Maior volume de água mais salgada e quente recebida do Índico pode alterar a composição do Atlântico Sul e, eventualmente, ter impactos no Atlântico Norte, aponta estudo internacional
Pesquisa detecta mudanças no Atlântico Sul
Por Elton Alisson
“Mudanças
mínimas na temperatura ou na concentração de água alteram o processo de
troca de calor da superfície do oceano com a atmosfera, e a resposta no
clima pode ser até mesmo catastrófica”, afirmou pesquisador Edmo
Campos, da USP.
Agência FAPESP – A
porção sul do Oceano Atlântico está recebendo um maior volume de água
do Oceano Índico, que tem águas relativamente mais quentes e com maior
concentração de sal do que as oriundas das regiões subantárticas.
O processo, verificado
recentemente por pesquisadores, pode provocar mudanças na composição da
água do Atlântico Sul – que vai depois para o Atlântico Norte – e afetar
a temperatura da atmosfera nas regiões subárticas.
O fenômeno ocorre porque
as águas do Atlântico Sul que fluem em direção ao Norte transportam e
liberam calor para a atmosfera nas latitudes mais altas. Ao se tornarem
mais salinas e, consequentemente, mais pesadas, tenderão a afundar mais
rapidamente, antes de chegar às altas latitudes do Atlântico Norte – o
que pode reduzir a temperatura da superfície do oceano e da atmosfera
das regiões subárticas.
As constatações, feitas
anteriormente por modelagens numéricas, foram reiteradas agora por um
estudo observacional realizado por um grupo internacional de
pesquisadores, com a participação de brasileiros, que acaba de ser
publicado na edição online do Journal of Geophysical Research Oceans (JGR).A pesquisa é a primeira baseada em dados coletados no Alpha Crucis –
navio oceanográfico adquirido pela FAPESP, em 2012, para o Instituto
Oceanográfico (IO) da Universidade de São Paulo (USP) – e faz parte do
projeto internacional de análise da circulação de calor no Atlântico
Sul South Atlantic Meridional Overtuning Circulation (Samoc).
O esforço internacional
de pesquisa envolve pesquisadores e instituições dos Estados Unidos,
França, Brasil, África do Sul, Argentina, Rússia e Alemanha. A
participação de pesquisadores brasileiros é financiada pela FAPESP, por
meio de um Projeto Temático, realizado no âmbito doPrograma FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, e de um acordoestabelecido
com a Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe) e
com a Agence Nationale de la Recherche (ANR), da França.
“O objetivo do Samoc é
monitorar fluxos meridionais e propriedades termodinâmicas de massa de
água em uma seção vertical ao longo da latitude 34.5 graus sul, que
começa na região do Chuí, na América do Sul, e se estende até a África
do Sul, e que chamamos de Samba [sigla de Samoc Basin-wide Array]”, disse Edmo Campos, professor do IO da USP e coordenador do projeto pelo lado do Brasil, à Agência FAPESP.
Fronteira dos oceanos
De acordo com Campos,
essa linha geográfica representa uma região de fronteira por meio da
qual a mistura de águas oriundas dos oceanos Índico e Pacífico adentram a
região subtropical do Atlântico Sul; a partir daí, uma porção
significativa segue rumo ao Atlântico Norte, como parte da Circulação de
Revolvimento Meridional do Atlântico (MOC).
Ao monitorar e detectar
sinais de variação nessa região é possível prever mudanças na
temperatura do Atlântico Norte nas próximas décadas, apontou Campos.
“O Atlântico Sul realiza
transporte de calor para o Atlântico Norte a uma taxa da ordem de 1,3
petawatt, o que representa uma quantidade de energia equivalente à
produzida por mais de 200 mil usinas de Itaipu funcionando a todo o
vapor”, exemplificou Campos. “Qualquer pequena alteração nesse processo
de transporte de calor pode desencadear sérias consequências ao clima do
planeta.”
Segundo o pesquisador,
em razão dessa importância do Atlântico Sul e por ser essa uma das
regiões oceânicas com a menor quantidade de observações marítimas, foi
iniciada, nos últimos anos, uma série de esforços internacionais para
monitorá-la.
Um deles é o Samoc. Os
pesquisadores brasileiros, argentinos e norte-americanos assumiram a
responsabilidade de realizar monitoramentos na parte oeste da linha
Samba. Já os pesquisadores da África do Sul e da França estudam a região
leste, e os dos Estados Unidos, em colaboração com outros países –
incluindo o Brasil –, planejam a implantação do sistema de monitoramento
na parte central da linha.
“Nosso objetivo é que o Brasil assuma a liderança e passe a cobrir toda a extensão dessa latitude [do Chuí à África do Sul]
em cooperação com outros países, de modo a garantir o monitoramento da
linha Samba e obter informações para inferir variações no sistema de
transporte de calor entre os oceanos que, eventualmente, podem ter
impactos no clima tanto em escala regional como global”, contou Campos.
Os primeiros
experimentos da participação brasileira no projeto foram feitos no fim
de 2009, durante um cruzeiro realizado pelo navio hidroceanográfico
Cruzeiro do Sul, adquirido pela Marinha do Brasil em parceria com o
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Em dezembro de 2012, os pesquisadores brasileiros realizaram a segunda série de experimentos durante o primeiro cruzeiro internacional realizado pelo Alpha Crucis.
Primeiro cruzeiro do Alpha Crucis
Nesse primeiro cruzeiro,
a embarcação saiu do porto de Santos em direção a um ponto na latitude
34.5 graus sul (situado a cerca de 1,4 mil quilômetros da costa
brasileira). Desse ponto e ao longo dessa latitude, o navio voltou ao
litoral do Brasil, na divisa com o Uruguai.
Durante esse trajeto,
percorrido em 17 dias, os pesquisadores a bordo fizeram a coleta de
diversos tipos de dados oceanográficos, como medição da corrente,
temperatura, concentração de oxigênio e salinidade da água, por meio de
uma série de instrumentos disponíveis na embarcação.
Além disso, instalaram
no fundo do oceano, ao longo da extremidade oeste da linha Samba,
medidores de condutividade, temperatura, oxigênio e flúor, e ecossondas
com sensor de pressão e velocidade das correntes marinhas.
Chamadas CPIES (sigla de
Current, Pressure Inverted Echo-Sounders), essa ecossondas emitem um
sinal sonoro em direção à superfície do oceano. Conforme o tempo gasto
para o sinal chegar à superfície e retornar ao fundo, na forma de um
eco, é possível inferir a densidade e temperatura das correntes marinhas
e, assim, estimar a velocidade com que estão transportando calor
através da seção vertical determinada por dois desses sensores, explicou
Campos.
“Os instrumentos
instalados durante o primeiro cruzeiro internacional do Alpha Crucis
realizam medições continuamente; os dados ficam armazenados e podem ser
coletados via satélite, por meio de ‘mensageiros’ que são liberados
periodicamente e, ao chegar à superfície, transmitem os dados para os
satélites. Podem também ser coletados por transdutores acústicos em
navios oceanográficos que, ao passarem perto dos equipamentos extraem os
dados catalogados para que façamos as análises”, detalhou Campos.
“Com o primeiro cruzeiro
do Alpha Crucis conseguimos coletar uma quantidade de informações bem
maior do que tínhamos e realizar a análise das variabilidades no
processo de transferência de calor do Atlântico Sul para o Atlântico
Norte, demonstrada no artigo publicado no JGR”, afirmou.
De acordo com o
pesquisador, as análises – que também incluem dados históricos e
resultados de modelos numéricos – indicaram alterações no Atlântico Sul.
Tais mudanças, segundo ele, estão de acordo com hipóteses levantadas
anteriormente de que o volume de água que o oceano recebe do Índico está
aumentando e alterando a concentração de sal de sua massa de água – uma
vez que as águas do Índico possuem maior quantidade de sal (salinidade)
e temperatura mais elevada do que as encontradas na latitude a 34.5
graus sul do Atlântico.
Esse aumento da
concentração de sal no Atlântico Sul pode alterar o fluxo de suas águas
para o Atlântico Norte e o processo de troca de calor com a atmosfera,
alertou Campos.
“Mudanças mínimas na
temperatura ou na concentração de água alteram o processo de troca de
calor da superfície do oceano com a atmosfera, e a resposta no clima
pode ser até mesmo catastrófica”, afirmou.
“O clima depende de como
o oceano troca calor com a atmosfera e como redistribui essa
temperatura para o resto do planeta”, ressaltou Campos.
O pesquisador ressalvou
que, em razão dos dados coletados abrangerem um período de apenas 20
meses, ainda não é possível obter sinais de mudanças climáticas com base
apenas nas observações realizadas, uma vez que para isso as informações
precisariam ser obtidas por períodos muito mais longos – de décadas,
por exemplo.
O estudo, no entanto,
representa uma das primeiras contribuições para entender como o
transporte de calor ocorre no Atlântico Sul e varia em escalas de meses e
anos, ponderou.
“Nosso objetivo é obter
esses dados por períodos muito maiores do que alguns anos por meio de
outros cruzeiros planejados com o Alpha Crucis”, disse Campos.
“De qualquer forma, o
estudo já é um resultado prático, baseado em dados coletados por
cruzeiros realizados pelo Alpha Crucis, que contribuiu de forma
significativa para as observações no Atlântico Sul”, avaliou.
O artigo Temporal
variability of the Meridional Overturning Circulation at 34.5°S: Results
from two pilot boundary arrays in the South Atlantic (doi: 10.1002/2013JC009228), de Campos e outros, pode ser lido por assinantes do Journal of Geophysical Research Oceans emonlinelibrary.wiley.com/journal/10.1002/(ISSN)2169-9291.
Fonte: SOS Rios do Brasil/Free ilustration by:militanciaviva!
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