Se você estranhou o título deste post, tem toda razão: não existe no Brasil um filme intitulado Era uma vez a revolução.
Mas, se dependesse do magistral diretor italiano Sergio Leone, esta
seria, em todos os países, a denominação da segunda obra da trilogia
iniciada com Era uma vez no Oeste (1968) e encerrada com Era uma vez na América (1984).
Por razões que a própria razão desconhece --mas a indústria cultural conhece muito bem!--, o Once upon a time the revolution virou Duck You Sucker ou A Fistful of Dynamite nos EUA, Giù la testa na Itália e Quando explode a vingança no Brasil. Só os franceses respeitaram a vontade do criador: Il était une fois la révolution.
O que fez certo sentido, se levarmos em conta a intenção de Leone, de
sempre atingir o grande público (oferecendo-lhe, contudo, algo além do
mero entretenimento). Mas, para que fosse possível atingir qualquer público,
era imprescindível evitar que o filme fosse proibido pelas ditaduras do
3º mundo e boicotado pelas empresas distribuidoras no 1º mundo. Revolução no título certamente atrairia atenções indesejáveis. Vai daí que...
Além do artesanato impecável de imagens e músicas que se completavam às
mil maravilhas, dos enquadramentos inovadores (com closes tão extremos
que evidenciavam até as menores rugas de um Charles Bronson) e das
atuações soberbas de atores que não tinham ainda recebido o merecido
reconhecimento (foi ele quem projetou Clint Eastwood, p. ex.), Leone se
destacava por embutir nos seus filmes mensagens e discussões as mais
importantes e necessárias, mas que dificilmente tinham guarida no cinema
dito comercial.
Era como um bolo em camadas: os espectadores medianos tinham ação de
sobra para satisfazerem-se, enquanto os mais sofisticados captavam
conteúdos como o antibelicismo de Três homens em conflito, o repúdio ao capitalismo monopolista em Era uma vez na América, etc.
Em Quando explode a vingança,
o fio condutor é a amizade improvável entre um bandido mexicano que
sonha com um grande assalto a banco (Rod Steiger) e um ex-militante do
IRA que, foragido do seu país, ganha a vida como dinamitador a serviço
da mineração (James Coburn).
Leone saúda os anônimos homens do povo como os verdadeiros heróis das revoluções, contrapondo-os aos líderes que acabam sempre traindo a causa -- tanto no México (o médico interpretado por Romolo Valli) quanto na Irlanda (o dirigente do IRA).
Leone saúda os anônimos homens do povo como os verdadeiros heróis das revoluções, contrapondo-os aos líderes que acabam sempre traindo a causa -- tanto no México (o médico interpretado por Romolo Valli) quanto na Irlanda (o dirigente do IRA).
É uma produção de 1971, quando os dois maiores partidos comunistas do
ocidente vinham de decepcionar terrivelmente os esquerdistas autênticos,
seja voltando as costas aos movimentos de 1968 (o PC italiano), seja
somando forças com o governo burguês para salvá-lo dos jovens rebeldes,
abortando uma revolução que já estava nas ruas (o PC francês).
O desencanto com tais traições impregna o filme, que parece também
lançar um alerta de que as Brigadas Vermelhas e congêneres marchavam
para um destino trágico.
Um lance interessante é mostrar de forma totalmente desumanizada o
comandante das forças contra-revolucionárias: ele é visto escovando
repulsivamente os dentes, chupando um ovo, olhando pelo binóculo. Leone
não lhe concede sequer a dignidade da fala. De sua forma sutil, expressa
o desprezo absoluto que sentia pela direita troglodita.
Outra grande sacada do Leone é ressaltar que a História nunca fixa a
versão correta dos fatos. A frase que o irlandês sempre repete, sobre
"os grandes e gloriosos heróis da revolução", é um primor de sarcasmo.
Assista ao filme na íntegra, com legendas em português.
Fonte: Náufrago da Utopia
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