Ex-conselheiro do CNMP acusa órgão de se submeter ao antipetismo
Blog da Cidadania
Há algumas semanas, o ex-representante da Câmara dos Deputados no Conselho Nacional do Ministério Público jurista Luiz Moreira deu entrevista a este Blog fazendo críticas a entrevista de um promotor à revista Veja, na qual o membro do MP antecipou ação que iria propor contra o ex-presidente Lula.
A entrevista que Moreira deu a este Blog causou forte repercussão devido ao fato de sua crítica ao promotor paulista Cássio Conserino ter sido feita por um ex-membro do CNMP, orgão que tem como uma de suas atribuições principais justamente conter excessos de promotores.
Segundo Moreira, Conserino teria cometido infração funcional ao antecipar à imprensa medida administrativa que não havia tomado. O jurista afirmou que era entendimento “pacificado” no órgão que promotores só poderiam comunicar suas medidas à imprensa após elas terem sido tomadas.
Em seguida, o mesmo jurista e ex-membro do CNMP afiançou a este Blog que Conserino e seu séquito de promotores antipetistas haviam incorrido em nova infração das regras do MP ao proferirem declarações partidarizadas à imprensa sobre o ex-presidente Lula, como a de que ele pretendia se colocar “acima da lei” por usar um instrumento legítimo como representar ao CNMP contra o promotor da Veja.
Na terça-feira (23), o Conselho Nacional do Ministério Público se reuniu e, para surpresa de todos os que conhecem as normas que regem aquele órgão, decidiu, por unanimidade, cassar a liminar do Conselheiro Valter Shuenquener Araújo, que, no dia 16 de fevereiro, suspendeu o depoimento de Lula e de sua mulher que seria dado ao promotor Conserino no dia seguinte.
O próprio Shuenquener (como é conhecido), o relator do caso, deu um voto contraditório em que condescendeu com a unanimidade de seus pares e manteve o promotor da Veja à frente da investigação contra Lula.
Os votos dos Conselheiros do CNMP são absolutamente malucos. Reconhecem que houve uma infração funcional do procurador da Veja, reconhecem que ele usurpou a titularidade à frente do inquérito e, de forma estarrecedora, dizem que, daqui para frente, tudo vai ser diferente.
Ou seja: não permitirão que outros promotores façam o que fez Conserino (!!??)
Parece brincadeira, mas não é.
Aliás, artigo do site Consultor Jurídico intitulado Apesar de ver irregularidade, CNMP mantém Conserino em caso do triplex aponta essas contradições. Leia alguns trechos.
“Apesar
de a distribuição do inquérito ter sido considerada irregular, o
promotor Cássio Roberto Conserino, de São Paulo, continuará à frente da
investigação sobre sobre a suspeita de ocultação de um apartamento
triplex, em Guarujá (SP), do patrimônio do ex-presidente Luiz Inácio
Lula de Silva e sua mulher Marisa Letícia.
A
decisão é do plenário do Conselho Nacional do Ministério Público, ao
analisar representação do deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Para o
parlamentar, o promotor extrapolou suas prerrogativas funcionais ao
assumir o comando do caso de ofício, e que a investigação não poderia
ter sido distribuída à 2ª Promotoria Criminal, da qual Cesarino faz
parte, mas à 1ª Promotoria Criminal.
Na
teoria, a decisão dá razão ao deputado. Entendeu-se que todo
procedimento investigativo deve ser livremente distribuído entre os
membros do Ministério Público, isso porque a atribuição por prevenção
contraria o princípio do promotor natural, e permite a instauração de
agentes de exceção.
Só
que seguindo o voto do relator do caso, Valter Shuenquener de Araújo
estabeleceram que essa interpretação vale apenas para os casos surgidos a
partir da publicação do acórdão. O que, na prática, garante a
permanência de Conserino nas investigações sobre a relação entre a
família de Lula com um apartamento triplex em Guarujá (…)“
Parece piada, mas é sério. O promotor da Veja agiu mal, infringiu as
regras, mas, “em benefício da investigação”, vão deixar a ilegalidade
permanecer. E mais: o CNMP ainda reconhece que o promotor Conserino
cometeu uma infração disciplinar e promete inquérito para puni-lo.
Mas a ação ilegal contra Lula e sua mulher, permanece…
Diante desse descalabro, o Blog foi ouvir novamente o Jurista e
ex-membro do CNMP Luiz Moreira. Confira, abaixo, a entrevista. E, ao
fim, assista à sessão do CNMP que convalidou uma ilegalidade sob a
premissa de que para “pegar” Lula vale tudo.
Blog da Cidadania – Como você viu a decisão do CNMP de manter o procurador Cássio Conserino na investigação contra Lula?
Luiz Moreira –
Eu considerei a decisão errada. Há uma contradição muito forte no voto
do Conselheiro Valter Araujo. Faz parte do fundamento do voto a
explicitação de conduta ilegal do promotor Conserino.
(A) ele dolosamente não submete o inquérito à distribuição;
(B) violando com isso o princípio do promotor natural;
(C) possibilitando que ele se mova tendo em vista o que se chama direito
penal do autor, ou seja, o propósito parece ser o de obter provas para
incriminar o presidente Lula;
(D)o que se confirma com as diversas entrevistas concedidas por ele, em
que é nítida intenção de fixar no imaginário popular que Lula praticou
algum crime.
Blog da Cidadania – Que conclusão você tira, então, de uma decisão unânime do CNMP nesse sentido?
Luiz Moreira –
O promotor agiu com o propósito deliberado. A decisão unânime do Cnmp
mostra que o órgão decidiu não se submeter a nenhuma regra ou lei desde
que obtenha sucesso em seu propósito, que é o de incriminar o presidente
Lula
Blog da Cidadania – Como você avalia a frase “as instituições se ajoelham no altar do antipetismo”?
Luiz Moreira – Cabe ao Cnmp, entre outros, o controle da atividade administrativa. É justamente o caso da burla à distribuição.
O que fez o promotor Conserino? Subtraiu dos colegas dele com atribuição
nas promotorias criminais e do presidente Lula o direito de ter o
inquérito presidido pela autoridade competente para atuar no caso.
Da decisão unânime se pode concluir que o promotor Conserino feriu o
princípio da legalidade dos atos administrativos. Então, o CNMP errou ao
dizer que, caso tirasse o promotor do caso, haveria prejuízos ao
inquérito. Não é convalidado um erro que a nulidade do ato praticado
pelo promotor deixará de existir.
O CNMP não existe para convalidar mal feitos. Seu papel constitucional é
o de correção desses erros, que foram apontados de modo incontestável
em sua decisão.
Blog da Cidadania –
Mas o que se entende de suas palavras é que o CNMP reconhece o erro do
promotor, mas diz que tem que ficar assim mesmo para não haver prejuizo à
investigação. É isso?
Luiz Moreira – Exatamente isso. A primeira parte do voto do relator só fala disso.
Blog da Cidadania – Se reconhece, não pune e deixa o processo correr mostra que o objetivo é pegar Lula ao arrepio da lei
Luiz Moreira – Sim
Blog da Cidadania – O promotor da Veja e seus amigos dizem que o CNMP tentou interferir na atividade fim do MP. Isso procede?
Luiz Moreira –
Vivemos numa sociedade democrática em que as questões precisam ser
legitimadas. A liminar e eventual decisão do CNMP não interferiam na
atividade fim, mas num simples ato administrativo que é a distribuição
dos feitos.
No caso concreto, e é isso que diz a decisão do CNMP: não houve
intervenção na atividade fim simplesmente porque o promotor Conserino
não tem atribuição para presidir o inquérito. Do ponto de vista jurídico
a atribuição, a atividade fim de um membro do Ministério Público
decorre do direito e não de um ato ilegal.