MORREU PELA BOCA
Na sessão de ontem, mais uma vez, Joaquim Barbosa ultrapassou todos os limites da civilidade, com convites para entrar na carreira política e pronto para deixar a corte, ele interrompeu duas vezes o voto do ministro Luís Roberto Barroso; "Fazer discurso político é muito fácil", acusou; no entanto, quem está a um passo de virar político é Barbosa; é ele quem assanha partidos a procurá-lo; também é Barbosa quem figura nas pesquisas como presidenciável.
"Barroso deixou que Barbosa morresse como um peixe, pela boca. Foi a vitória da serenidade sobre o destempero, da delicadeza sobre chauvinismo, do respeito à divergência sobre a intolerância"
O escritor argentino Ricardo Piglia, num de seus ensaios, propõe uma
tese segundo a qual um conto oferece sempre duas histórias. Uma delas
acontece num descampado aberto, à vista do leitor, e o talento do
artista consiste em esconder a segunda história nos interstícios da
primeira.
Agora sabemos que não são apenas escritores que sabem ocultar uma história secreta nas entrelinhas de uma narrativa clássica.
O ministro Luís Roberto Barroso nos mostrou que um jurista astuto (no bom sentido) também possui esse dom.
Esta
é a razão do ridículo destempero de Joaquim Barbosa. Esta é a razão
pela qual Barbosa interrompeu o voto do colega várias vezes e fez
questão de, ao final deste, vociferar um discurso raivoso e mal educado.
Barbosa sentiu o golpe.
Houve
um momento em que Barbosa praticamente se auto-acusou: “o que fizemos
não é arbitrariedade”. Ora, o termo não fora usado por Barroso. Barbosa,
portanto, não berrava apenas contra seu colega. Havia um oponente
imaginário assombrando Barbosa, que não se encontrava em plenário, mas
ele sentiu sua presença enquanto ouvia Barroso ler, tranquilamente, seu
voto.
O oponente imaginário são os milhares de brasileiros que vem se
aprofundando cada vez mais nos autos da Ação Penal 470, acompanhando os
debates do Supremo Tribunal Federal, ajudando alguns réus a pagar suas
multas, dando entrevistas bem duras em que denunciam os erros do
julgamento, e constatando, perplexos, que houve, sim, uma série de erros
processuais e arbitrariedades.
Barroso contou duas histórias. Uma
delas, no primeiro plano, era seu voto. Um voto tranquilo e técnico. Só
que nada na Ação Penal 470 foi tranquilo e técnico, e aí entra a
história subterrânea, por trás do cavalheirismo modesto de Barroso.
E aí se explica a fúria de Barbosa.
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