As palavras do novo líder nortecoreano são para consumo interno, principalmente — mas ainda assim o quadro é preocupante.
O artigo abaixo foi publicado, originalmente, na BBC.
Mais de 40 mil soldados americanos e sulcoreanos estão conduzindo
manobras militares na Península Coreana, como parte do exercício Foal
Eagle.
Aviões de combate, bombardeiros e submarinos dos EUA se dirigiram à região, em um esforço para “melhorar a segurança e a preparação” da Coreia do Sul.
Esses exercícios são considerados uma maneira visível pela qual Washington reafirma sua aliança com Seul.
A Coreia do Norte supostamente interpreta o propósito desses exercícios de maneira diferente, ao afirmar que poderiam servir para encobrir a preparação de um ataque surpresa. Em resposta, o país recorreu à sua ferramenta mais familiar: inflamadas ameaças de escalada do conflito.
A cobertura internacional das tensões com a Coreia do Norte cria a impressão de que suas ameaças recentes em resposta aos exercícios militares surgiram do nada.
Na verdade, há décadas o país tem se oposto ruidosamente às manobras
conjuntas entre americanos e sulcoreanos. A diferença dessas ameaças
mais recentes é sua intensidade e especificidade.
Durante o mês passado, a Coreia do Norte prometeu rasgar o armistício de 1953 entre as duas Coreias e fechar a linha direta na região da fronteira.
Logo depois, anunciou que havia aumentado o nível de preparação para o
combate de suas forças de artilharia, com as bases americanas em Guam e
no Havaí na mira. Ainda mais audacioso foi o anúncio de que se reserva o
direito de uma guerra nuclear preventiva contra Washington e Seul.
Há poucas razões para suspeitar que as ameaças serão cumpridas, no entanto. Uma razão é que o principal público para as palavras duras de Kim Jong-un é doméstico.
O jovem líder foi promovido rapidamente nas fileiras do Exército
Popular da Coreia por seu falecido pai, apesar de ter feito pouco para
merecer essas qualificações.
O jovem líder nortecoreano tem se reunido frequentemente com os militares |
Enfrentar os inimigos da Coreia do Norte ajudará Kim Jong-un a consolidar seu poder militar e político.
Uma segunda causa para a calma temporária são as deficiências tecnológicas da Coreia do Norte nos campos nuclear e de mísseis.
Em sua maioria, os analistas concordam que é pouco provável que o
país tenha dominado com êxito a tecnologia necessária para colocar uma
ogiva nuclear em um míssil balístico e lançá-lo contra Washington.
No entanto, seus recentes testes nucleares e lançamento de míssil
demonstram que a Coreia do Norte está ansiosa para avançar em sua
capacidade nesse campo.
Se podemos repudiar as ameaças como bravatas destinadas principalmente ao público doméstico, é possível que as inseguranças subjacentes da Coreia do Norte sejam sinceras.
O temor de que exercícios militares possam ser usados para encobrir a
preparação de um ataque surpresa contra a Coreia do Norte parece
incompreensível de um ponto de vista ocidental.
Mas a Coreia do Norte, que pensa em termos militares primeiro e dá
prioridade à auto-suficiência em seus assuntos, poderia receber com
ceticismo a ideia de que os exercícios conjuntos sejam apenas sobre
preparação para responder a um ataque ou uma demonstração benigna do
compromisso da aliança entre Coreia do Sul e EUA.
O que possivelmente consolida a interpretação divergente da Coreia do Norte é o fato de que em 1950 ela própria usou exercícios com fins dissimulados.
Em junho de 1950, o país colocou em marcha um plano que encobria
movimentação militar em grande escala em direção ao paralelo 38 sob o
disfarce de exercícios de treinamento. Várias divisões se dirigiram para
o sul, em direção a Seul, desencadeando a Guerra da Coreia.
Governos americanos anteriores reconheceram tacitamente que a lacuna
no entendimento entre Washington e Pyongyang (capital da Coreia do
Norte) sobre o propósito das manobras militares é ampla.
O ex-presidente americano Bill Clinton cancelou repetidas vezes
exercícios para aplacar as preocupações de Pyongyang e incentivar
negociações sobre seu programa nuclear. Na verdade, o risco não é uma
guerra em grande escala ou um ataque nuclear, mas um erro de cálculo.
A Coreia do Norte continua buscando novas formas de emitir ameaças,
em parte em uma tentativa do regime de consolidar seu poder e em parte
esperando que os EUA cancelem seus exercícios, como fez Clinton.
Entretanto, os americanos mantêm os exercícios e voos de B-52 sobre a
península coreana.
Esse padrão preocupante ocorre na ausência de um compromisso regular
entre os EUA e a Coreia do Norte. Caso persista, o risco de um erro de
cálculo de quaquer uma das partes vai aumentar.
A Coreia do Norte poderia interpretar mal uma ação futura dos EUA e
determinar que existe uma ameaça iminente e existencial ao regime – e
decidir agir preventivamente em relação a isso. Ou pode sentir que sua
retórica não funciona mais e pode decidir que uma ação mais agressiva é
necessária para fazer jus a suas palavras.
Um teste sobre a sinceridade dos temores norte-coreanos em relação às manobras militares será medir a retórica do regime quando os exercícios forem concluídos, em abril.
As saídas para a atual situação são limitadas. É pouco provável que
conversações entre Washington e Pyongyang convençam a Coreia do Norte a
renunciar a seu programa nuclear.
Mas o diálogo sobre a segurança na península coreana, incluindo a
questão dos exercícios militares, poderia ajudar a evitar mais
mal-entendidos e erros de cálculo. Poderia garantir que a Coreia do
Norte ouça não apenas as fortes mensagens de segurança da aliança
adaptadas para Seul.
Os EUA deveriam também ser cautelosos com qualquer esforço
subsequente para reassegurar o compromisso com seus aliados, a fim de
não exacerbar as potenciais inseguranças da Coreia do Norte.
Medidas como manter na região ativos militares com capacidade nuclear
poderiam prolongar incessantemente o risco de erro de cálculo quando
terminarem os exercícios Foal Eagle.
Fonte: DCM
Free ilustration by: militanciaviva
Fonte: DCM
Free ilustration by: militanciaviva