armas nucleares. Os autores, em seguida, disparam contra ativistas digitais.
 
Eu tenho uma perspectiva muito diferente. O avanço da tecnologia da informação pelo Google anuncia a morte da privacidade para a maioria das pessoas e muda o mundo na direção de autoritarismo. Essa é a principal tese do meu livro Cypherpunks. Mas enquanto o Sr. Schmidt e o Sr. Cohen nos dizem que o fim de privacidade vai transformar as “autocracias repressivas” em “alvo dos seus cidadãos”, eles também dizem que os governos em democracias “abertas” vão ver isso como um “dom” que lhes permitirá “responder melhor” às preocupações dos cidadãos e clientes. Na realidade, a erosão da privacidade individual no Ocidente e a do poder vão criar abusos inevitáveis, aproximando as sociedades “boas” das “más”.
 
A seção sobre “autocracias repressivas” descreve, com desaprovação, várias medidas de fiscalização: legislação para inserir softwares em portas traseiras para espiar os cidadãos, monitoramento das redes sociais e o recolhimento de informações de populações inteiras. Tudo isso já está sendo feito nos Estados Unidos. Na verdade, algumas dessas medidas foram criadas pelo próprio Google.
A dica está na cara deles, mas os autores não podem vê-la. Eles emprestaram de William Dobson a idéia de que os meios de comunicação, em uma autocracia, “permitem uma imprensa de oposição, enquanto opositores do regime entenderem onde estão os limites”. Mas essas tendências estão começando a surgir nos Estados Unidos. Ninguém duvida dos efeitos das investigações na Associated Press e na Fox. Mas tem havido pouca análise do papel do Google. Tenho experiência pessoal nessa área.
Bradley Manning, heroi do século XXI
O Departamento de Justiça admitiu em março que estava em seu terceiro ano de uma investigação criminal contínua do Wikileaks. Depoimentos na Justiça dizem que o alvo eram “os fundadores, proprietários ou gerentes de WikiLeaks”. Um suposta fonte, Bradley Manning, enfrenta um julgamento de 12 semanas a partir de amanhã, com 24 testemunhas de acusação que irão depor em segredo.
Este livro é uma obra malignamente seminal, em que nenhum autor tem a linguagem para expressar o mal centralizar titânico que está sendo construído. “O que a Lockheed Martin foi para o século 20,” eles nos dizem, “as empresas de tecnologia e segurança cibernéticas serão para o 21.” Sem nem mesmo entender como, eles têm atualizado e implementado perfeitamente a profecia de George Orwell. 
 
Se você quiser uma visão do futuro, imagine Google Glasses bancados por Washington em rostos humanos – para sempre. Fanáticos do culto da tecnologia de consumo encontrarão pouco para inspirá-los aqui. Mas essa é uma leitura essencial para qualquer um que lute pelo futuro, tendo em vista um imperativo simples: conheça seu inimigo.

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