Deveríamos transformar o 31 de Março em feriado nacional. Talvez assim,
possamos garantir que esse dia nunca seja encarado por nós e,
principalmente, pelas gerações que virão como um grande Primeiro de
Abril, como se o golpe de 1964 nunca tivesse existido.
Cicatriz que não deveria ser escondida mas permanecer como algo
incômodo, à vista de todos, funcionando como um lembrete. Não vivemos
três décadas de piada, apesar da elite militar e parte da elite
econômica do país terem rido muito às custas de quem pedia liberdade e
democracia nos Anos de Chumbo.
Pouco me importa o que pensam os verde-oliva da reserva que tomam seu
uísque nos Clubes Militares enquanto, saudosos, lançam confetes ao Dia
da Revolução (sic). Demonstrações de afeto a um período autoritário são
peça de museu, então que fiquem, democraticamente, com quem faz parte do
passado. Mas eles precisam saber que, desta vez, a História não vai
ficar com a versão dos golpistas. E que o mundo que eles ajudaram a
construir, mais cedo ou mais tarde, vai embora com eles. Não por
vingança, mas por Justiça.
Em nome de uma suposta estabilidade institucional, o passado não
resolvido permanece nos assombrando. Seja através de um olhar perdido da
mãe de um amigo que, da janela, permanece a esperar o marido que jaz no
fundo do mar, lançado de helicóptero. Seja adotando os métodos
desenvolvidos por eles para garantir a ordem e o progresso.
Durante a ditadura, os militares armaram uma farsa para encobrir o
assassinato do jornalista Vladimir Herzog. A explicação trazida à
público, de suicídio na cela, não convenceu e a morte de Vlado tornou-se
símbolo na luta contra o regime. Mas fez escola.
Tempos atrás, aqui em São Paulo, um homem de 39 anos foi encontrado
enforcado pouco mais de duas horas depois de ter sido preso.
Supostamente, era traficante e transportava cocaína. Supostamente, teria
se enforcado usando um cadarço de sapato. Questionado por jornalistas
se não é praxe da polícia retirar os cadarços de sapatos de presos, um
policial afirmou que o acusado usou um pedaço de papelão para arrastar
um cadarço que estava fora da cela. Seria cômica se não fosse ofensiva
uma justificativa dessas.
Como aqui já disse, o impacto de não resolvermos o nosso passado se faz
sentir no dia-a-dia dos distritos policiais, nas salas de
interrogatórios, nas periferias das grandes cidades, em manifestações,
nos grotões da zona rural, com o Estado aterrorizando ou reprimindo
parte da população (normalmente mais pobre) com a anuência da outra
parte (quase sempre mais rica). A verdade é que não queremos olhar para o
retrovisor não por ele mostrar o que está lá atrás, mas por nos revelar
qual a nossa cara hoje.
Lembrar é fundamental para que não deixemos certas coisas acontecerem
novamente. Que o governo tenha a decência de instalar urgentemente a
Comissão da Verdade que, mesmo esvaziada, trará um pouco de luz às
trevas. Que o Supremo Tribunal Federal considere que crimes contra a
humanidade, como a tortura, não podem ser anistiados, nunca. Que a
história dos assassinatos sob responsabilidade da ditadura seja
conhecida e contada nas escolas até entrar nos ossos e vísceras de
nossas crianças e adolescentes a fim de que nunca esqueçam que a
liberdade do qual desfrutam não foi de mão beijada.
Mas custou o sangue, a carne e a saudade de muita gente.
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