Isso quer dizer o seguinte: eles defendem os interesses particulares
das empresas para as quais trabalham. Eles são, portanto, a voz do 1%.
Nunca foi tão claro isso. Compete aos jornalistas produzir,
mecanicamente, textos, fotos, legendas, primeiras páginas e demais itens
que compõem uma publicação. Mas não pensar. Não ter ideias.
As ideias são exclusividade dos donos. Os jornalistas não podem
pensar diferente deles. Ou melhor: podem. Mas não podem transformar isso
em reportagens, artigos, entrevistas etc.
Não é um trabalho exatamente excitante. É mais parecido com propaganda do que com jornalismo propriamente: você vende ao seu público, como se fosse sabonete, os interesses de um pequeno grupo que fez o Brasil ser o que é, a terra da desigualdade.
Quanto isso pode durar?
É verdade que a internet abre aos jornalistas uma nova possibilidade – defender coisas que vão além dos interesses do 1%.
Mas para quem está engaiolado nas corporações o prolongamento de uma
situação em que pensar é proibido pode tornar a situação mais e mais
exasperante.
Entendo que isso possa explicar, ao menos em parte, o desabafo franco – e talvez suicida – da ombudsman da Folha, Suzana Singer.
Ao comentar a cobertura de uma pesquisa sobre a situação dos
brasileiros, ela se referiu ao tradicional “catastrofismo” da Folha.
Os destaques dados pela Folha foram, todos eles, negativos. As más
notícias estavam longe de representar o conjunto. Isso significou que
foi oferecido ao leitor um quadro distorcido.
O desafio de um editor é ajudar o leitor a entender o mundo. Uma das
armas, para isso, é buscar uma visão de floresta sobre as coisas, e não
se limitar a uma árvore ou outra.
A Folha fez o oposto. Se conheço a vida numa redação, os editores da
reportagem sobre a pesquisa acharam que, pinçando as estatísticas ruins,
estavam agradando a seus patrões.
O acúmulo deste tipo de expediente pode ter esgotado a paciência da
ombudsman. Catastrofismo é uma acusação séria. É desvio de caráter numa
publicação. Não é um problema ocasional. É um drama no dia a dia do
jornal e, sobretudo, dos seus leitores.
Outro episódio que tinha me chamado a atenção, na mesma linha, foi
uma surpreendente crítica de Ricardo Noblat no site do Globo a Joaquim
Barbosa. Sempre tão obediente à linha de pensamento dos Marinhos, ali
Noblat foi para o lado oposto.
Cansaço? Exaustão? Frustração? Alguma preocupação com a posteridade? Problemas de consciência?
Situações extremas não podem perdurar por muito tempo. O jornalismo
chapa branca que se faz hoje nas redações brasileiras – um ofício em que
você faz pouco mais que beijar as mãos dos donos – é a negação do real
jornalismo.
A beleza do jornalismo é dar voz a quem não tem. O jornalismo brasileiro dá voz a quem tem o monopólio da voz.
Uma hora a gaiola fica incômoda demais, por maiores que sejam os salários.
Paulo Nogueira no DCM
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