Por pressões dos EUA, o diplomata brasileiro José Mauricio Bustani foi afastado da Opaq, que ganhou o Nobel
Num país onde tantos cidadãos lamentam a
ausência de um Prêmio Nobel na lista de orgulhos nacionais, o diplomata
brasileiro José Mauricio Bustani cumpriu um destino mais do que
exemplar.
Nenhum brasileiro ficou tão perto de um Nobel como ele.
Em abril de 2002, Bustani foi afastado da direção geral da Opaq,
sigla de Organização Mundial pela Proibição de Armas Químicas, por
pressão do governo norte-americano. Na semana passada, onze anos e cinco
meses depois, a Opaq recebeu o Prêmio Nobel da Paz, uma homenagem
indireta a Bustani, dirigente que, a frente da organização, conseguiu
lhe dar estatura de organismo internacional relevante.
Mas o Brasil não pode fazer uma festa. Na hora necessária, em 2002,
durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o governo brasileiro
entregou Bustani a própria sorte.
Eleito e reeleito para direção-geral da Opaq, posto que o colocava no
centro de diversos acontecimentos mundiais do período, Bustani trouxe
dezenas de países para integrar os quadros da Opaq, situação que
permitia a realização de inspeções internacionais para apontar e
destruir armas químicas.
Os problemas com os Estados Unidos começaram quando ele insistiu em
fazer inspeções naquele país, sempre disposto a verificar arsenais de
outras nações, mas sem a mesma disposição para fazer o mesmo em suas
fronteiras.
A situação agravou-se quando Bustani se mobilizou pela filiação do
Iraque de Sadham Hussein na Opaq. Era uma medida que permitiria dar uma
solução pacífica para um impasse que se acumulava depois do 11 de
setembro. Se o Iraque possuía armas químicas, como Washington
denunciava, seus arsenais poderiam ser localizados e destruídos. Se isso
não era verdade, como se demonstrou, seria possível questionar um
pretexto cultivado pela Casa Branca para justificar a invasão daquele
país, que acabou ocorrendo 13 meses depois da queda de Bustani, numa
operação militar que produziu pelo menos 200 000 mortos, gerou um custo
de 4 trilhões de dólares e ajudou a colocar a economia mundial num
precipício que iria explodir em 2008, do qual não se recuperou até hoje.
Mohammed Elbaradei |
Talvez fosse ilusório imaginar que um diplomata poderia, sozinho,
impedir uma ação desse vulto. Mohammed Elbaradei, diretor da Agencia
Internacional de Energia Nuclear, chegou a denunciar, no Conselho de
Segurança da ONU, que os argumentos de que Sadham Hussein possuía “armas
de destruição em massa” se apoiavam em documentos forjados e a guerra
foi declarada mesmo assim.
Mas havia uma possibilidade de resistência, e foi isso que o Nobel
premiou. (O próprio Baradei foi premiado pela mesma razão em 2005).
O esforço de Bustani foi anulado pela pressão direta de Washington,
que passou a trabalhar por seu afastamento assim que se verificou que a
atuação do diplomada poderia atrapalhar os planos de guerra.
Pressionado pela Casa Branca, o Itamaraty assumiu uma postura
submetida. Sequer mobilizou aliados para defender o diplomata contra uma
decisão que não era prevista pelos estatutos da entidade. Bustani
cumpria seu segundo mandato a frente da Opaq. Nas duas vezes, fora
eleito com apoio dos votos dos Estados Unidos.
Numa tentativa de barganhar a destituição, funcionários americanos de
segundo escalão chegaram a sugerir que o Brasil assumisse o Alto
Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, em substituição à
irlandesa Mary Robinson.
O próprio diplomata recusou, conforme explicou, na naquele momento,
em entrevista a Eduardo Salgado: “Se tivesse saído quieto quando os
americanos mandaram, eu poderia estar num belo posto. Mas não seria uma
pessoa feliz.” Ele também disse: “Fui um obstáculo para os americanos
porque agi de maneira independente, fazendo com que as regras valessem
para todos. Dos Estados Unidos ao Paraguai. Em tese, os americanos
aceitam que as regras valem para todos, mas talvez não queiram que seja
assim na prática. “
Bustani foi afastado numa decisão de 48 votos a favor da destituição,
6 contra e 43 abstenções. Se não parecia possível garantir a
transformação de todos as abstenções em votos a favor da permanência de
Bustani, o Itamaraty não assumiu uma postura mais firme diante uma
diplomacia imperial que empurrava o mundo para uma guerra com base num
pretexto que já poderia ter sido desmascarado naquele momento. “Basta
verificar os votos dos países latino-americanos para constatar se houve
ou não empenho do governo brasileiro. Quando o próprio governo
brasileiro diz que a direção da Opaq não é importante para o Brasil,
sinaliza para os outros países que não deseja o apoio deles”, disse a
ISTOÉ, em 2002, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães.
Afastado da Opaq, Bustani foi mantido na geladeira profissional do
Itamaraty nos meses finais do governo FHC e só voltou a ocupar um posto a
altura depois da posse de Luiz Inácio Lula da Silva. Foi nomeado
embaixador em Londres e, depois, em Paris.
Por Paulo Moreira Leite Na Isto è
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