Um livro de mil páginas lançado no Brasil em 1998, "Seja Feita a Vossa Vontade”,
dos jornalistas americanos Gerard Colby e Charlotte Dennett ,
detalha, sem muita repercussão então, a abrangência, os métodos e a
intensidade das violações cometidas pelos EUA para avaliar e
controlar recursos do subsolo brasileiro.
O livro foi lançado num momento sensível, digamos assim, o que talvez explique sua repercussão contida na emissão conservadora.
Um ano antes, o governo FHC havia privatizado a Vale do Rio Doce, o primeiro e um dos mais polêmicos episódios de uma série.
O valor da venda, em torno de R$ 3,3 bi então, seria superado, com
folga, pelo lucro anual de uma das maiores mineradoras e detentoras de
jazidas do planeta.
Em "Seja Feita a Vossa Vontade", Colby e Charlotte não tratam da
Vale. Mas mostram o entrelaçamento entre a cobiça privada de Nelson
Rockefeller e os serviços de espionagem dos EUA na rapinagem das
riquezas minerais do país.
Nessas investidas, Rockefeller e a CIA não hesitariam em recorrer a
missionários para dominar áreas indígenas, bem como agir para derrubar
governos que colocassem obstáculos às suas operações e negócios.
Os golpes, de 1954, contra Getúlio, frustrado pelo seu suicídio, e
aquele contra Jango, dez anos mais tarde, segundo os jornalistas,
tiveram o dedo de Rockefeller diretamente.
As denúncias atuais, baseadas em informações vazadas por Edward
Snowden, que vem se somar às já veiculadas tendo como alvo a Petrobrás,
mostram uma grau de ousadia ímpar.
A desfaçatez, no caso do pente fino nas Minas e Energia, pode estar
associada à pressa em obter informações estratégicas, antes da votação
do novo Código Mineral proposto pelo governo.
Ademais de elevar alíquotas de royalties, o projeto em negociação no
Congresso, transfere a uma estatal o gerenciamento público da pesquisa
no país.
Hoje vale a lei do velho oeste: quem chegar primeiro, registra e tem o
direito de lavra. E pode dormir sobre uma reserva de mercado à espera
de valorização das cotações, frequentemente em detrimento das urgências
do país. Como aconteceu durante anos com minas de fosfato detidas
pela iniciativa privada.
Talvez a devassa da CIA e dos canadenses tenha exatamente o objetivo de
abastecer os congêneres atuais de Rockefeller com o máximo de
informações possíveis para obtenção de registros. Antes de vigorar a
nova lei.
Em 2000, Colby e Charlotte concederam uma entrevista a Kátia Melo, da IstoÉ, sobre suas investigações. Alguns trechos, abaixo, revelam a extensão dos interesses por trás de uma ação da CIA:
Colby – Como presidente do Grupo Especial do Conselho Nacional
de Segurança, (Nelson Rockefeller) conhecia todos os segredos da CIA e
suas atividades, incluindo tentativas de assassinatos, experimentos de
controle da mente, envolvimentos em golpes.
Charlotte – Se você quer ter recursos naturais e expandir seus
negócios, precisa do serviço de inteligência. Precisa saber com quem
está lidando e quais são os obstáculos que irá enfrentar. E fica claro
no livro que Rockefeller obteve um considerável avanço em seus negócios
depois de conseguir essas informações como coordenador das políticas
interamericanas.
Colby – Em cada país, incluindo o Brasil, Rockefeller instaurou
um conselho local administrativo formado por empresários dos países
latinos e empresários americanos que nesses países residiam. Eram essas
pessoas que passavam a ele informações sobre como atuar no país e como
implementar seus programas. Mas o mais importante era como ganhar
suporte dos governos para seus projetos. Esses contatos que ele fazia se
estenderam para a área militar, como com o general Eurico Gaspar
Dutra, que foi operacional no golpe de 1945 contra o presidente Getúlio
Vargas. Quando assumia cargos públicos, Rockefeller estabelecia
contatos que depois ele usava como empresário.
Colby – (...) a CIA ainda retém em seu poder a maior parte
desses documentos. Nos papéis que conseguimos, descobrimos que os
homens de Rockefeller no Brasil tinham entre 1964 e 1969 uma ligação
direta com o Serviço Nacional de Informação (SNI).
Charlotte – Rockefeller estava sempre nos bastidores nos grandes
momentos da política brasileira. Em 1945, no golpe que depôs Vargas, a
pessoa-chave era Adolf Berle, o embaixador americano no Brasil e o
protegido de Nelson Rockefeller. Depois veio o golpe de 1964 e lá
estava ele agindo novamente.
Charlotte – Vargas e Jango foram os grandes obstáculos para
Rockefeller realizar o que chamava de o “sonho brilhante”, o plano de
desenvolvimento da Amazônia. Jango o incomodava muito porque denunciava
os ricos na Amazônia, entre eles o coronel John Caldwell King, que
mais tarde tornou-se o grande homem da CIA em toda a América Latina.
Colby – King também era o chefe da operação que mandava dinheiro
dos EUA para o Brasil para financiar os projetos aos golpistas. A CIA
também controlava as operações de financiamento para projetos no
Nordeste. E a Corporação Internacional de Economia Básica (Ibec),
comandada por Rockefeller no Brasil, também foi acusada de distribuir
dinheiro antes do golpe contra Jango (um relatório da CIA menciona em
até US$ 20 milhões).
Inclusive foi a Ibec que escreveu as leis bancárias do Brasil para
estabelecer linhas de crédito mais flexíveis a negociações para
continuar com as operações na Amazônia, anunciada pelos generais
brasileiros.
Charlotte – Ele (Rockefeller) acreditava que o desenvolvimento
da Amazônia daria um novo respiro econômico aos EUA, assim como foi a
colonização do Oeste americano.
Charlotte – Cheguei a ler memorandos de Rockefeller para seus
assessores em 1963 que diziam que Kennedy não estava cooperando. E ele
colocava Kennedy e João Goulart na lista das pessoas que eram
obstáculos para seus objetivos. Kennedy morreu em novembro de 1963 e
Goulart sofreu um golpe em março de 1964.
Charlotte – Simplesmente a proteção dos interesses americanos. E
isso faz parte da História. As corporações americanas sempre quiseram
estabilidade para seus investimentos. E por isso apóiam os governantes
que se alinham com o pensamento americano. Caso saiam da linha, pagam
as consequências.
Saul Leblon
No Carta Maior
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